O que acontece quando um ex-Google cria um sistema escolar?

Max Ventilla comandava uma equipe que personalizava resultados de buscas – agora ele quer fazer o mesmo pela educação das crianças

Paula Zogbi

Alunos da AltSchool: premissa é abandonar a noção curricular tradicional

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(SÃO PAULO) – Emma Eisner tem 12 anos e cabelos curtos com mechas verdes. Ela isolou uma área ao redor de um projeto que está realizando com papelão. “Vá embora, criança”, diz um sinal escrito à mão para expulsar colegas de classe. A estrutura parece com uma nave espacial ou quem sabe um túnel elaborado. Na verdade, ela diz, “é sobre como a busca humana por conhecimento virou o mundo do avesso”.

Não há carteiras escoares na sala de aula, apenas algumas mesas juntas de um lado do ambiente. Acima da instalação artística de Eisner, três meninos usando fones de ouvido azuis da Beats usam laptops. Dois outros estão do lado de fora, no pátio, tirando medidas para construir um jardim meditativo para a vizinhança. No andar de baixo, em outra sala de aula com crianças mais jovens, alguns estudantes ouvem audiobooks em iPads, enquanto outro grupo fabrica diários.

A escola está localizada em um antigo centro fitness em San Francisco. O lugar é barulhento e agitado, como escolas costumam ser, e em meio ao caos organizado, professores circulam auxiliando os alunos em seus trabalhos.

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Essa é a AltSchool, uma escola particular de ensino fundamental fundada pelo antigo executivo do Google Max Ventilla e apoiada em US$133 milhões por investidores de risco e por Mark Zuckerberg. A AltSchool começou com 15 estudantes em uma única sala de aula em 2013, e nesse ano terá aproximadamente 400 em oito escolas em San Francisco e Palo Alto. Sua primeira localidade fora da Califórnia será aberta no Brooklyn ainda em 2015. Os indícios do pedigree tecnológico do sistema estão em toda a parte.

Nas paredes e tetos das salas de aula estão câmeras e microfones sob medida que registram os dias de aulas. As tarefas são chamadas de “playlists”, as quais os alunos acessam em seus laptops ou iPads. Métricas de desempenho – não há notas ou relatórios – são enviadas aos pais através do aplicativo de smartphone da AltSchool. Uma tela projetada em uma sala tem um quadro de liderança com pontuações por trabalhos terminados e bom comportamento. Estudantes que não podem ir ao colégio podem participar por teleconferência através de um robô que se parece com um iPad com estacas. E, é claro, há uma impressora 3D, a qual os alunos usaram recentemente para criar doces.

“Nós literalmente construímos um sistema operacional para um colégio do século XXI”, diz Ventilla. A premissa da AltSchool é abandonar a noção curricular tradicional, usando captura de dados e ferramentas de análises para fornecer educação sob medida para cada aluno. Da mesma forma que o Google mostra anúncios personalizados aos hábitos de navegação das pessoas, ou o Netflix recomenda filmes baseados em históricos de usuários, os pupilos da AltSchool têm grades curriculares desenvolvidas especialmente para eles.

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Isso pode parecer ou maravilhoso ou assustador, dependendo do ponto de vista. Muitos pais de alunos da AltSchool trabalham na indústria de tecnologia, e dizem gostar da forma com que a escola permite que seus alunos aprendam de maneira independente e busquem seus próprios interesses. E muitos outros pais estão dispostos a gastar bastante dinheiro para colocar seus filhos nas salas de aula da AltSchool.

A questão de US$133 milhões é se a abordagem realmente irá funcionar. Além disso, há a questão sobre o modelo de Ventilla poder ser aplicado além de San Francisco, com uma base de pais abertos a testes de um esforço centrado em tecnologia para repensar a educação.

