Um dia que entrou para a história
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Diante da repercussão a respeito do “brexit” (uma abreviação de “British Exit”), acredito que nós brasileiros não alcançamos de forma plena a visão nacionalista que a campanha pela saída do Reino Unido da União Européia carrega. Por isso, convidei uma brasileira que reside em Milton Keynes (Inglaterra), e é da área econômica, para termos uma visão mais apurada dos desdobramentos desta questão, que vai muito além de política e economia.
Abaixo o comentário de Roberta Procópio Davies
A campanha de apoio à permanência do Reino Unido como membro da Comunidade Europeia, a princípio, não mostrava muita preocupação com um resultado contrário. Somente nas últimas semanas, a campanha apoiando a saída do Reino Unido começou a mostrar significante ameaça. A população mostrou muita confusão e falta de informação concreta de como seria o futuro no caso da saída ou permanência na União Europeia. Com tantas incertezas, a campanha do “Remain” (permanência) e o primeiro-ministro David Cameron não acreditavam que um resultado contrário fosse possível. Apesar de muitos cidadãos expressarem o desejo de que o Reino Unido saísse da CE, na verdade, nem eles acreditavam que isso aconteceria.
No dia seguinte, às 10 da noite (horário de Londres), logo que a votação foi encerrada, Nigel Farage, líder do Partido UKIP e um dos maiores entusiastas da campanha do “Leave” (saída), disse que sua sensação era de que o Reino Unido tinha votado a favor da permanência na Comunidade Europeia. Acompanhei a apuração dos votos por quase toda a madrugada e, desde os primeiros resultados apurados, a surpresa com a quantidade de votos para a “Saída” era evidente. A campanha do Leave acabou ganhando em quase todas os distritos na Inglaterra e País de Gales. Na Escócia e Irlanda do Norte, a maioria da população votou pela permanência na CE.
Particularmente, fiquei em choque. Como a população poderia fazer tal escolha com tantas incertezas sobre o futuro? O resultado foi apertado, 52% para a saída contra 48% pela permanência. Hoje, o Reino Unido está totalmente dividido. Primeiro, porque muitos cidadãos queriam uma decisão diferente e, segundo, porque esse resultado pode trazer muitas consequências para o Reino Unido. A libra caiu a níveis não vividos desde 1985, e muitas empresas estão transferindo seus funcionários e operações para outros países dentro da União Europeia. Outras, estão prevendo redução de investimento nos negócios no Reino Unido.
Nicola Sturgeon, primeira-ministra da Escócia, disse que não era justo que seu país fosse obrigado a sair da União Europeia se a vontade do povo escocês era de permanecer. Em consequência, um segundo plebiscito sobre a permanência da Escócia no Reino Unido poderá ser oferecido ao povo escocês. Na Irlanda do Norte há preocupação sobre a imposição de controle de fronteiras entre eles e a Irlanda. Depois de anos de trabalho para pacificação entre as duas Irlandas, isso seria um retrocesso. Assim sendo, a questão sobre a saída da Irlanda do Norte do Reino Unido também está em pauta, além da renúncia de David Cameron e a expectativa de quem será o novo líder britânico.
Para mim, como brasileira vivendo no Reino Unido, além da preocupação com a Economia e de como isso afetará as pessoas em geral (aumento do desemprego, mais austeridade na cobrança de impostos, corte de benefícios etc), me preocupo, particularmente, com o aumento da discriminação para com os imigrantes. O Reino Unido é conhecido como um país que aceita e apoia a diversidade racial e cultural, mesmo com a existência de várias ocorrências de discriminação a imigrantes por parte dos britânicos, no entanto, um dos fundamentos da campanha pela saída foi a diminuição e controle da imigração de cidadãos europeus, acabando com o direito de livre circulação, emprego e moradia, portanto, com esse resultado, todo esse conceito está sendo revisto.
O que vemos é um retrocesso ao extremo nacionalismo que causou tantos problemas ao mundo, especialmente à Europa. A saída do Reino Unido da União Europeia pode dar força ao discurso radical não só dos nacionalistas britânicos como também impulsionar a campanha de Donald Tramp.
Roberta Procópio Davies é graduada em administração pela Fundação Escola de Comércio Alvares Penteado (FECAP) e fez MBA em Economia de Empresas na Universidade São Paulo. Trabalhou na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), reside atualmente na cidade de Milton Keynes (Inglaterra) e trabalha na Open University.