Fechar Ads

Made in Brazil

A recuperação industrial brasileira seguiu de perto a global. Numa perspectiva de mais longo prazo, porém, perdemos espaço desde 2013, fenômeno que sugere a presença de entraves locais à expansão da produção
Por  Alexandre Schwartsman -
info_outline

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A recuperação industrial foi rápida, o que é por vezes vendido como sinal de sucesso da política econômica, apesar da quase estagnação na primeira metade de 2021. Pouca atenção, contudo, é dada ao comportamento da economia global, em particular seu componente industrial, no período, o que poderia jogar novas luzes sobre nosso processo.

Neste sentido é interessante aproveitar o esforço do CPB, um instituto de pesquisa econômica holandês, que provê tempestivamente estimativas globais tanto para o volume de comércio internacional (em quantidades “físicas”, não em dólares, euros, ou outras moedas), quanto para a produção industrial global.

Os dados mais recentes se referem a maio, permitindo uma comparação direta com os números brasileiros, também disponíveis até este mês, como se vê no gráfico.

Fontes: IBGE e CPB

Por aí se nota que nossa recuperação da produção industrial nada teve de excepcional.

A queda, para falar a verdade, foi mais pronunciada do que a registrada pelo conjunto mundial: cerca de 30% na comparação com fevereiro, enquanto o mundo caiu algo em torno de 10% (um pouco mais, se tomarmos o fim de 2019 como base); a volta, portanto, também foi mais forte.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

No conjunto da obra, todavia, em maio a produção da indústria de transformação brasileira se encontrava praticamente no mesmo nível observado em fevereiro de 2020; já a produção global se achava 5,4% acima do patamar de fevereiro e 2% acima do registrado em dezembro de 2019.
A diferença, ainda que a favor do mundo, não é enorme, mas revela que o desempenho brasileiro foi, em grandes linhas, bastante similar ao observado na indústria global.

Numa perspectiva de mais longo prazo, porém, tal semelhança se perde.

A partir de 2013 a indústria nacional, que até então seguia razoavelmente de perto sua contraparte global, se descolou dela completamente. Do final de 2013 a maio de 2021, mesmo com a crise, a indústria global se expandiu ao ritmo de 1,8% ao ano; no mesmo intervalo, o Brasil registrou contração de 1,9% ao ano, conforme ilustrado abaixo.

A propósito, o dólar aqui se valorizou (já descontada a diferença entre a inflação brasileira e a norte-americano) quase 70% neste intervalo, o que já deveria levar os defensores do câmbio desvalorizado como solução para todos os problemas da indústria a uma reflexão mais aprofundada, algo que, vamos falar sério, não corremos o menor risco de observar.

Fontes: IBGE e CPB

Tal desempenho sugere que o ciclo econômico brasileiro não é muito distinto do observado no mundo. Mesmo sendo, como notado, uma economia bastante fechada ao comércio, nossas flutuações de curto prazo aparentam seguir determinantes globais, como o ritmo de crescimento das trocas mundiais e preços de commodities.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Por outro lado, a dinâmica de crescimento de longo prazo – em particular se crescemos mais ou menos do que o mundo parece depender muito mais dos fatores locais, que, ao contrário da crença habitual, têm muito menos a ver com a demanda interna do que supõe a vã filosofia.

Não foi certamente por falta de demanda, impulsionada tanto pela expansão desmesurada do gasto público como pelo aumento inédito do crédito oficial, que a indústria encolheu, como revelavam à época a forte aceleração da inflação, com ênfase no componente de serviços, e o déficit externo superior a US$ 100 bilhões.

Nosso desempenho ruim naquele momento foi determinado por dificuldades do lado da capacidade produtiva: falta de mão de obra capacitada, baixa expansão da produtividade, infraestrutura deficiente, assim como um regime tributário bizantino, mais pesado sobre a indústria do que o restante da economia, para citar apenas os mais visíveis.

Em face do elevado desemprego hoje, a restrição de oferta de mão de obra aparenta ser menos relevante do que no passado, embora ainda restem questões sobre sua capacitação. As demais, contudo, permanecem inalteradas.

Há condições, portanto, para algum crescimento mais forte na esteira da recuperação global enquanto houver “folga” de desemprego (apesar da utilização de capacidade se encontrar próxima a seu nível “natural”), mas, numa perspectiva de mais longo prazo, quando a economia retornar a seu potencial, a expansão voltará a ser limitada pela baixa capacidade de aumento da oferta.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

E não há dólar caro que resolva os entraves à produção industrial.

Newsletter InfoMoney
Insira um email válido.
done Sua inscrição foi feita com sucesso.
error_outline Erro inesperado, tente novamente em instantes.

Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

Compartilhe

Mais de Alexandre Schwartsman

Alexandre Schwartsman

Ilusionismo

A redução de endividamento do governo se deve à inflação elevada, mas se precisamos disto, não há como se comprometer com a inflação na meta de maneira consistente
Alexandre Schwartsman

Demagogia e ensino básico

O aumento do lucro da Petrobras no ano não proveio do aumento de margens aplicadas ao consumidor, ao contrário das afirmações demagógicas de candidatos. A informação está disponível nos demonstrativos da empresa, basta procurar
Alexandre Schwartsman

A decadência do Mercosul

O perfil recente do comércio regional revela perda de peso do Mercosul, apesar do boom de commodities e do bom desempenho das exportações para os demais países sul-americanos. Isto reforça a impropriedade da proposta de moeda única para a região
Alexandre Schwartsman

O poder do mito

A lorota mais recente dos economistas do PT é atribuir a culpa pela recessão de 2014-16 à política do segundo governo Dilma, ignorando as consequências desastrosas da chamada Nova Matriz Econômica
Alexandre Schwartsman

Oferta e demanda

A elevação dos preços de commodities eleva a renda nacional. Tratá-la como um choque negativo de oferta subestima a extensão da tarefa da política monetária
Alexandre Schwartsman

Ecos do Pombinato

A justificativa arbitrária para a decisão do Copom na semana passada ecoa o erro de política monetária de 2011. Há risco de deterioração adicional de expectativas, elevando o custo de desinflação nos próximos meses
Encruzilhada, dúvida, indecisão
Alexandre Schwartsman

O Copom na encruzilhada

A mudança do cenário internacional deve levar a Selic a valores mais altos do que esperávamos há pouco mais de um mês. Nesse contexto, acredito que movimentos mais rápidos devem ajudar a conter a piora das expectativas de inflação