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20 anos depois

O principal ganhador do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia é o consumidor, principalmente o do lado de cá do Atlântico, que passará a usufruir de produtos melhores e mais baratos
Por  Alexandre Schwartsman -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O anunciado acordo comercial com a União Europeia (UE) é uma excelente notícia, ainda mais num país carente de boas novas, principalmente (mas não apenas) na área econômica. A começar porque se trata de um pacto de porte num mundo que tem se movido no sentido oposto.

Depois de décadas de abertura crescente, mais ancorada, é verdade, em tratos bilaterais do que num grande acerto multilateral (como seria a rodada Doha), testemunhamos recuos importantes nesta frente no mundo. Alguns exemplos são a retirada americana do Trans-Pacific Partnership (TPP) e a guerra comercial entre EUA e China, bem como diversas outras instâncias de restrição ao comércio internacional, em geral amparadas em argumentos duvidosos, quando não simplesmente falsos.

Contra esse pano de fundo, não há como minimizar a importância desse empreendimento apesar da desproporção entre os parceiros: pela paridade de poder de compra, o PIB da União Europeia é pouco inferior a US$ 19 trilhões, enquanto o do Mercosul se encontra ao redor de US$ 4,5 trilhões. Tomadas em conjunto, essas economias representam perto de 20% do PIB global.

Em linhas gerais, o acordo elimina as tarifas sobre 93% das exportações do Mercosul para a UE (hoje cerca de um quarto das exportações para lá se beneficia disso) e oferece “tratamento preferencial” para os 7% restantes, enquanto, na direção oposta, 91% das exportações europeias para o Mercosul ficam livres de tarifas. Dado o perfil das exportações brasileiras para lá, espera-se que o agronegócio brasileiro seja bastante favorecido, já que restrições hoje existentes limitam severamente as vendas de um setor muito competitivo sob condições de igualdade.

Isto dito, não tenho como aferir a precisão dos números divulgados acerca de possíveis ganhos de PIB num horizonte de 15 anos, que vão de US$ 88 bilhões a US$ 125 bilhões. A começar porque as mudanças não ocorrerão imediatamente, mas de forma gradual, ao longo de 10-15 anos, depois da aprovação por parte dos parlamentos nacionais das respectivas uniões aduaneiras (inclusive o Parlamento Europeu), o que deve demandar mais alguns meses pelo menos.

Todavia, apesar do costume de embalar acordos comerciais em termos das vantagens para o produtor nacional e aumento do PIB, não é esta a ótica correta para analisar tais acertos. Quem paga a conta do protecionismo é o consumidor, em favor de uns poucos setores mais bem organizados que conseguem convencer as forças políticas a criar arranjos que transferem renda dos setores dispersos.

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Assim, o principal ganhador é o consumidor de ambos os lados do Atlântico, que passará a usufruir de produtos melhores e mais baratos, principalmente os do lado de cá. As tarifas cobradas pelo Mercosul são mais altas em média, chegando a 35% no caso de automóveis e artigos de vestuário e, crucialmente, 27% no caso dos vinhos…

Há também, é bom deixar claro, ganhos de produtividade, pelos efeitos de redirecionamento de trabalho e capital para os setores relativamente mais produtivos em detrimento de segmentos que serão reduzidos (ou deixarão de existir) ao fim do processo de transição. Novamente, por força das distorções serem maiores na economia que inicialmente apresenta tarifas mais altas, os ganhos devem ser também maiores no Mercosul e, por extensão, no Brasil.

Não deve ser, porém, um processo sem custos. Como notado, nem todas as empresas sobreviverão e a migração de trabalhadores de setores em declínio para os em expansão não ocorrerá de forma imediata e indolor. Como o prazo de transição é extenso, ainda é possível atenuar alguns destes custos, mas seria mentira afirmar que todos se beneficiarão no final do processo: não apenas o ganho será desigual, mas provavelmente haverá também perdedores.

Isto não é razão para voltar atrás. Muito do nosso atraso se deve precisamente aos obstáculos que foram erigidos (em alguns casos reconstruídos) para isolar a economia nacional da concorrência em benefício de poucos. Manter o estado atual das coisas serve apenas para preservar privilégios à custa do restante da sociedade. Trata-se, pois, de um avanço inequívoco, que deve ser comemorado mesmo que demoremos a sentir seus efeitos.

Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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