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A agenda mais importante do Brasil: melhorar a qualidade da educação

Não haverá crescimento econômico e redução da desigualdade de forma sustentável se a melhoria na qualidade da educação não virar “a” prioridade nacional
Por  Aod Cunha -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Imagine aspirações de um futuro melhor para o Brasil. A economia crescendo mais, depois de quatro décadas crescendo menos que o mundo, sendo menos de 1% ao ano na última. Um país menos desigual, melhorando a atual distribuição de renda, que é das piores no mundo. Um país mais contemporâneo com as demandas do século XXI em termos de conexões com novas tecnologias, respeito ao meio ambiente e à diversidade entre os seres humanos.

Se há alguma ferramenta social que possa ser uma plataforma comum para essas e outras aspirações é a educação. Uma educação de boa qualidade. Algo que o Brasil não vem conseguindo evoluir na velocidade que precisa, apesar do crescente aumento de recursos nos últimos anos.

Além disso, dado que mais de 80% das matrículas no ensino básico no Brasil estão na rede pública, por mais que se expanda a rede privada não é possível imaginar uma melhoria significativa do aprendizado no Brasil sem ações transformadoras na primeira rede. Aliás, a experiência internacional mostra ser difícil algum país sair da pobreza ou da armadilha da renda média sem em algum momento promover algo transformacional na sua rede pública de ensino.

Em todas as últimas comparações internacionais de desempenho em educação, como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o Brasil continua nas últimas colocações em termos de desempenho em linguagem, matemática e ciências. Ao mesmo tempo o Brasil teve o segundo maior crescimento de gasto público nominal em US$ (PPP) de 2005 a 2015 (5,4% a.a.) entre os países da OCDE, incluindo Chile, México e Argentina (este último, o país que apresentou o maior crescimento).

Não ver uma melhora mais rápida na evolução do aprendizado no Brasil apesar do incremento de recursos é particularmente preocupante por duas razões.

A primeira é que estamos no fim do nosso bônus demográfico. Com a diminuição relativa da nossa força de trabalho será urgente aumentar a produtividade por trabalhador, estagnada nas últimas décadas. E será uma tarefa inglória fazer isso sem uma melhora acentuada na formação educacional dos novos trabalhadores.

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A segunda é que além do baixo crescimento, o Brasil permanece como um dos países com pior distribuição de renda no mundo. Esperar que apenas políticas de transferência de renda direta promovam a reversão desse quadro é pouco.

Igualdade de oportunidades desde o nascimento precisa entrar nessa batalha. A criança pobre que vai para uma escola de periferia sem condições mínimas para o aprendizado é forte candidata a depender para sempre de políticas assistenciais. Isso será sustentável em larga escala num país que envelhece rapidamente? Certamente não.

Colocar a educação como prioridade não é apenas colocar mais dinheiro público no orçamento para o ensino. Temos que entender por que a educação no Brasil como um todo não melhora na proporção que deveria quando alocamos mais dinheiro. E precisamos também entender por que não conseguimos replicar em larga escala alguns bons exemplos de melhoria acentuada de performance.

Nosso principal problema é pouco dinheiro para a educação?

Além do crescimento do gasto com educação nas últimas décadas, o próprio nível do gasto como proporção do PIB não parece ser a melhor explicação para não termos uma educação de melhor qualidade.

O Brasil gasta próximo a 6% do PIB com educação contra pouco mais que 4% da OCDE. Esse patamar nos coloca com um gasto proporcional ao PIB superior a 120 países num universo de 142 pesquisados entre 2014 e 2017 (Aperfeiçoando o Desenho do Fundeb, Ricardo Paes de Barros e Laura Muller Machado, Insper, 2020).

É fato que temos uma distribuição que privilegia o ensino superior público relativamente ao ensino básico quando olhamos números internacionais.

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Gastamos US$ 4 mil por aluno em média no ensino básico e US$ 14 mil no ensino superior. Já na OCDE, o gasto com aluno no ensino básico é próximo a US$ 9 mil e no ensino superior é de US$ 16 mil.

Mesmo sendo um valor por aluno em dólares mais baixo do que o da OCDE, o gasto em reais por aluno no Brasil no ensino básico vem aumentando significativamente. E a resposta em termos de melhoria de resultados fica muito aquém.

Vejamos um exemplo. Em termos de gasto por aluno em reais no ensino médio, o Brasil passou de R$ 1.600 para R$ 6.500 entre 2005 e 2015. Mais que quadruplicou. Já no mesmo período o resultado médio da avaliação de proficiência em matemática no SAEB continua estagnada em 260 pontos. É fácil compreender por que o Brasil continua nas últimas posições em matemática no PISA.

Os bons exemplos no Brasil

O que Sobral (CE), Cocal dos Alves (PI), Novo Horizonte (SP), Panelas (PE) e Picada Café (RS), em lugares tão distintos do Brasil têm em comum? Essa é uma pergunta interessante que aparece nos trabalhos de Ricardo Paes de Barros e Laura Muller Machado (Insper) sobre o aperfeiçoamento do FUNDEB.

