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O escorpião e o Talibã

A reação do mercado à moderação presidencial se situa entre o wishful thinking e o cinismo estudado. O confronto faz parte da natureza do presidente, antecipando novos episódios similares ao da semana passada
Por  Alexandre Schwartsman -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Depois da enorme turbulência que se seguiu às manifestações presidenciais no feriado da Independência, mercados – não todos! – se acalmaram com a “arregada” do presidente na quinta-feira (9), em particular a Bolsa e, em menor grau, o dólar (os juros seguem pressionados, muito por força das surpresas negativas no campo inflacionário).

Muito embora seja nítido que a reação, no caso positiva, do mercado financeiro teve como origem o recuo de Jair Bolsonaro, ao que parece orquestrado pelo ex-presidente Michel Temer, engana-se quem acredita que os operadores tenham subitamente se apaixonado pela ordem democrática, ameaçada, sim, pelos arreganhos bolsonaristas.

Já disse e repito: o mercado financeiro é um ser amoral, movido pelo interesse próprio, ainda que as pessoas que lá operam possam ter crenças e éticas das mais diversas. Posto de outra forma, o mercado acionário não cai, nem o dólar sobe, por amor à democracia em si; mas reage, em geral mal, ao que percebe como instabilidade institucional, cujos efeitos costumam ser funestos para o bom funcionamento da economia.

Esta afirmação também não é normativa: não estou prescrevendo a forma como gostaria que o mercado se comportasse; apenas descrevendo o que acredito ser seu mecanismo de funcionamento. Turbulência política é ruim para negócios, complica a aprovação de reformas essenciais para a estabilidade fiscal e financeira do país e afasta investidores, tanto domésticos como internacionais, dentre várias outras consequências.

Nada mais natural, portanto, que mercados de ativos, que tipicamente operam com base em expectativas sobre o futuro, respondam mal a eventos como o da semana passada e, em contrapartida, subam quando o agente responsável pela turbulência dá declarações que parecem apaziguar a situação.

Isto dito, é preciso um bocado de wishful thinking, ou talvez estudado cinismo, para acreditar na boa fé da cartinha do presidente, documento que, segundo versões (não sei se por motivação favorável ou desfavorável a ele), sequer foi lida pelo signatário.

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A esta altura do campeonato já deveríamos ter entendido o ciclo “ataque-reação-recuo”, não só pela repetição enfadonha, mas principalmente porque a mecânica por detrás dele não é das mais complicadas.

O presidente não é um estrategista: claramente lhe faltam tanto as condições intelectuais como a própria disposição, tendo em vista sua devotada aversão ao trabalho. Ao estrategista não basta formular, mas – e talvez principalmente – acompanhar seu plano de modo a adequá-lo às considerações táticas, condições que requerem muito mais de Bolsonaro do que ele pode entregar.

Seus ataques constantes às instituições não são estratégicos no sentido acima, mas fazem parte da sua natureza. O “mau militar”, na insuspeita definição de Ernesto Geisel, que esquematizava atos terroristas em quartéis em protesto por melhores salários, e depois “representante sindical” de soldados e policiais nos seus muitos anos de dolce far niente no Congresso, ficou mais conhecido pelo confronto permanente do que pela atividade parlamentar propriamente dita.

Foi postura eficaz para mantê-lo como parlamentar, como atestam seus muitos anos de inatividade na Câmara dos Deputados, mas jamais lhe deu visibilidade para voos mais audazes, como se depreende de seu completo desinteresse por candidatura a qualquer posto no Executivo até 2018.

Como o escorpião da fábula, que pica o sapo que o leva na travessia do rio, e com ele afunda, trata-se de característica inata que, até agora, teve o condão de levá-lo ao mais alto posto da República. Com tal histórico, alguém ainda acredita que mudará de comportamento por ter assinado um documento sem qualquer valor legal, cujo único custo concreto foi ter gerado certo desapontamento, quiçá temporário, entre alguns de seus correligionários?

Disto se depreende que há ainda muito para ocorrer em termos de conflitos institucionais, em particular na competência do Judiciário, já que, ao menos por enquanto, o Legislativo não tem maiores problemas de alinhamento com a Presidência.

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Decorre daí também que dificilmente veremos por parte de Bolsonaro um movimento consistente em direção ao centro. Ao contrário, seus instintos – pois é disto que se trata – devem conduzi-lo à polarização adicional, crente, quem sabe, na existência de maioria silenciosa que se manteria antipetista e, portanto, capaz de produzir-lhe nova vitória em 2022.

Nenhum destes movimentos se afigura congruente com um quadro de normalização dos mercados, ainda mais quando a principal alternativa política vem falar em mudanças de regras fiscais sem especificar o que pretende além da promessa que haverá expansão fiscal, ou seja, mais aumento de gasto sob pretexto que crescimento deste no governo Dilma foi menor que nos anteriores, algo semelhante a “não há problema em ganhar peso porque estou engordando menos do que já engordei nos últimos anos”.

Contar com a moderação de Bolsonaro não é diferente de acreditar na moderação do Talibã.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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