“Existem bons motivos para haver muito ceticismo a respeito de quaisquer inovações tecnológicas que realmente mudam as estruturas e fazem a diferença”, diz John Pane, cientista sênior da Rand Corporation que estuda a efetividade da educação tecnológica. “Mesmo que vejamos resultados positivos agora, não há garantias de que isso é escalável”.

Ventilla, 35, é alto e magro, com a mandíbula quadrada e cabelos escuros. Sentado em um banco acolchoado em uma sala de reuniões na sede da AltSchool, seus joelhos rentes ao peito, ele oferece um sumário bem elaborado do que ele acredita que haja de errado com a educação atualmente. O sistema está ultrapassado, é resistente a mudanças e não está preparando os estudantes a um mundo que muda rapidamente. “O propósito primordial das escolas é preparar as crianças para o futuro”, ele diz. “Então as escolas estarem tão atrás de seu tempo não é apenas um problema, é uma falha primordial”.

Filho de imigrantes húngaros, Ventilla cresceu em Manhattan e foi educado em uma das melhores escolas particulares de ensino fundamental de Nova York, a Buckley School. Depois, ele frequentou o internato Phillips Academy, onde graduou-se como um dos melhores em sua classe e obteve uma pontuação quase perfeita no SAT – exame de admissão em faculdades dos EUA, o que ele faz questão de deixar exposto em seu perfil no LinkedIn.

Ventilla frequentou a faculdade em Yale, estudando matemática e física antes de obter um mestrado em administração e abrir sua companhia, a Aardvark, serviço social de perguntas e respostas que o Google comprou em 2010 por US$50 milhões. Na visão de Ventilla, seu sucesso profissional na vida adulta não haveria ocorrido se não fosse pela educação na Buckley.

“Existe essa noção terrível que que você precisa escolher a pré-escola com base no colégio de ensino fundamental que quer que seu filho frequente. E a implicação óbvia que isso leva ao ensino médio e à faculdade, e se você não fizer a escolha certa pelo seu filho de 2 anos de idade, ele será falido e sozinho aos 30”, diz Ventilla. “A pior parte disso é que realmente faz algum sentido. Não é uma completa besteira”.

Em 2012, Ventilla não via a hora de sair do Google e abrir outra companhia. No Google, ele era encarregado de “personalização”, que liga o histórico de pesquisa, a caixa de entrada do Gmail, as buscas no Google Maps e os hábitos do YouTube de um usuário, facilitando a customização dos resultados de pesquisas e outras ferramentas. Esse trabalho, embora criticado por pessoas preocupadas com questões de privacidade, convenceu Ventilla de que softwares podem realizar uma curadoria relacionada aos gostos e necessidades das pessoas.

Mais ou menos na mesma época, ele se encontrou frustrado com as opções de pré-escola e ensino fundamental para sua filha de 2 anos de idade. Ventilla sentiu que a abordagem limitava a criatividade e tratava todas as crianças como se elas tivessem os mesmos interesses e habilidades. Ao invés disso, ele queria a personalização do Google aplicada à escolaridade de sua filha – e imaginou que outros pais também gostariam disso. Depois de alguns meses em 2013, ele pediu demissão do Google, fundou a companhia e abriu a primeira escola. Três professores foram recrutados e os estudantes foram encontrados através dos pais por anúncios no Google e no Facebook. “Nós não sabíamos exatamente o que isso envolvia, mas pensamos ‘quão difícil pode ser?’”, disse Ventilla. “Acontece que foi realmente muito difícil, e se soubéssemos o quanto seria, provavelmente não teríamos feito isso. Mas nós conseguimos.”

As diferenças entre a AltSchool e uma escola pública comum dos EUA são gigantes. As salas de aula da AltSchool são repletas da tecnologia mais recente – Macbooks para professores, Chromebooks ou iPads para alunos, projetores topo de linha, televisões de tela plana, materiais artísticos, e (sim) livros de papel. Um engenheiro treinado trabalha em período integral para a companhia, viajando de escola em escola para conduzir experiências científicas. Um violão fica disponível para ser tocado em uma sala. Em outra, há um espaço silencioso para estudantes que querem um tempo sozinhos. Não há ginásios em nenhuma AltSchool, mas a companhia eventualmente chama instrutores para liderar atividades fitness em parques próximos. Também há queijo, biscoitos e salame para beliscar.

