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R$ 1.000.000.000.000,00

Ao contrário da crença geral, gastos públicos continuaram a crescer mesmo depois da criação do teto constitucional. Apenas a fé em verdades reveladas supera a mensagem clara dos dados
Por  Alexandre Schwartsman -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Na verdade, R$ 999,4 bilhões é o valor estimado pelo Tesouro Nacional para o gasto com remuneração de empregados do governo geral (União, estados e municípios) no ano passado.

O valor é chamativo, pelo menos para o ministro da Economia, obcecado com a cifra. Mas, para manter o clima confessional, o real motivo da ênfase a ele é a discussão sempre presente sobre a evolução do dispêndio no Brasil.

Em particular se, como colocado por uns e outros, a manutenção do teto de gastos impede o desenvolvimento do país – ou, como colocado mais recentemente, se ele seria inclusive racista.

A resposta para qualquer um que siga os números é obviamente “não”. Mas, mais importante do que a conclusão em si, é o caminho até ela.

O gráfico abaixo resume a evolução do gasto do governo geral (exceto a estimativa de depreciação do capital público) a partir de 2010, medido a preços constantes de 2019.

A primeira conclusão que salta aos olhos é que os dados não corroboram a visão de uma política fiscal excessivamente apertada.

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Com efeito, desde 2016, quando foi criado o teto de gastos para o governo federal, o dispêndio dos três níveis de governo aumentou pouco mais do que R$ 75 bilhões, apesar da forte queda das despesas com juros da dívida pública.

Já as chamadas despesas primárias cresceram cerca de R$ 240 bilhões no período, ao ritmo de 2,8% ao ano, um tanto abaixo do observado no período 2010-14 (3,7% ao ano), mas muito longe de caracterizar uma contração que impedisse o país de crescer.

Houve, por certo, redução do investimento governamental, de R$ 110 bilhões para R$ 99 bilhões no período, mas a queda de R$ 11 bilhões empalidece frente ao aumento de gastos com benefícios sociais (R$ 163 bilhões) e funcionalismo (R$ 63 bilhões).

Em outras palavras, a redução do investimento não resultou do teto – que, lembremos, só se aplica ao governo federal –, mas de uma estrutura de prioridades que privilegia os gastos com grupos próximos ao aparelho estatal em detrimento daqueles relativos à infraestrutura e prestação de serviços públicos.

Não houve também queda de gastos federais com educação (estáveis ao redor de R$ 166 bilhões) e saúde (que subiram de R$ 143 bilhões para R$ 153 bilhões entre 2016 e 2019).

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A ideia, portanto, que o teto de gastos sacrificou estas áreas é outra que não sobrevive ao confronto com os dados.

Todos os números aqui apresentados estão disponíveis em sítios do governo, no caso o Tesouro Nacional, devidamente planilhados de maneira amigável e com várias notas explicativas.

Não é preciso, portanto, um estudo trabalhoso para obtê-los a partir de extensas bases de dados, nem interpretações complicadas acerca do significado de cada linha de despesa, muito pelo contrário.

À luz disso, pergunto: por que dados tão óbvios seguem ignorados no debate?

Preguiça decerto desempenha um papel, mas o problema real é a existência de ideias preconcebidas e a falta da cultura do contraditório.

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Concretamente, há quem se oponha ao dispositivo desde sua concepção, quase sempre baseado na noção “gasto é vida”, que norteou, como se sabe, a política fiscal no governo Dilma, com resultados para lá de conhecidos.

Fatos pouco importam para quem conhece a verdade revelada.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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