A resposta: todos têm resultados dos anos finais do ensino fundamental no IDEB 2017 bem superiores à média nacional, à meta do Plano Nacional de Educação (PNE) para 2021 e comparáveis às boas médias de desempenho da OCDE

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O gráfico acima nos passa de imediato duas percepções interessantes.

Primeiro, que é possível fazer educação de qualidade no Brasil em diferentes ambientes regionais. Há municípios no Norte, Nordeste, Centro Oeste, Sudeste e Sul com performances bastante boas.

Segundo, mesmo municípios pobres e orçamentos menores para a educação conseguem ter bons resultados. Sobral (CE) e Cocal dos Alves (PI) conseguem resultados excelentes gastando muito menos do que a média de milhares de municípios no Brasil. Há correlação positiva entre o gasto por aluno e a avaliação no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), mas a dispersão de resultados para um mesmo nível de gasto é enorme. Mesmo entre os que têm ótimos resultados, a diferença de gasto é acentuada. Picada Café (RS) gasta mais de três vezes por aluno o que gasta Sobral (CE).

Vimos acima exemplos de cidades do interior do Brasil, mas o mesmo tipo de consideração vale para cidades maiores. Ainda analisando o IDEB de 2017, se olharmos só para as capitais do Brasil, Porto Alegre tinha o maior gasto total com educação por aluno (R$ 17 mil reais) e ficou nas últimas posições do ranking tanto nos anos iniciais (nota 4,6) como nos anos finais (nota 3,8). Teresina, na ponta de cima do ranking (6,1 e 5,2, respectivamente), tinha um gasto total próximo a R$ 5 mil por aluno, menos de 1/3 da capital gaúcha (IDEB 2017, INEP – Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, 2018)

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Como replicar e dar escala aos bons exemplos?

Olhando para os bons exemplos no Brasil, nos damos conta de que não precisamos aprender como melhorar a qualidade da educação no país apenas olhando para a Finlândia, Canadá, Coréia, Nova Zelândia, Hong Kong ou mesmo Portugal.

Podemos olhar para o ótimo desempenho de muitos municípios do interior do Brasil, mesmo os mais pobres.

Como fazer para que os bons exemplos se multipliquem numa velocidade maior, melhorem o capital humano do Brasil e tragam mais oportunidades principalmente para os filhos de pais com renda mais baixa?

Ricardo Paes de Barros e Laura Muller Machado trazem uma boa sugestão: documentar melhor os casos de sucesso, em estados, cidades e escolas, e divulgá-los para que outros possam aprender e adaptar às suas realidades. O MEC divulga rankings mas não há documentação e a divulgação sobre o que levou a esses casos de sucesso, como ocorre no modelo chileno, para se ficar apenas na América do Sul.

Acho ótima a sugestão acima. É preciso tornar mais acessível a gestores públicos, diretores de escola, professores e pais quais mecanismos de incentivos vêm funcionando mais (aqui são exemplos meus e não dos dois pesquisadores anteriores): repasses de ICMS para municípios atrelados à performance na educação (como o adotado no Ceará), modelos alternativos de remuneração dos professores, avaliação constante, atividades de reforço escolar, recursos digitais, modelos alternativos de escolha dos diretores de escola, etc.

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Alguns estados têm mostrado que a correta combinação dos mecanismos acima pode gerar resultados positivos em larga escala. Goiás, Espírito Santo e Ceará são exemplos de evolução rápida e consistente nas avaliações de desempenho.

Além dessa sugestão técnica, outro movimento me parece ainda mais importante: o debate sobre a qualidade da educação precisa ser ampliado. A discussão sobre a aprovação do novo Fundeb no ano passado mostrou um país aparentemente mais interessado no tema, ainda que talvez com uma discussão excessivamente concentrada no aspecto do tamanho do orçamento para a educação.

É preciso envolver mais a comunidade escolar como um todo, incluindo os pais, e não apenas sindicatos e governos nas discussões sobre o que fazer para melhorar a qualidade da educação. É preciso envolver a sociedade num compromisso quase obsessivo com a melhora do aprendizado de nossas crianças e jovens.

Não haverá projeto de futuro melhor para o Brasil sem uma educação melhor. De nada adiantará outras frentes para um crescimento mais sustentável e inclusivo se não colocarmos a busca de um aprendizado de melhor qualidade como “a” prioridade nacional.

Aod Cunha Economista. É conselheiro de administração de empresas como Grupo Vibra, Agibank, Atiaia Energia (Grupo Cornélio Brennand), Seguros Unimed, Grupo Edson Queiroz e ATITUS e membro independente de comitês de investimentos. Foi sócio do Banco BTG Pactual e managing director do JP Morgan. Entre 2007 e 2009 foi secretário da fazenda do estado do Rio Grande do Sul e presidente do conselho de administração do Banrisul. É professor do curso de pós graduação em Finanças, Investimentos e Banking da PUCRS. Especialista em economia da CNN.

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