O que é preciso ser feito para que mais mulheres ocupem posições de liderança no mercado financeiro?

Elas representam 50% das cadeiras no mercado financeiro, mas apenas 2 em cada 10 estão no nível executivo, mostra pesquisa

Maria Luiza Dourado

Natália Dias, diretora de Mercado de Capitais do BNDES, e Carolina Cavenaghi, CEO da Fin4She (Reprodução/Instagram)

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Apesar de avanços significativos relacionados à participação de mulheres em postos de trabalho no mercado financeiro, ainda há uma longa trajetória para que a participação delas seja equânime em relação aos homens no setor. A mudança desse cenário exige ação conjunta das instituições, do poder público e das próprias mulheres, segundo relato de executivas e especialistas ouvidas pelo InfoMoney em eventos recentes sobre o tema.

A 36ª Pesquisa Financial Services Industry, da Mercer, aponta que apenas duas em cada dez profissionais do nível executivo do mercado financeiro são mulheres, mesmo o gênero feminino representando 50% da base total de colaboradores do setor. A desigualdade também se dá em âmbito salarial: as profissionais recém-contratadas ganham em média 3% a menos; as de nível médio, 12% a menos; e as de alta liderança, 16% a menos; se comparado com o gênero masculino. O estudo contou com a participação de 215 organizações brasileiras, somando 443 mil colaboradores, em 2.864 cargos.

Já dados da Heidrick & Struggles, consultoria global especializada no recrutamento de candidatos C-Level, mostram que, em 2022, mulheres ocupavam apenas 16% dos assentos de conselhos de administração das empresas listadas na B3 e 31% dos cargos totais dessas companhias. Entre os setores, tecnologia apresentou a maior proporção de mulheres nomeadas a funções de alta gerência (56%), o que não foi visto em setores mais tradicionais como serviços financeiros (33%), consumo geral (37%), saúde (25%) e indústria (23%).

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Papel das organizações

O buraco no número de lideranças femininas é uma das questões mais sensíveis para a transformação do mercado. “Passei anos sendo uma das únicas mulheres que trabalhavam onde eu trabalhava – e sem perceber. Precisamos mudar no topo para mudarmos as regras do jogo e causar um impacto prático”, disse Natália Dias, diretora de Mercado de Capitais e Finanças Sustentáveis do BNDES no evento Women in Finance, promovido pela Fin4She.

A dificuldade de mulheres ocuparem cargos mais elevados perpassa por barreiras, como o menor acesso à capacitação e mentorias, além do networking limitado. É o que pensa Caroline Burle, especialista em governança multissetorial e cofundadora da ONG liBertha.org. “Um esforço de capacitação de lideranças para mulheres é tão importante quanto contratar mulheres”, afirmou no webnar promovido pelo ITCN (Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário). 

A B3 estabeleceu que, até 2026, as empresas listadas na Bolsa brasileira precisarão incluir pelo menos uma mulher e uma minoria sub-representada em seus conselhos de administração ou equipes executivas. Do contrário, terão de se explicar publicamente sobre o porquê do não cumprimento da norma.

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“A diversidade nas empresas é uma exigência do mercado e da sociedade. Cada organização deve olhar para si, rever suas estruturas, seus processos e estabelecer uma cultura plural em seu cotidiano e suas equipes. Do contrário, seus negócios e sua reputação podem ficar estagnados ou ser prejudicados”, ressalta Ana Paula Chagas, parceira no escritório da Heidrick & Struggles em São Paulo.

O que eu posso fazer pela minha carreira?

Qualificação

A ação das próprias profissionais é importante para a reversão das desigualdades no mercado financeiro – e em outros setores. A primeira e mais óbvia ação é se qualificar. “Após trabalhar durante 13 anos em uma consultoria e 7 anos em uma fintech, fui para o Morgan Stanley para comandar a área de Investment Banking. A empresa foi disruptiva na minha contratação – por não fazer aquelas exigências clássicas, como o mínimo de 20 anos de atuação na área. E eu estudei muito. Não para provar para os outros que eu era capaz. Mas para eu me sentir segura o suficiente ocupando aquela cadeira. O preparo dá segurança e, por consequência, coragem”, conta Marjorie Goichberg, do MS.

