Tim Cook fala como é comandar a Apple após morte de Jobs

À frente da Apple, Tim Cook conta à Bloomberg Businessweek sobre o cargo, os desafios da Apple, seus concorrente e como Steve o escolheu para sucedê-lo

Luiza Belloni Veronesi

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SÃO PAULO – Antes de sua morte em 5 de outubro de 2011, Steve Jobs fez questão de promover Tim Cook, seu antigo chefe de operações, para ser vice-diretor executivo. “Ele disse: ‘Eu não quero que você se pergunte o que eu teria feito’”, lembra Cook. “‘basta fazer o que é certo’. Ele foi muito claro”.

E foi isso o que aconteceu. Com 16 meses liderando uma das maiores empresas de tecnologia, Cook lançou as novas geração do iPhone e iPad e viu o preço de seu estoque aumentar em 43%. Embora ainda não ter expandido novas categorias de produtos, a empresa mudou de forma significativa, em grande parte por causa da presença calma e firme de Cook. Em entrevista à Bloomberg Businessweek, o presidente da Apple explica como a empresa trabalha atualmente, seus concorrentes, desafios futuros e como foi a conversa com Jobs ao escolhê-lo seu sucessor.

Bloomberg Businessweek: O que a Apple mudou desde 5 de outubro de 2011?
Tim Cook:
O primeiro ponto é que todas as coisas que fizeram da Apple tão especial são as mesmas que sempre foram. Isso não quer dizer que a Apple é a mesma. Ela mudou a cada dia desde que cheguei aqui. Mas o DNA da empresa, a única coisa que faz o nosso coração bater, é o objetivo insaciável em fazer os melhores produtos do mundo. Nem bons produtos ou em grande quantidade e variedade, mas os melhores e absolutos do mundo.

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Na criação de grandes produtos, nos concentramos em enriquecer a vida das pessoas, damos uma causa maior para eles. Estes são os grandes objetivos para quem dirige a empresa. Eles não mudaram, eles estão mudando. Eu não vou testemunhar ou permitir essas mudanças, porque isso é o que torna a empresa tão especial.

BB: Você já foi CEO de forma interina por duas vezes antes. Como é a experiência de ser CEO permanente? É diferente daquelas passagens?
TC:
Na verdade, houve três vezes. O público não sabia quando eu comandava a Apple, apenas focava quando Steve tinha de se ausentar do cargo. Todos sabiam que ele voltaria. Mas agora é diferente. Então eu tive de me ajustar a isso. Eu sou uma pessoa privada, de modo que foi uma surpresa pra mim, não é o que eu teria previsto. Talvez eu devesse ter.

BB: Rex Tillerson é o CEO da Exxon, que é neste momento a segunda empresa mais valiosa do mundo. Suponho que 10% dos nossos leitores saibam quem ele é e, ainda, acredito que 1% poderia identificá-lo de vista. Em virtude de Steve Jobs, e seu legado, e da popularidade da marca, você é considerado famoso. Quero dizer, mundialmente famoso.
TC:
Eu não me sinto famoso. Sabe, eu levo uma vida simples. Mas o que mudou é que as pessoas me reconhecem. Eles passam por mim e pensam: “eu já o vi antes. Sabe, o CEO da Apple”. E isso tem sido um pouco estranho para mim, porque durante anos eu tive o privilégio de ser anônimo. Eu amo a Apple profundamente e estou me adaptando com essa nova etapa. Obviamente, se eu pudesse voltar no tempo, Steve ainda estaria aqui. Ele era um amigo querido, muito mais do que um chefe. Mas eu amo ser CEO da Apple. Só preciso me adaptar.

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BB: Poderia se descrever como uma pessoa tímida? Se for assim, o que você diria a uma pessoa introvertida sobre ser uma pessoa pública e também ser uma fonte de inspiração para 80.000 empregados?
TC:
Será que eu me considero tímido? (Pausa). Não, eu não diria que sou tímido. Eu não acho que uma pessoa tímida subisse em um palco e fizesse uma apresentação ou reuniões com várias pessoas, esses tipos de coisas. Mas eu não sou daqueles que querem ser reconhecidos. Sou impulsionado por um grande trabalho, ver pessoas realizarem coisas incríveis e fazer parte disso. Então, é mais um sentimento interior que me conduz, não um reconhecimento público.

Você mencionou o CEO da Exxon. Eu acho que é um privilégio para a Apple. Recebo e-mails o dia todo, centenas, milhares por dia de clientes que falam comigo como estamos agora, quase como se eu estivesse na casa deles para jantar.

Mas o ponto é que eles não se importam de serem formais. É como se eu e você estivéssemos tendo uma discussão e nos conhecemos há 20 anos. Eu quero dizer a você o que realmente penso. Eu amo isso. Eu não sei se há outra empresa no mundo que isso acontece. Eu olho para eles e penso: “este é um privilégio”.

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Então eu acho que você está certo. Eu não sei como é a abordagem da Exxon. Mas eu acho que a probabilidade de ser a mesma que a nossa é quase zero.

BB: Você parece ser uma pessoa extremamente responsável. Você precisa disto em seu trabalho?
TC:
Eu amo a empresa. Uma parte significativa da minha vida é a Apple. Talvez algumas pessoas diriam que é minha vida inteira. Eu diria que é uma parte importante. E sabe, eu sinto tanto amor por ela que eu me sinto responsável. Acredito que ela é a mais incrível do mundo e, por isso, eu quero dar tudo de mim, fazer o melhor por ela.

