Selic: o que esperar?

A comunicação do BC aponta para alta modesta da Selic para 2021, mesmo com a inevitável queda da prescrição futura no próximo ano. Para que esse cenário benigno se materialize, porém, será necessário manter o atual regime fiscal
Por  Alexandre Schwartsman -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O Banco Central (BC) publicou a Ata da reunião do Copom da semana passada, aclarando tanto as decisões de manter a meta para a taxa Selic em 2,00% ao ano e a prescrição futura sobre a trajetória dos juros, quanto, e principalmente, o prazo de validade da prescrição futura e o que virá depois dela.

No que diz respeito aos dois primeiros tópicos, expectativas de mercado e previsões do BC justificam a manutenção da Selic em 2,00% ao ano e a prescrição futura.

Conforme mostra a tabela abaixo, apesar da forte surpresa negativa da inflação no último trimestre de 2020 (da qual trataremos logo mais), as previsões do BC e as expectativas de mercado para 2021, o horizonte relevante, seguem abaixo da meta.

Não há, é verdade, como ignorar que a inflação subiu muito mais do que o previsto no último trimestre de 2020, quando ela deve atingir cerca de 3%, ante 1,3% nos primeiros nove meses do ano.

Mesmo assim, o BC acredita que se trata de um fenômeno temporário, impulsionado por um aumento inesperado dos preços dos alimentos e dos preços administrados, notadamente as tarifas de energia, refletindo a seca e, portanto, a necessidade de usar fontes térmicas mais caras para a geração de energia.

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Tão importante quanto, analistas de mercado parecem compartilhar dessa visão, já que as expectativas para 2021 subiram apenas modestamente em relação ao nível observado em outubro (de 3,1% para 3,3%), enquanto as expectativas para 2022 não se moveram.

Parece, pois, que – apesar do choque inflacionário – as expectativas continuam bem ancoradas e, como notado, ainda abaixo da meta no que se refere a 2021, em linha com as condições de prescrição futura.

Dito isso, o Copom reconhece ser improvável que essas condições permaneçam indefinidamente.

Por um lado, como também se vê na tabela, expectativas e projeções para 2022 já se encontram próximas à meta, 3,5% e 3,4%, respectivamente.

Como se sabe, em meados do ano que vem, o BC começará a mudar o foco da política monetária de 2021 para 2022, em função das defasagens usuais desse instrumento (de 12 a 18 meses).

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Nesse caso, a primeira condição de validade da prescrição futura, qual seja, a inflação esperada inferior à meta, desapareceria naturalmente.

Essa, porém, não é a única possibilidade para alteração da prescrição futura. As projeções de inflação para 2021 também podem aumentar, aproximando-se da meta de 3,75% para o ano, o que justificaria seu descarte.

Ou ainda, as demais condições para a manutenção da prescrição futura – a permanência do regime fiscal e a ancoragem das expectativas de longo prazo – também podem deixar de existir.

Fato é que já se esperava a elevação da taxa Selic em 2021, independentemente da prescrição futura.

Pouco antes da reunião de outubro, por exemplo, a pesquisa Focus apontava a primeira alta em outubro de 2021, prevendo a taxa Selic a 2,75% em dezembro daquele ano; já na véspera da reunião passada a expectativa de alta havia sido antecipada para agosto de 2021, enquanto para dezembro se esperava que atingisse 3%.

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A verdade é que o timing do eventual aumento das taxas de juros depende crucialmente do cenário que prevalecerá em 2021.

Se fosse o primeiro caso, ou seja, o deslocamento normal do horizonte relevante para um período (2022) em que as expectativas e projeções já estão na meta, o BC não teria urgência de elevar as taxas assim que a prescrição futura caísse.

Se, no entanto, estamos falando de deterioração das expectativas/projeções para 2021, ou pior, desdobramentos que levem ao fim do atual regime fiscal, então, apesar das afirmações em contrário do BC, parece mais provável que a alta da Selic se seguiria imediatamente ao fim da prescrição futura

Dito isso, minha própria opinião sobre o assunto.

Caso a inflação dependesse apenas do comportamento provável do desemprego, colocaria todas as minhas fichas num valor abaixo da meta em 2021.

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Apesar da recuperação econômica, a folga no mercado de trabalho continua enorme, sugerindo um hiato de produto negativo ainda maior (em valor absoluto) do que o estimado no final de 2019 e início de 2020.

Infelizmente, as coisas não são tão simples. O risco inflacionário também depende da manutenção do regime fiscal e, nesse aspecto, as coisas estão bem menos claras do que gostaríamos.

Permanece um risco considerável de derrapagem, devido à inação do governo tanto na gestão do problema quanto em sua relação com o Congresso.

Em suma, caso o governo supere sua incapacidade de fazer as coisas, podemos contar com um aperto muito gradual das condições monetárias a partir do segundo semestre de 2021. Se não for esse o caso, todavia, podemos o risco de um tranco nos juros se tornará muito alto.

A bola segue na quadra do governo.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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