Ritmo do mercado marca a formação dos profissionais de administração

Enquete do CRA-SP mostra que cursos da área têm dificuldades de preparar profissionais, pois não conseguem acompanhar mercado

Camila F. de Mendonça

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SÃO PAULO – Com novas tecnologias, novos conceitos, como o de sustentabilidade, e mudanças constantes no cenário econômico, a maneira como se administra uma empresa dificilmente se mantém a mesma. O processo de formação de administradores também sofre alterações ao longo do tempo por disso. Mas será que o ensino da área está em sintonia com o mercado?

A pergunta foi feita pelo CRA-SP (Conselho Regional de Administração de São Paulo) aos seus associados por meio de enquete. O resultado mostra que 53,54% dos cerca de 3 mil entrevistados acreditam que apenas em parte os cursos superiores de administração têm formado profissionais preparados para o mercado. Já outros 31,91% acreditam que a educação e o novo mercado não estão em sintonia e os estudantes de administração saem das faculdades despreparados. Já para outros 14,55% os cursos têm formado profissionais adequados.

“Percebemos que, diante das exigências do mercado, algumas escolas estão em descompasso”, diz o presidente do CRA-SP, Walter Sigollo. “Muitas escolas não têm a mesma velocidade do mercado e não conseguem acompanhar as mudanças. Hoje, nas empresas, tudo é mais imediato”, avalia. Para a coordenadora do curso de Administração da PUC-SP, Elisabete Adami Pereira dos Santos, não se pode generalizar. “Os níveis entre as faculdades diferem muito. As escolas de primeira linha têm se preocupado em colocar na grade temas de interesse das empresas”, afirma.

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Mercado de trabalho x Ensino
Noções de contabilidade, marketing, economia, direito e tantas outras áreas fazem parte da grade de um curso tradicional de administração, que agora também conta com matérias mais ligadas à tecnologia da informação e sustentabilidade. Mesmo com todas as mudanças, é difícil acompanhar a velocidade do mercado. “A velocidade das mudanças na empresa é mais rápida que nas universidades”, aponta Sigollo.

Apesar disso, muitos estudantes que saem das faculdades de administração sentem-se satisfeitos ao final do curso. É o caso de Fernando de Camargo Santa Rosa, 30, que se formou em 2008 pela Faculdade Anhanguera, de Bauru. Ele confessa que não tinha expectativas quando entrou na faculdade. “Hoje, vejo que poderia ter aproveitado melhor o que o curso me ofereceu”, diz.

Quando Camargo decidiu por administração, acreditava que o curso envolveria a vontade que ele tinha de unir o contato com pessoas e números. “Mas, depois, vi que administração se aplica a muitas áreas. O curso me ajudou a planejar, controlar, organizar e aplicar”, resume. Apesar de ter gostado do curso, Camargo não trabalha na área. Ele atua como supervisor operacional de uma empresa em Bauru, mas pretende fazer uma especialização para tentar atuar com administração, focada em gestão de pessoas.

Para a professora e coordenadora da PUC, entrar no mercado de trabalho não é uma dificuldade para os alunos de escolas de primeira linha. Elisabete ressalta que o mercado exige muito mais do que de fato é necessário para um aluno com boa formação. “O mercado exige muito no papel. Entre o discurso e a prática, há uma distância enorme”, acredita.

Ela conta que muitos estudantes até se frustram por conta disso, pois, após terem passado por um rigoroso processo seletivo, eles não utilizarão todo o conhecimento exigido quando contratados. “O que ele vai usar é a capacidade de raciocínio e de tomada de decisão”, avalia. Para ela, as empresas ainda têm dificuldades em lidar com a nova geração de administradores e acabam não dando espaço para que eles atuem.

Entrar na área e ter espaço para atuar é o que espera o estudante Danilo Ventura Cuyumjian, 24, que está no primeiro ano do curso à distância de administração da Anhembi Morumbi. “Eu espero o momento de direcionar minha área. Acredito que o curso de administração por si só já me possibilita uma série de coisas que outros cursos não me possibilitariam”, afirma.

Ventura trabalha como professor de inglês e não pretende trabalhar com administração agora. “Assim que o curso me der possibilidade para entrar em uma empresa com carga horária fixa e um salário que permita a troca de área, eu mudo”, afirma. No fim das contas, o estudante planeja conseguir aliar educação com administração.

Um profissional versátil
Para Walter Sigollo, presidente do CRA-SP, independentemente da área que queira seguir, um profissional de administração deve ser versátil, tanto para acompanhar as fortes e rápidas mudanças do mercado, como para conseguir entendê-las. “Ele deve se envolver integralmente no processo da cadeia produtiva. As empresas trabalham no limite e esperam que esse profissional produza quase que de imediato”, ressalta.

Por conta disso, Sigollo acredita que o perfil do bom profissional da área envolve a capacidade de aprender e desaprender tudo de modo rápido, ter boa formação sólida e perspicácia. “E estar um passo à frente, tentando imaginar as tendências futuras”. Essas características formam a base de um bom profissional, mas o que diferencia o administrador no mercado é justamente as especializações. “O grande diferencial é ser um generalista com muitas especializações. Um generalista que conheça a dinâmica das empresas sem ser superficial”, ressalta Sigollo.

Para a professora e coordenadora da PUC-SP, um bom administrador é aquele que consegue manter o “cha” equilibrado – a sigla compõe três competências: conhecimentos, habilidades e atitudes. Os conhecimentos, para Elisabete, se adquirem na faculdade, assim como as habilidades. “Mesmo que ele não utilize alguns conhecimentos técnicos e operacionais, ele tem de ter conhecimentos globais da empresa”, diz. Já o comportamento ético, as atitudes, o profissional traz da formação social e cultural.

Para Elisabete, aqueles que têm boa formação saem na frente. “A formação humanística sustenta o comportamento”, ressalta a professora. É essa formação que o estudante João Paulo Padula Furgeri sente falta. Aluno do terceiro ano da USP, Furgeri faz críticas à ausência de matérias que envolvem cultura geral. “Nós não temos em nossa grade uma matéria que dê alguma formação geral sobre qualquer coisa”, diz. Apesar disso, o estudante se diz satisfeito com o curso.

A formação mais generalista por si só, porém, não forma bons profissionais. A professora da PUC-SP, assim como o presidente do CRA, sustenta que o profissional de administração deve ter uma visão generalista, mas sem deixar de lado as especializações.