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O Ministro de Munchausen

Apesar das promessas para tornar o país uma liberal-democracia (até quinta-feira), o legado do ministro da Economia é a desmoralização de seu projeto
Por  Alexandre Schwartsman -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Paulo Guedes, mesmo antes de assumir como ministro da Economia, acumulando poderes como virtualmente nenhum outro no período democrático, pretendia mudar a orientação econômica do país, tornando o que chamava de um modelo social-democrata num modelo “liberal-democrata”.

Propunha a transformação do “aparelho de Estado absolutista de Thomas Hobbes, moldado para investir na infraestrutura material, através de estatais e bancos públicos, no Estado de Jean-Jacques Rousseau, que possa atender às legítimas aspirações sociais de uma democracia emergente”.

Neste sentido, prometia “o marco institucional de um novo regime fiscal”, assim como “fast-track” para as privatizações, fim da estabilidade para o funcionalismo, tudo com o objetivo de redução do tamanho do setor público. Assim como uma reforma tributária, que uniria “PIS, COFINS, IPI e esperar[ia] o acoplamento dos estados e municípios.”

No que respeita à abertura da economia, afirmava que a junção dos antigos ministérios da Fazenda (supostamente favorável a ela) e da Indústria e Comércio (desfavorável) garantiria o avanço nesta frente. Em suas palavras: “estamos com a economia fechada há 40 anos e decidimos abrir. Nós sabemos o que queremos. E faremos o que nós queremos.”

Às vésperas de entrarmos no ano final do mandato presidencial, há pouco – se algo – para mostrar da agenda liberal-democrata do ministro.

A bola quicando na pequena área do acordo comercial com a União Europeia foi isolada na arquibancada da má gestão ambiental, para não falar da ambiguidade do próprio ministro “favorável” à abertura, mas que, na hora de reduzir tarifas de importação, refugou, afirmando que “não somos trouxas, pois vamos preservar nosso parque industrial produtivo”, na prática jogando para as calendas gregas quaisquer avanços em termos de maior integração comercial.

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Não preciso, acredito, me alongar no capítulo de privatizações. Até agora, nada além de promessas e um projeto de lei de venda da Eletrobras no qual pululam jabutis de diferentes famílias, incluindo a exigência de contratação de térmicas a gás em estados onde não há reservas nem gasodutos que possam suprir estas usinas, à custa de R$ 20 bilhões/ano a serem pagos pelos consumidores, obviamente não ouvidos no processo.

Da mesma forma, a reforma administrativa é um sonho distante, desenvolvimento, diga-se, positivo, ainda que involuntário, pois especialistas apontam para distorções ainda maiores dos que as existentes em caso de aprovação da proposta nos moldes de hoje.

Quem tiver maior interesse pode busca a opinião de Ana Carla Abrão Costa, Armínio Fraga e Carlos Ari Sundfeld neste link; mas, de forma resumida, apenas reforça a ineficiência e cria vantagens ainda maiores para a casta militar, sem surpresa.

Da reforma tributária, resta apenas a saudade do que poderia ser. Mesmo muito mais modesto do que a versão proposta pelo Centro de Cidadania Fiscal, que promoveria enormes simplificação e eliminação de distorções tributárias, notadamente no que se refere ao ICMS, o projeto de unificação de PIS-Cofins e IPI foi descaradamente abandonado à própria sorte, órfão de pai, mãe, avós, tios, etc.

Já a disciplina fiscal foi devidamente sacrificada no altar do Centrão, como exemplificado pela PEC dos precatórios, também conhecida como PEC do calote, por nenhum outro motivo que não representar o calote nos credores na União para abrir espaço orçamentário (em conjunto com a gambiarra casuísta de alteração do indexador do teto de gastos) para um novo programa social que poderia ser perfeitamente financiado dentro das regras existentes, desde que o Executivo tivesse a coragem de resistir aos ataques do Centrão ao orçamento.

Não temos, portanto, nem abertura comercial, nem privatização, nem reforma administrativa, nem reforma tributária, nem disciplina fiscal. Temos uma mistura (infelizmente) bastante conhecida de incompetência e populismo, cujo resultado aparece em cada indicador negativo de atividade econômica, em cada ponto percentual a mais da taxa de inflação (portanto também da taxa de juros) e em cada revisão para baixo da perspectiva de crescimento.

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A ironia final é que Paulo Guedes, suposto campeão do liberalismo, é o principal responsável pela desmoralização de um conjunto de ideias que nunca teve chance no país e, apenas por sua força e virtude, demorará ainda mais para tê-lo.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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