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Opinião: “Malandro é malandro, mané é mané”

O que o desvio de recursos de uma festa de formatura pode nos ensinar sobre governança corporativa?
Por  Eli Borochovicius -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Uma aluna da faculdade de medicina de uma conceituada universidade em São Paulo desviou R$ 937 mil que pertenciam ao fundo de reserva para a realização da festa de formatura da sua turma.

De acordo com ela, presidente da comissão de formatura, os valores arrecadados não estavam sendo bem remunerados e então, decidiu que uma parte do dinheiro fosse transferida para uma conta pessoal de um banco e depois, outro.

A estudante de medicina alegou ter realizado pesquisas aleatórias na internet para aprender a investir. Quando as perdas somaram R$ 50 mil, pensou que seria prudente assumir o prejuízo e tentar recuperar o valor em loteria. Apostou R$ 500 mil ao longo de quatro meses e ganhou R$ 170 mil em 17 oportunidades. Como resultado, amargurou um prejuízo de aproximadamente R$ 330 mil.

Parece razoável investir quase um milhão de reais de terceiros sem o consentimento deles? E arriscar meio milhão de reais de terceiros em apostas?

Talvez a ganância e a irresponsabilidade tenham sido as principais causas dessa história. Mas, com as investigações, identificou-se que a fatura do cartão de crédito da estudante, – que totalizava R$ 2 mil em média antes do desvio – passou a ser de R$ 7 mil. Infere-se, portanto, que os recursos também foram utilizados para uso pessoal e não apenas para investimento.

De acordo com o delegado que está apurando o caso, as receitas da estudante eram em média de R$ 4 mil mensais. Os conceitos básicos das finanças pessoais e das operações mais simples da matemática apontam que despesas de R$ 7 mil  mensais são incompatíveis com receitas de R$ 4 mil.

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Ela também alugou um veículo avaliado em R$ 120.000, pagando R$ 2 mil por mês e um telefone celular ao custo de R$ 3 mil anuais.

Para um bom observador, não revelei o nome da estudante, da instituição de ensino, das instituições financeiras, a marca do veículo ou ainda do celular. Pretendo fazer uma reflexão sobre a importância desse caso para a educação financeira e não falar sobre pessoas, marcas ou instituições.

Não há intenção em discutir a apropriação indébita do ponto de vista jurídico, a responsabilidade na gestão de recursos de terceiros pelas normativas das instituições do Sistema Financeiro Nacional e tampouco a eficiência da educação por meio de vídeos na internet, que, aliás, é uma discussão que dá pano para a manga.

Interessa-me refletir sobre o controle dos recursos. Leis como Sarbanes-Oxley e procedimentos de governança corporativa são constantemente aprimorados para evitar que se repitam fraudes como as cometidas pela Enron, desvios por corrupção como os realizados na Petrobras e, mais recentemente, divergências contábeis encontradas nas informações financeiras da Americanas S.A..

Bezerra da Silva já dizia: “malandro é malandro, mané é mané”. Certa vez, ouvi que só existe o espertão se existirem os otários. Parece-me uma frase dura e talvez desrespeitosa, mas é difícil negá-la.

É utópico imaginar que as pessoas serão honestas e que os controles sejam suficientes para evitar golpes, desvios, corrupção ou quaisquer outras atividades praticadas por pessoas que se beneficiam da inocência ou da ignorância de outros.

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Quem poderia imaginar que uma aluna de medicina estaria desviando os recursos da festa de formatura dos colegas de turma? Quem poderia imaginar que uma gigante de energia americana deixaria a população em blecaute propositadamente em favor da valorização da empresa no mercado? Quem poderia imaginar que, em um governo populista, empresas públicas seriam usadas para desviar recursos de um povo que carece de alimentação, saneamento básico, melhor educação? Quem poderia imaginar inconsistências contábeis de uma varejista, cujos principais acionistas são alguns dos homens mais ricos do país?

As leis foram criadas para a organização da sociedade e para nortear os princípios, os comportamentos e as ações esperadas por cada indivíduo da sociedade. Esperadas.

Educação financeira perpassa pelas armadilhas do dinheiro, mas também aborda assuntos ligados a crimes e golpes financeiros, bem como as limitações da governança corporativa.

Eli Borochovicius Eli Borochovicius é docente de finanças na PUC-Campinas. Doutor e Mestre em Educação pela PUC-Campinas, com estágio doutoral na Macquarie University (Austrália). Possui MBA em gestão pela FGV/Babson College (Estados Unidos), Pós-Graduação na USP em Política e Estratégia, graduado em Administração com linha de formação em Comércio Exterior e diplomado pela ADESG. Acumulou mais de 20 anos de experiência na área financeira, tendo ocupado o cargo de CFO no exterior. Possui artigos científicos em Qualis Capes A1 e A2 e é colunista do quadro Descomplicando a Economia da Rádio Brasil Campinas

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