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Protocolos náuticos e o mercado de trabalho

Medidas de geração de empregos formais (CAGED e PNAD) mostram realidades muito distintas. As mudanças metodológicas no CAGED sugerem que, ao menos por enquanto, é melhor se fiar na PNAD
Por  Alexandre Schwartsman -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Segundo o governo, vivemos um momento bom no mercado de trabalho: em fevereiro, foram criados mais de 400 mil postos no mercado formal (“o melhor fevereiro em 30 anos!”), acumulando quase 690 mil novos postos nos últimos 12 meses.

Também segundo o governo, vivemos um momento ruim do mercado de trabalho: houve a destruição de 108 mil empregos formais em janeiro, acumulando perda de 4,4 milhões de postos nos últimos 12 meses.

Ficou confuso? Não se sinta envergonhado, porque o assunto tem gerado mais controvérsia do que se pode esperar de uma questão em que os dados falariam mais alto do que qualquer polêmica teórica.

Há duas fontes nacionais de dados mensais sobre o mercado de trabalho: o Cadastro Geral de Emprego e Desemprego, conhecido como CAGED, e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios contínua mensal, alcunhada PNAD.

A primeira é estimada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, hoje incluído no Ministério da Economia, enquanto a segunda é conduzida pelo IBGE desde 2012.

O CAGED registra admissões e demissões no mercado formal de trabalho, isto é, empregos com carteira assinada.

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Já a PNAD mede, por amostragem, todo o emprego, seja ele com carteira assinada, sem carteira assinada, estatutário, conta própria, empregador, ou ainda o trabalhador familiar auxiliar.

Tais dados são devidamente segregados, o que nos permite comparar a evolução do mercado formal de trabalho em ambas as pesquisas.

Fontes: CAGED e IBGE

O gráfico acima mostra a criação líquida de empregos formais medida numa janela móvel de 12 meses do início de 2013 (quando foi possível acumular 12 observações para a PNAD) até o final de 2019.

As séries não são idênticas, como se vê (e há a complicação adicional de o dado “mensal” da PNAD ser, na verdade, um média de três meses), mas não é difícil concluir que medem essencialmente o mesmo fenômeno.

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Em particular, entre 2013 e 2019, a PNAD estima perda mensal média de 207 mil postos, enquanto o CAGED mostrava perda de 214 mil empregos formais por mês, refletindo a recessão de 2014 a 2016.

Vale dizer, à parte divergências temporárias, ambas revelavam um comportamento similar do mercado formal de trabalho até 2019.

O CAGED, contudo, foi alterado a partir do começo de 2020, passando a ser alimentado também com os dados do eSocial e Empregador Web, tornando-se o Novo CAGED.

Em particular, enquanto o antigo CAGED requeria a declaração de todos os empregados pela CLT, o novo passou a incluir também trabalhadores temporários, avulsos, agentes públicos, trabalhadores cedidos e dirigentes sindicais, bem como contribuintes individuais e bolsistas.

Comparando o comportamento do novo CAGED com o antigo em 2019, nota-se que as admissões registradas pelo primeiro tendem a superar às do segundo por uma margem em torno de 100 mil/mês.

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Já no caso dos desligamentos, o padrão é menos claro, mas pela metodologia anterior, no período de abril a dezembro de 2019, foram geralmente mais elevados do que sob a nova metodologia.

Em outras palavras, ao menos naquele período de 2019 o novo CAGED já apontava geração de empregos formais superior à registrada pelo antigo.

Provavelmente por esse motivo, seu desempenho passou a ser muito distinto daquele medido pela PNAD.

O gráfico abaixo traz a comparação dos dois indicadores de janeiro de 2020 a fevereiro de 2021.

Como temos apenas 14 observações do CAGED (e 13 da PNAD para o mesmo período), não é mais possível expressar os dados em 12 meses (teríamos apenas três observações para o CAGED e duas para a PNAD); usamos, portanto, os dados mensais para isso (sem ajuste sazonal, também impossibilitado pela série muito curta).

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Fontes: CAGED e IBGE

Há enorme discrepância. O Novo CAGED aponta para a criação de 280 mil empregos formais no ano passado; já a PNAD sugere destruição de 4,3 milhões de empregos formais no mesmo período, divergência similar à apontada no primeiro parágrafo.

Ressalta-se, contudo, a estranheza de o Novo CAGED registrar aumento de emprego formal mesmo em meio à maior queda do PIB da história do país.

Em 2015 e 2016, por exemplo, quando o PIB caiu 3,5% e 3,3% respectivamente, o emprego formal (CAGED antigo) reduziu-se em 1,6 e 1,4 milhão concomitantemente. Aparentemente as mudanças metodológicas de fato não permitem a comparação das diferentes encarnações do CAGED.

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É verdade que os números da PNAD também nos deixam algo ressabiados.

Em 2015 e 2016, os anos de recessão, a pesquisa estimava queda de 1 milhão e 1,6 milhão respectivamente, muito inferiores à registrada no ano passado, embora a queda do PIB não tenha sido tão maior.

Talvez as peculiaridades do ano da peste possam justificar a contração extraordinária do emprego formal, mas não há como evitar também neste caso certo ceticismo.

Resumindo, a verdade verdadeira é que nossos termômetros de mercado de trabalho não parecem bem calibrados para aferir o tamanho do estrago causado pela crise.

Tendo a confiar mais nos dados da PNAD que, se não na intensidade, ao menos na direção parecem mais congruentes com a redução da atividade econômica no ano passado, além, é claro, de não sofrerem o azar de passarem por mudanças metodológicas precisamente em 2020, o que sugere maior comparabilidade quanto ao passado.

O protocolo náutico recomendava que navios partissem com um conjunto de três cronômetros a bordo; assim, se um deles perdesse a sincronia, os demais provavelmente marcariam a hora certa, possibilitando a correção.

Não temos, porém, um terceiro medidor para o mercado de trabalho que permita eliminar esta dúvida. Enquanto isso, fiquemos (cautelosamente) com a PNAD.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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