Emily Dahm, uma das primeiras professoras contratadas, veio de uma escola pública em San Francisco com classes de 33 pessoas e nenhum computador. Agora ela trabalha cm outra professora em uma sala com 14 alunos, todos aprovados em um processo seletivo rigoroso e depois posicionados em salas com colegas compatíveis. Professores podem ganhar mais de US$90.000 ao ano com benefícios, além de bônus anuais e equidade na companhia. “O sistema das escolas públicas é muito hierarquizado, e a AltSchool é o oposto disso”, diz Dahm. “Nós meio que decidimos o que vai acontecer com base nas melhores práticas que conhecemos, e nossa experiência e nosso conhecimentos, e não precisamos passar por burocracias para conseguir o que precisamos”.

A AltSchool usa software construído por engenheiros recrutados de companhias do Vale do Silício, como Google e Zynga, para customizar a educação de cada estudante. A chave é quantificar todas as métricas possíveis sobre uma determinada criança, desde habilidades matemáticas e de leitura até interesses e motivações para níveis de energia e habilidades sociais.

Os professores usam os dados para determinar o que ensinarão aos estudantes. Alunos que avançarem mais rapidamente em matemática ou leitura receberão tarefas a cumprir em vez de esperar que os colegas os alcancem. Se uma criança demonstra interesse em um livro, um professor realizará um exercício a respeito. O mesmo ocorre para alunos que querem ser DJs, construir um drone ou meditar. Os pais informam que habilidades querem enfatizar em seus filhos, e os professores usam todas essas informações para construir “playlists” que os alunos devem completar todas as semanas.

Então, eles os monitoram. Os instrutores inserem o progresso dos alunos em uma base de dados online. Se uma lição é bem sucedida, ela pode ser usada com outra criança com traços de personalidade, interesses e habilidades similares. Filmagens das câmeras em sala de aula podem ser revistas por professores para avaliar o desempenho e o progresso dos alunos, e a companhia está desenvolvendo um software de reconhecimento de fala para que os professores possam rapidamente encontrar momentos específicos em sala de aula.

Dispositivos vestíveis também estão nos trabalhos, para que os professores saibam por onde andam seus alunos. A AltSchool inclusive está testando uma ferramenta de recomendação para que os professores recebam sugestões geradas por computadores sobre lições aos alunos.

A companhia planeja começar a vender sua tecnologia a outros sistemas escolares, incluindo escolas públicas, particulares e autônomas – uma perspectiva que está animando investidores. “Eu não vejo isso como um sistema de ensino fundamental; mas sim como um software gigantesco”, diz Lars Daalgard, sócio da Andreesen Horowitz, uma das maiores apoiadoras da AltSchool.

Críticos como Larry Cuban, professor emérito de educação em Stanford, duvidam que a AltSchool consiga atingir mais que um pequeno grupo de pais com as mesmas personalidades. “Para muitas pessoas que estão na política a questão é se isso pode acontecer em escala”, diz. “Minha resposta é que provavelmente não. Atualmente é uma operação de butique”.

E mesmo que o sistema cresça, Cuban acrescenta que a AltSchool não resolve os problemas básicos da educação nos EUA. “Para muitas famílias brancas de classe média-alta do subúrbio, as escolas públicas estão funcionando; suas crianças estão em classes avançadas, elas se formam e vão para a faculdade”, ele diz. Enquanto isso, escolas em vizinhanças mais pobres nos centros das cidades estão em dificuldades. Um estudo de 2012 realizado na Stanford University pelo colega de Cuban Sean Reardon descobriu que o buraco entre o desempenho de alunos afortunados e de baixa renda cresceu cerca de 40% desde os anos 1960.

