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Halving: o Bitcoin vai explodir ou implodir? Entenda o que realmente deve acontecer

Um zumbi tributário

A insistência em recriar a CPMF, mesmo rebatizada, revela descaso com a distorção associada a este tributo
Por  Alexandre Schwartsman -
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Antônio, Beatriz e Cris entram num bar. Tendo pedalado 100 km, Antônio topa pagar até R$ 20 por uma cerveja gelada. Já Beatriz, que caminhou na manhã de sábado, também gostaria de uma cerveja, mas não pagaria mais do que R$ 12. Cris, que curtiu a manhã lendo no parque, adoraria uma breja, mas no máximo por R$ 8.

A cerveja, trincando, sai por R$ 8. Cris, portanto, entregou R$ 8 por algo que havia avaliado em R$ 8; Beatriz também pagou o mesmo valor, mas, como estava disposta a pagar até R$ 12, saiu com um excedente de R$ 4; Antônio, por sua vez, registrou um excedente de R$ 12, já que valorizava a cerveja a R$ 20.

Assim, os três consumidores acumularam um excedente de R$ 16. Já o custo da cerveja para Zuleide, a dona do bar, era R$ 7/garrafa (tudo incluso). Ao vender as três garrafas por R$ 8 cada, teve lucro total de R$ 3. A sociedade, portanto, registrou ganho de R$ 19 nestas transações.

Num universo paralelo, porém, havia um imposto de R$ 5 sobre a venda de cerveja. Assim, chegando ao bar, nossos consumidores encontraram um preço de R$ 13/garrafa. Beatriz e Cris desistiram da compra ao ver o preço; Antônio, por sua vez, não só pagou, como ainda saiu positivo na transação, registrando excedente de R$ 7 na comparação com o preço que estava disposto a pagar.

Zuleide vendeu apenas uma garrafa, por R$ 13, dos quais pagou R$ 5 ao governo, e ficou com lucro de R$ 1. O governo, por sua vez, arrecadou R$ 5, referente à venda de uma garrafa de cerveja. A sociedade teve um ganho total de R$ 13 (R$ 7 do excedente de Antônio, R$ 1 do lucro do bar e R$ 5 referentes à arrecadação do governo).

Nesse universo paralelo, houve, portanto, destruição de valor na comparação com o original: R$ 13 versus R$ 19, que pode ser atribuída à única diferença entre estes dois universos, a tributação de R$ 5/garrafa. A esta perda, dá-se o nome de “peso morto” do imposto, ou “custo de eficiência”.

O exemplo parece muito particular, mas a verdade é bastante geral (os interessados em uma discussão mais profunda, em termos simples, podem achá-la aqui). A introdução/elevação de impostos não provoca apenas a redistribuição do bolo entre consumidores, empresas e governo, mas também reduz o tamanho do bolo ao alterar o comportamento de consumidores e produtores.

(Há, é bom registrar, momentos em que vale a pena reduzir a produção e o consumo, como no caso de atividades altamente poluidoras, cujo custo também tem de ser contabilizado, mesmo que nenhum agente particular o faça, mas não se trata do tema aqui discutido).

O problema se agrava quando o imposto é cumulativo porque a alíquota sobre os estágios finais da cadeia de produção é crescente: quanto mais longa, tanto maior o imposto e, consequentemente, tanto maior a distorção. Note-se também que produtos de longas cadeias ficariam relativamente mais caros do que os de cadeias curtas, o que agrava as distorções resultantes da introdução do tributo.

Isto se torna ainda mais importante à luz da insistência do ministro da Economia com o retorno da CPMF, rebatizada como ITF, mas essencialmente a mesma coisa.

Segundo seus cálculos, o efeito cumulativo do ITF em uma cadeia de produção de dez elos seria 4,5%. Tomando provisoriamente estas contas como verdadeiras, sugerem uma alíquota de 0,25% sobre cada lado da transação, que, para fins de comparação com a CPMF seria 0,50% (que incidia apenas sobre um dos lados), um tanto acima da alíquota que vigorava em 2007 (0,38%), quando aquele tributo foi extinto.

Naquele momento, a CPMF arrecadava o equivalente a 1,3% do PIB, o que hoje representaria cerca de R$ 90 bilhões. Com uma alíquota mais alta, poderia arrecadar algo na casa de R$ 120 bilhões (menos do que os R$ 150 bilhões indicados por Guedes), supondo que a reação de consumidores à maior alíquota – como a descrita acima – fosse modesta. Já a arrecadação total do governo federal se situa na casa de R$ 1,5 trilhão, cerca de 21% do PIB, 12,5 vezes maior do que a provável receita do ITF.

Obviamente não falamos de substituir todos os tributos federais pelo ITF (muito embora o atual secretário da Receita tenha defendido esta tese alguns anos atrás). De qualquer forma, deve ficar claro que, para substituir, mesmo parcialmente, os impostos existentes, dificilmente escaparíamos de alíquotas ainda maiores do novo ITF.

Se verdade, também não faria sentido supor que a reação dos tributados fosse tão modesta quanto sob uma alíquota baixa, indicando não só um “peso morto” maior, como a possibilidade que a arrecadação fosse menor do que a estimada pela mera extrapolação das alíquotas.

A insistência em transformar a CPMF num zumbi tributário já passou do estágio de curiosidade para obsessão mórbida.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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