Salários, preços, salários, preços, salários, e emergentes

A ameaça da espiral volta a incomodar, outra vez, outra vez; desta vez, porém, Brasil parece fora do ciclo vicioso

Rodolfo Cirne Amstalden

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SÃO PAULO – Sujeitos à demanda interna aquecida, à insustentável leveza da política monetária norte-americana e a commodities ainda caras, os emergentes enfrentam uma vez mais a tradicional ameaça de salários e preços em espiral.

De acordo com o departamento de pesquisas do JP Morgan, o avanço dos salários foi de 13,2% para esse grupo de países no intervalo entre primeiros trimestres de 2007 e 2008. E, segundo projeções computadas pela revista The Economist, os índices de preços ao consumidor deste ano assumirão variações respeitáveis para todos os Brics: Brasil (6,0%), Rússia (14,0%), Índia (7,1%) e China (6,6%).

Como lembra Michael Gomez, vice-presidente da Pimco, há duas formas clássicas de se combater a espiral em pauta. Ao estilo heterodoxo, intervenções diretas sobre preços de bens, serviços, mão-de-obra, capital e crédito controlariam a inflação pela ponta final, implicando menor sacrifício ao crescimento econômico. Contudo, sua eficiência tem sido historicamente questionada.

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Já no front ortodoxo, instrumentos como taxa de juro, âncora cambial e contração fiscal orgulham-se de um histórico um pouco mais convincente, embora não o bastante para garantir popularidade atual.

Impulsos ao juro nominal promovidos nos últimos meses pelas nações emergentes não acompanham nem de perto o ritmo escolhido pela inflação. A apreciação cambial exige esforço maior sem tanta ajuda das exportações para as economias desenvolvidas. E a inércia de expansão fiscal demora a condicionar-se aos novos tempos de parcimônia.

Amanhã não dá mais

Boa parte da demorada reação frente aos riscos inflacionários reflete o hábito de procrastinar, deixar para amanhã o que dá trabalho. Afinal, lidar com o trade-off entre estabilidade e crescimento é sempre desgastante para as autoridades públicas.

No entanto, alerta Michael Gomez, “aqueles que agora preservam o crescimento elevado e ignoram a briga contra a inflação desenham um caminho difícil para o longo prazo”. Para eles, o destino é de volatilidade política e macroeconômica, aliada a limitações de financiamento futuro, afirma o vice-presidente da Pimco.

Brasil fora da curva

Embora o tema mereça lições gerais para os Brics, não é difícil enxergar o Brasil relativamente distante dos padrões criticados. Um olhar atento rejeita a hipótese de espiral de salários e preços por aqui.

Em artigo publicado no Valor Econômico desta terça-feira (9), o economista Delfim Netto argumenta que “os aumentos médios do salário real (acima do INPC) têm se mantido muito próximos a 1%, o que certamente é inferior aos ganhos de produtividade produzidos pela aceleração do crescimento do PIB”.

Porém, ao mesmo tempo em que descarta a ameaça, Delfim enfatiza que, caso ela venha a se concretizar, encontrará forte objeção. Pode haver divergência sobre um sem-número de tópicos em economia brasileira; mas não sobre as conhecidas mazelas da espiral.

Brasil recomendável

De volta a Michael Gomez, “concentre investimentos em economias com âncoras monetárias confiáveis e solvência suficiente para sobreviver às tormentas”. Como exemplo, o Brasil.

“O Banco Central brasileiro confirmou sua credibilidade e aumentou o juro de forma agressiva, para garantir que a inflação efetiva tenda ao centro da meta. Ao investidor, esse movimento representa uma oportunidade única de receber remuneração elevada de um país que é investment grade e vem mostrando uma política econômica prudente”.