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Bão também…

A lei da autonomia do BC reduziria a chance de interferência política na decisão de taxas de juros, evitando, por exemplo, os erros do “pombinato”. Não é, porém, panaceia, já que o jogo ainda se dá na arena fiscal
Por  Alexandre Schwartsman -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O assunto da semana é a lei que pode dar autonomia ao Banco Central (BC), discussão que estende por mais de um quarto de século, embora muita gente jure que a lei 4.595, que criou o BC no final de 1964, já contemplasse a questão (Roberto Campos, avô do atual presidente, descreve a reunião em 1967 quando o presidente Costa e Silva na prática subordinou o BC aos caprichos do mandatário de plantão).

Sou, por motivos óbvios, a favor da medida. Mas não acho que ela sozinha vá nos tirar do atoleiro.

Como regra, BCs ao redor do mundo, pelo menos os sérios, gozam de autonomia ou independência. Os termos, embora correlatos, distinguem o grau de controle que a autoridade monetária exerce sobre suas atividades.

O Federal Reserve (Fed), por exemplo, é independente. Apesar de a lei de sua criação estabelecer um “mandato triplo” (preços estáveis, máximo emprego e taxas de juros de longo prazo moderadas), o Fed define suas próprias metas.

Em particular uma meta para a inflação (embora mais recentemente use uma meta para a inflação média ao longo de um período não informado), sem quaisquer objetivos numéricos para o emprego e para as taxas de juros mais longas.

Já o Banco Central Europeu (BCE), modelado para emular o Bundesbank, tem sua meta de inflação (perto, mas abaixo de 2% ao ano) fixada na lei de sua criação.

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De qualquer forma, a questão crucial é que dirigentes do BCE, assim como os do Fed, possuem mandatos fixos, isto é, não podem ser demitidos a menos de situações específicas.

Indo direto ao ponto, o poder político não pode, a princípio, forçar sua agenda, em geral eleitoreira, sobre as decisões da autoridade monetária.

Especificamente no caso do Brasil, a proposta hoje em discussão replica esta característica capital, isto é, os dirigentes do BC, presidente e diretores, continuariam a ser indicados pela presidência da República e confirmados (ou não) pelo Senado Federal. Mas, uma vez instalados, não poderiam ser demitidos fora de circunstâncias detalhadas na lei.

Cumpririam assim um mandato fixo que, no caso do presidente do BC, corresponderia à metade final de um mandato presidencial e à metade inicial do seguinte, configurando a autonomia da instituição.

A meta para a inflação seguiria determinada pelo Conselho Monetário Nacional, um órgão do Executivo, sem objetivos numéricos para emprego ou PIB, ou seja, com menor controle sobre o processo do que o Fed, mas similar ao do BCE.

É bem verdade que, na maior parte do tempo, o BC já se comporta como se a autonomia existisse de direito. Mas a institucionalização desse comportamento pode trazer vantagens.

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Lembremos, por exemplo, da conduta do BC no período Pombini. Naquele momento, o BC se submeteu ao comando do Executivo.

Em 2014, para apontar somente um episódio, apesar da inflação em aceleração – represada por controles de preços de energia, combustíveis e intervenções sobre o dólar –, o Copom manteve a taxa Selic inalterada até a reunião imediatamente posterior ao segundo turno das eleições.

Houve também outros momentos de condução errática, com mudanças bruscas de rumo a despeito de sinalização anterior (ficou famoso o caso em que Pombini “descobriu” o risco de recessão por meio das projeções do FMI às vésperas de uma reunião do Copom).

O resultado foi a perda de controle tanto das expectativas de inflação quanto da inflação propriamente dita (e não por acaso, já que as duas estão intimamente ligadas).

Assim, o desvio médio anual da inflação relativamente à meta durante o pombinato atingiu nada menos do que 2,67% entre 2011 e 2015; já as expectativas ficaram, em média, 1,4% acima da meta, refletindo a perda de credibilidade do BC. Trazer a inflação de volta foi extraordinariamente custoso.

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Contraste isso com o comportamento do Fed que, apesar das críticas públicas de Donald Trump ao longo de seu governo, manteve o controle da política monetária. Fenômeno, aliás, similar ao observado em outros momentos do passado, como durante a eleição de 1992, quando George H. W. Bush (o pai) perdeu para Bill Clinton.

Vale dizer, a capacidade de um BC tomar medidas que garantem a estabilidade de preços, mas podem entrar em conflito com os objetivos políticos dos governantes, deriva precisamente da existência de mandatos fixos para seus dirigentes, que não necessitam baixar a cabeça para proteger seus empregos.

Nesse sentido, a iniciativa, ainda que tardia, é mais do que bem-vinda.

Ao mesmo tempo, porém, não é panaceia, por ao menos dois motivos.

Em primeiro lugar porque, mesmo expressa na lei, a autonomia pode não se verificar na prática, como no caso descrito por Roberto Campos. Ou como ocorrido na Argentina, quando o presidente do BCRA, supostamente autônomo, sequer conseguiu entrar no prédio da instituição.

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O segundo, mais importante, é que o jogo há muito não é jogado na arena da política monetária, ou seja, na determinação da taxa de juros de curto prazo, mas na arena da política fiscal, isto é, dos gastos públicos e tributação.

Mesmo um BC livre de pressões políticas no processo de fixação da taxa de juros pode perder o controle da inflação caso déficits persistentes levem a um processo de elevação explosiva do endividamento, pois elevações da taxa de juros passam a ser percebidas como fator que agrava adicionalmente a evolução da dívida.

Nesse caso, tipicamente o prazo da dívida pública se encurta e a fuga de capitais eleva o dólar e o preço dos ativos reais, como imóveis, estoques etc.

Isso só é evitado com um conjunto de medidas capaz de reverter o aumento do endividamento em prazo razoável, ou seja, reforma fiscal, cuja probabilidade de ocorrência, como escrevi semana passada, tende rapidamente a zero.

Aprovemos, pois, a autonomia do BC, mas conscientes que, sem medidas na frente fiscal, teremos muito pouco a ganhar desse importante – ainda que tardio – passo no sentido da construção institucional.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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