BB: Como funcionam as decisões para criar novas linhas ou novas gerações dos produtos?
TC: Vamos discutir e debater sobre o que fazer com os produtos já existentes e a criação de novas linhas. E quando tempos uma ideia que é grande o suficiente, nós colocamos todas energias para torná-la real. Temos sorte. Nos encontramos em dois mercados que são grandes e que estão em crescimento: o espaço de telefonia e tablet. O espaço de computadores também é grande, mas o próprio mercado não está em crescimento. Ainda, nossa participação é relativamente baixa, então não há muito espaço para nós.

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Já o mercado de MP3 encolheu. Ele está diminuindo porque as pessoas estão ouvindo música em seus smartphones, mas ainda é grande. Nós vendemos 35 milhões de iPods no ano passado. Eu ainda o utilizo na academia e acho que muitas pessoas fazem a mesma coisa.

BB: Como é a estratégia do iPad para se diferenciar da Samsung, da Amazon ou da Microsoft?
TC: Novamente, se você olhar nosso objetivo, focamos em fazer os melhores produtos. Nós nos preocupamos com cada detalhe que precisam sempre estar ornados com o hardware, software e serviços. Se você pensar, o Android se parece com o modelo do PC Windows. O sistema operacional é da empresa. Estamos falando da experiência do cliente com seus produtos.

Nas vendas do Black Friday, o iPad foi o mais comprado do comércio eletrônico do que qualquer outro dispositivo. Uma vez que essas estatísticas não se correlacionam com as vendas unitárias, sugiro que a experiência do usuário do iPad é bem acima da concorrência. O iPad se tornou parte das vidas das pessoas, em vez de um produto que compra e coloca em uma gaveta. E assim, a vantagem para nós em ter competição é a atenção que a categoria recebe. Quanto mais atenção os tablets receberem, mais pessoas estarão comprando. Eu acho que isso é realmente bom para nós.

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BB: Você já usou algum PC Windows ou um Galaxy?
TC: Sim. Os dois e alguns outros. O que eu vejo, na minha opinião, é que alguns deles são confusos, com sistemas operacionais múltiplos. Eles se afastam da simplicidade. Achamos que o cliente quer ser organizado e simples. Queremos que o consumidor esteja no centro de suas ações, não que ele não saiba utilizar uma ferramenta.

Sabe, temos 275 mil aplicativos, além dos que foram otimizados para o tablet. Se você só adaptar um aplicativo de smartphone para tablet, será uma experiência horrível para o cliente. Não é o que eles querem.

BB: A Samsung é um dos seus maiores fornecedores. Ela também é um de seus maiores concorrentes e litígio. Isso é estranho?
TC: A vida é algo complexo, às vezes, e sim, é estranho. Eu odeio litígio. Para nós, trata-se de valores. O que nós gostaríamos, em um mundo perfeito, é que todos inventássemos suas próprias ferramentas. Nós amamos competição. Mas queríamos que as pessoas tivessem suas próprias ideias e inventassem suas próprias coisas. Então, depois de tentar muito, nós sentimos que não tinha outra alternativa. Nós tentamos todos os caminhos, vamos ver o que acontece no futuro.

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BB: Uma frase de Steve Jobs que está em sua biografia é “Não pense no que eu faria”. Isso é verdade? Se for, você pode contar essa história?
TC: Sim, absolutamente. Um fim de semana ele me chamou e disse “Eu gostaria de falar com você”. Isso foi no verão de 2011. Eu disse “Ótimo. Quando?”. No jeito Steve de ser, ele disse: “Agora”. “Ótimo, eu vou pra aí”, confirmei em seguida. (risos).

Então fui até sua casa e ainda me lembro como começou a conversa. Ele disse “Nunca houve uma substituição de CEO na Apple. Nossa empresa tem feito muitas coisas grandes, mas nunca dei um presente. O último cara é sempre demitido e, em seguida, alguém novo aparece. Eu quero que tenha uma substituição. E eu decidi que recomendarei você como o CEO da Apple, e eu presidente”.

É claro, já tínhamos conversado sobre ser seu sucessor antes, por isso não foi a primeira vez que eu soube disto, mas a conversa aconteceu em um momento que senti que Steve estava melhorando e eu acho que ele sentia isso também. Então, a partir desse ponto, eu estava um pouco surpreso. Eu perguntei de novo: “Você tem certeza?”. Ele disse “Sim”. E eu disse novamente: “Você tem certeza?” e ele “Sim. Não me pergunte mais”.

Então, começamos a falar sobre o que isso significava. Obviamente ele tinha pensado muito sobre o assunto e falou para mim o que ele esperava dessa ação. “Eu quero deixar isso claro. Eu vi o que aconteceu quando Walt Disney faleceu. As pessoas olhavam em volta ficavam perguntando o que Walt teria feito. O negócio foi paralisado e as pessoas só faziam reuniões e conversavam sobre o que Walt teria feito. ‘Ele faria…’. Eu não quero que você se pergunte o que eu teria feito. Basta fazer o que é certo”. Ele foi muito claro.

Eu pensei nos primeiros dias: “Uau, isso é estranho”. Então eu percebi o presente que esse cargo representava. Acredito que muitos CEOs e grandes executivos ficam estagnados em suas velhas ideias. Não têm coragem de admitir que agora eles estão errados, que precisam se reinventar. Talvez a coisa mais valiosa sobre Steve era que ele teve a coragem de mudar de ideia. E isso é um talento. É um talento.

BB: Você sente falta dele?
TC: Eu sinto, todos os dias. Ele era um amigo, mesmo como meu chefe. Quando você trabalha com alguém por tanto tempo, pelo menos para mim, a relação é realmente importante. Eu não quero trabalhar com pessoas que eu não gosto. A vida é muito curta. Então você se torna amigo daqueles que trabalham com você. A vida tem poucos amigos.