Projeto na Câmara reacende discussão sobre validade de exames como o da OAB

PL prevê exigência de avaliação de profissionais da Saúde. Para especialista, tentativas como essa não alteram mercado de trabalho

Camila F. de Mendonça

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SÃO PAULO – Aprovado por alguns e odiado por outros, o exame de avaliação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) está gerando frutos. Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que pretende estender a obrigatoriedade de avaliações para outras profissões. Com ele, a velha questão sobre a validade ou não de processos como esse para a atuação de novos profissionais em determinadas áreas reacende.

A proposta (PL 6867/2010) prevê a avaliação para profissionais da área da Saúde. O autor do texto, deputado Paes de Lira (PTC-SP), justifica a medida citando a frequência de erros cometidos por esses profissionais em exames facultativos, aplicados pelos conselhos de medicina regionais. “Em 2009, dos 621 participantes da primeira fase (dentre 811 inscritos), que cursaram escolas médicas de São Paulo, apenas 276 (44%) foram aprovados para a segunda fase”, cita Lira no projeto, conforme dados do exame realizado pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo).

A proposta ainda está longe de se tornar Lei, pois precisa ser analisada por comissões da Câmara dos Deputados, do Senado e ainda precisará da sanção presidencial. Essa não é a primeira tentativa de parlamentares de regular profissões por meio de exames de qualificação. Em 1999, por exemplo, o Senado rejeitou uma proposta que previa a regulamentação para técnicos de higiene dental. Ainda mais antiga, de 1971, é a rejeição pela Câmara de medida que previa a regulamentação para o exercício da Engenheira.

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Para o professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e presidente da Abet (Associação Brasileira de Estudos do Trabalho), Cláudio Salvadori Dedecca, as rejeições que ocorrem ao longo da história refletem que o mercado de trabalho, mesmo que em mudanças constantes, não vê atrativos nesse tipo de processo. Para ele, essas tentativas de regulação pouco interferem no mercado, de maneira geral.

A origem da discussão
A prova de qualificação mais famosa do País, a da OAB, surgiu na década de 70, com o objetivo de colocar no mercado os melhores profissionais da área. “O exame verifica diretamente a qualificação do estudante e indiretamente a das faculdades”, justifica o presidente da Comissão de Exame da Ordem da OAB-SP, Edson Cosac Bortolai. “O objetivo é barrar aqueles que não estão qualificados para exercer a profissão”, completa.

Para Dedecca, porém, exames desse tipo não contribuem nem para a formação do profissional, tampouco para efetivar mudanças na qualidade do ensino das faculdades. E isso, para ele, se aplica a qualquer profissão. “Essa obrigação é anacrônica”, afirma o especialista ao explicar que, hoje, o mercado de trabalho exige profissionais cujas qualificações perpassam aquelas vistas na faculdade. “O mercado mudou muito e as fronteiras entre as profissões encontram-se borradas”, diz.

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O especialista acredita que, se exames de qualificação não propõem mudanças efetivas no ensino, então, eles não têm motivos para existir. “Devemos atuar na qualidade da formação desses profissionais”, argumenta.

Para ele, essas avaliações apenas permitem uma reserva de mercado, que sequer é benéfica para quem usufruirá dos serviços oferecidos pelo profissional. “Ser aprovado em exames não significa que ele [profissional] não vai cometer algum tipo de dano”, afirma o especialista.

Bortolai rebate as críticas. Segundo ele, o exame, no caso específico da OAB, impede a procura e a criação de universidades cujo índice de reprovação é alto. “O exame mostra que o profissional tem condições de mínimas práticas para atuar”, ressalta, mas atenta para uma outra questão: “Problemas morais e éticos são acompanhados pela OAB”.

Investimento sem retorno?
Para Dedecca, da Unicamp, impôr exames também geram outros problemas para quem pretende ingressar no mercado de trabalho, como a frustração de ter investido na formação para, depois, não ter retorno. “As pessoas investem na formação e não podem ter o direito de exercer a profissão?”, questiona.

No caso dos advogados, cuja aplicação do exame está consolidada, essa situação é real. Sem a carteirinha da ordem, eles não podem advogar. Essa condição impõe uma pressão enorme nos futuros advogados. A hoje advogada Fabíola Munhoz, 25, conhece bem essa realidade. Formada pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) em 2006, ela foi aprovada no exame da OAB no ano seguinte. Para ela, no entanto, a prova não foi o que ela esperava. “A prova não avaliou as capacidades que eu deveria ter para atuar. Achei muito ‘decoreba’”, diz.

Hoje, ela estuda Jornalismo e defende a regulamentação de algumas profissões, como as ligadas à Saúde, por exemplo, mas ainda têm dúvidas sobre a validade de provas de qualificação. “Não sou totalmente contra ou a favor, mas acho que algumas profissões devem ser reguladas, sim”.

Já o advogado Thiago Cherubini Rodrigues, 30, não vê problema algum na prova da OAB. Ele conseguiu ser aprovado um ano depois de estar formado pela PUC-SP, em 2003, e acredita que, no caso do Direito, a prova é necessária. “Sou a favor porque o nível de exigência é alto e a OAB é uma instituição solidificada”, afirma.

Futuro incerto
A regulamentação de outras profissões por meio de provas de qualificação é debate antigo e não deve ser enterrado tão cedo. O PL 6867/2010, por exemplo, está sendo analisado pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados.

Para o especialista e professor da Unicamp, independentemente de existir ou não regulamentações, os jovens profissionais devem estar atentos à sua própria formação, sem se deixar conduzir por exames de qualificação.