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Busca por autoconhecimento

Para saber por onde começar a estudar, o autoconhecimento é essencial. “Ter noção dos seus pontos fortes e fracos são conhecimentos objetivos que nos direcionam para o crescimento profissional. E frequentemente esse olhar sobre nossas características no trabalho precisa vir de fora, de terceiros. Então busque feedbacks e mentorias com líderes ou referências para você, não só para saber que aspectos melhorar, mas para ter ciência das suas qualidades – que muitas vezes nós mesmas colocamos em cheque”, disse Mércia Gerbase, diretora de pessoas e futuro na MC1, empresa especializada em software de automação de força de vendas.

Saúde mental como prioridade

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“Isso está intimamente ligado à autoestima, confiança e autoaceitação. Por isso, além das hard skills e conhecimentos técnicos – que são primordiais para a sensação de segurança ao propor um projeto ou fazer o questionamento numa reunião – deve haver o olhar de nós mesmas para dentro, para a nossa saúde mental, para que a gente não se sabote e desestimule”, afirmou a gestora de fundos de ações da JGP Asset Management Suy Anne.

Faça – e peça ajuda se precisar

A insegurança de parecer incapaz pode ser paralisante e contraproducente. “Busquei mentoria. Fui lá, bati na porta pedindo mentoria e consegui. É um ato de coragem, porque muitas vezes sentimos que precisamos saber tudo. E nós não precisamos. O que é essencial mesmo é aprender a aprender”, diz Ana Karina Bortoni, ex-CEO do BMG e atual conselheira da fintech 2W Ecobank.

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Nesse sentido, Ana Carnaúba, sócia da consultoria empresarial Deloitte e diretora da Universidade Corporativa Deloitte, conta que não há problemas em “fazer sem saber”. “Somos inseguras e muitas vezes nos podamos, nos achamos incapazes. Talvez você não tenha aquele conhecimento, mas com prática e estudo, você terá. Então tente, encare”, completa.

Impactos da maternidade

Os estudos de Claudia Goldin, vencedora do Prêmio Nobel de Economia deste ano, mostram que, ainda hoje, parte da explicação para que ocorra uma grande disparidade salarial e de oportunidades entre homens e mulheres (gender gap, em inglês) é a fase da vida em que mulheres precisam tomar decisões importantes para suas carreiras, ainda muito jovens, como quando devem fazer escolhas sobre a maternidade.

A pesquisa da FGV  “Mulheres perdem trabalho após terem filhos”, de 2019, mostrou impacto significativo da maternidade na carreira delas. “Os resultados obtidos foram que a probabilidade de emprego das mães no mercado de trabalho formal aumenta gradualmente até o momento da licença (maternidade), e decai depois. Além disso, a queda no emprego se inicia imediatamente após o período de proteção ao emprego garantido pela licença (quatro meses). Após 24 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade está fora do mercado de trabalho, um padrão que se perpetua inclusive 47 meses após a licença. A maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador”, aponta o levantamento.

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Se levados em conta aspectos demográficos, como a escolaridade, o resultado é mais heterogêneo: 12 meses após o início da licença trabalhadoras com maior escolaridade apresentam queda de emprego de 35%, enquanto que, no caso de mulheres com nível educacional mais baixo, a queda é de 51%.

“A maior parte das responsabilidades familiares ainda recaem sobre a mulher, e isso afeta diretamente a carreira delas, causando um número muito maior de interrupções – o que reduz consideravelmente suas chances de crescimento. Nesse sentido, regular a licença-paternidade, que hoje é de cinco dias, é fundamental”, afirmou Caroline Burle.

No fim de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento da ação que pode obrigar o Congresso a regulamentar a licença-paternidade. Com o voto de seis ministros se formou maioria para definir o prazo de 18 meses para os parlamentares legislarem sobre o tema.

A ação foi proposta em 2012, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), e pede a declaração de omissão do Congresso em legislar sobre o assunto. A Constituição estabeleceu que o prazo da licença-paternidade, até ser editada lei complementar sobre o assunto, é de cinco dias. Passados mais de 30 anos, no entanto, o Congresso ainda não disciplinou o tema. Às mães, é oferecida licença de 120 dias.

Maria Luiza Dourado

Repórter de Finanças do InfoMoney. É formada pela Cásper Líbero e possui especialização em Economia pela Fipe - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas.