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O papelão do ministro

Ao atacar o IBGE por mostrar realidade distinta da imaginada, o ministro da Economia revela ignorância sobre a riqueza das informações acerca do mercado de trabalho provenientes do instituto. Nada aprendeu da experiência anterior de ministros animadores de auditório
Por  Alexandre Schwartsman -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A penúltima do ministro da Economia (a última é propor calote nos precatórios) foi atacar o IBGE por mostrar números que expõem a fragilidade do mercado de trabalho, curiosamente no momento em que os dados revelam melhoria, ainda que estejamos muito distantes da situação que vigorava no período imediatamente anterior à crise sanitária.

Segundo o ministro, o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostraria “a geração de 1 milhão de postos de trabalho a cada três meses e meio”, enquanto o IBGE apontava para uma taxa de desemprego na casa de 14,6% da força de trabalho, equivalente a 14,8 milhões de pessoas em busca de uma ocupação.

O problema do ministro, além, claro, da falta de compostura ao lidar com um respeitado órgão de governo sob sua responsabilidade direta, é não entender o que diz cada uma das estatísticas.

A tabela abaixo detalha o universo pesquisado pelo IBGE, que compreende, além de trabalhadores com carteira assinada (seja no setor privado, setor público, ou ainda trabalhadores domésticos), também aqueles sem carteira (nos mesmos segmentos), assim como empregadores (com e sem CNPJ), trabalhadores por conta própria (com e sem CNPJ) e, por fim, trabalhadores familiares (“pessoas que trabalham em ajuda a um morador do domicílio ou parente, sem receber pagamento”).

Em outras palavras, o IBGE captura enorme gama de relações de trabalho, das quais os trabalhadores formalizados (com carteira de trabalho ou CNPJ) representam pouco menos da metade (ou perto de um terço, se considerarmos apenas a carteira de trabalho).

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Em contraste, o Caged se restringe principalmente aos empregados sob regime CLT (carteira assinada), embora a nova metodologia, iniciada somente em 2020, capture também trabalhadores temporários, agentes públicos, contribuintes individuais (à Previdência), bolsistas e dirigentes sindicais. Trata-se, portanto, de um conjunto bem menos representativo do universo trabalhista brasileiro do que o revelado pelo IBGE.

Da mesma forma, é o IBGE que estima também os dados referentes à população (mesmo sem o censo), a população em idade de trabalhar (acima de 14 anos) e a força de trabalho, isto é, aqueles na população em idade de trabalhar que estão empregados ou buscando emprego. A taxa de desemprego é, portanto, a razão entre os que procuram emprego e a força de trabalho, grandeza que não pode ser calculada pelo Caged.

Diga-se, aliás, que o IBGE não se limita a estimar a taxa de desemprego quando mede a ociosidade no mercado de trabalho. Há também medidas mais amplas que incluem trabalhadores desalentados, ou que trabalham menos do que estariam dispostos. Assim, enquanto a taxa de desemprego, como notado, se encontrava em 14,6% em maio, a medida mais ampla de subutilização da força de trabalho apontava para valor pouco acima de 29%, quase dois pontos percentuais acima do observado no mesmo mês do ano passado. Tal grandeza também não aparece no Caged.

Isso dito, a ocupação medida pelo IBGE (já ajustada à sazonalidade) se encontrava em maio 7 milhões de postos de trabalho abaixo da observada em fevereiro de 2020, embora 5 milhões acima do pior momento da crise, em agosto do ano passado (gráfico). Vale dizer, há uma recuperação em curso, mas insuficiente para recolocar a economia no mesmo patamar registrado logo antes da pandemia, o pico da ocupação na história do país.

Posto de outra forma, a informação do IBGE acerca do mercado de trabalho é muito mais rica do que a provida pelo Caged, mesmo que não revele aquilo que o ministro gostaria que fosse a realidade do país.

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Não quer dizer, é claro, que não apresente problemas. Em particular, desde o início da pandemia as pesquisas, originalmente presenciais, têm se dado de forma remota e houve queda da participação da amostra. A equipe de pesquisa do Itaú, chefiado pelo meu amigo, o excelente Mário Mesquita, investigou o assunto a fundo, mas concluiu que, embora haja espaço para correções nos dados do IBGE, estes são modestos.

A taxa corrigida de desemprego (sazonalmente ajustada), por exemplo, em maio estaria 0,4% abaixo daquela medida pelo IBGE (13,7% versus 14,1%), ainda extraordinariamente elevada para nossos padrões.

Resumindo, goste ou não ministro, a recuperação do mercado de trabalho ainda não nos trouxe de volta para onde estávamos antes da crise e dar chilique contra o IBGE não deve melhorar em nada esta situação. Reclamar do termômetro, a bem da verdade, não ajuda e, em vários casos, chega a atrapalhar por falta de um diagnóstico mais preciso do problema.

Já deveria ter aprendido que o papel de ministro animador de auditório, como foi Guido Mantega, de nada saudosa memória, termina em papelão. Podemos marcar mais um na conta do ministro Paulo Guedes.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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