Katie Davis, professora assistente na Universidade de Washington que estudou a incorporação da tecnologia nas escolas, diz que pesquisas sugerem que a abordagem de ensino personalizada defendida pela AltSchool pode ser efetiva. Como Cuban, ela diz que o maior desafio para o sistema é crescer além de um pequeno grupo de pais entusiastas. A AltSchool pode encontrar resistência na tentativa de vender seu método a outras escolas.

“É mais fácil em escolas particulares e independentes porque elas tendem a possuir mais recursos, classes menores e mais tecnologia”, diz Davis. “Em muitas escolas públicas, os professores estão mais em um modo de sobrevivência do que pensando estrategicamente sobre como personalizar o aprendizado dos muitos alunos que possuem”.

Ventilla diz que não está interessado em formar um nicho. Na verdade, ele diz que a companhia foi feita para crescer. Em vez de construir escolas grandes e centralizadas com dúzias de salas de aulas e escritórios, cada AltSchool tem apenas algumas salas e pode ser aberta em alguns meses. Ela aluga pequenos espaços em vizinhanças onde há demanda. Ele diz que as primeiras escolas estão sendo tratadas como laboratórios de pesquisa e desenvolvimento, para testar ideias e aprender o que funciona melhor. Conforme mais alunos se matricularem e mais dados forem coletados, o software de ensino da companhia vai melhorar.

No ano que vem, a AltSchool planeja ajudar outras escolas já abertas – incluindo escolas públicas independentes – a adotar seu modelo. “Elas terão apoio de toda a nossa infraestrutura centralizada, tecnologia e equipe”, ele diz. Em cerca de cinco anos, Ventilla espera estar vendendo a tecnologia a sistemas completos de escolas públicas. “Quando você sai de um lugar como o Google, o sentido de escala corre nas suas veias”.

Não sabemos se a AltSchool irá se tornar um estudo de caso no Vale do Silício ou uma mudança completa no sistema de ensino, mas a companhia está claramente buscando uma nova abordagem para a educação. Ventilla não divulga resultados de testes, mas diz que os resultados primários são promissores. Poucos alunos largaram o colégio, apenas um professor se demitiu (porque morava extremamente longe), e as matrículas e contratações estão crescendo. Ventilla diz que a AltSchool dobrará seu número de salas de aulas todos os anos, e ele possui o plano ambicioso de abrir novas escolas em grandes cidades nos EUA.

É difícil não torcer pelo sucesso de Ventilla depois de visitar um dos colégios. As crianças são enérgicas, respeitosas e focadas. Os professores são ambiciosos e dispostos a experimentar. Depois de um professor pedir um artigo sobre a “natureza da verdade”, um aluno entregou um relatório sobre o desenvolvimento de uma máquina poligráfica. Outro, inspirado por eventos recentes de violência policial, entrevistou um policial de San Francisco sobre desonestidade no trabalho. É uma cena impressionante, mas o que não está claro é se isso é produto de algo novo que a escola está desenvolvendo ou resultado dos recursos que tem a disposição. Ter dois professores inteligentes em cada sala de aula com a melhor tecnologia disponível deixa as coisas muito mais fáceis.

Ventilla, cujos próprios filhos estudarão na AltSchool, diz que o veredito só será alcançado daqui anos. Mas ele possui muitas anedotas para mostrar o sucesso imediato do sistema. Ele fala sobre alunos que se uniram para construir uma catapulta depois de um deles dizer que possui interesse em máquinas. Primeiro as crianças leram sobre o uso de catapultas na Europa medieval, e depois usaram a geometria ara descobrir como construir um modelo. Eles testaram a distância para sua catapulta e estudaram a eficiência de diferentes modelos.  “Não estamos buscando criar uma escola, mas todo um novo sistema escolar”.

Reportagem de Adam Satariano

Traduzido por Paula Zogbi

Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney