Insatisfação com o trabalho pode revelar momento de transição

Mudar de carreira exige coragem e dedicação, especialmente dos profissionais que acreditam estar 'velhos' demais para recomeçar

Eliane Quinalia

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SÃO PAULO – Nem sempre as escolhas profissionais feitas na juventude costumam ser promissoras no longo prazo – estas podem se mostrar ‘penosas’ justamente por serem feitas em uma fase da vida em que a noção de carreira e a maturidade profissional ainda estão em desenvolvimento. Em virtude deste fato, não é raro se deparar hoje com pessoas que, após uma extensa formação, abandonam tudo em prol da reconstrução de sua carreira profissional.

Tal crise, que acomete muitos dos trabalhadores veteranos, assusta, mas não deve ser desprezada. Afinal, ignorar os próprios anseios pode se mostrar um péssimo negócio, especialmente para a saúde do trabalhador. Quem compartilha desta opinião é a psicóloga e psicoterapeuta Clarice Barbosa.

Para ela, o problema está nas pessoas acomodadas em empregos que, mesmo ao se sentirem insatisfeitas, hesitam em mudar. “Os profissionais que se colocam no papel de vítima, que acreditam estar velhos demais para recomeçar ou que simplesmente não fazem nada por medo ou comodismo são os mais fortes candidatos à depressões, problemas de ansiedade e estresse”, garante a psicóloga.

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Sinais de alerta
Para saber se você faz parte do time de trabalhadores que está à beira de uma crise, é importante ficar atento aos sinais, afinal, o corpo costuma avisar quando algo não vai bem. “É preciso estar atento aos profissionais que tiram muitas licenças médicas. Problemas de estresse e insônia também podem ser indícios de insatisfação, por conta da falta de perspectivas na carreira atual”, diz Clarice.

Outro dado interessante relatado pela profissional diz respeito à inquietação, angústia e à sensação de vazio muitas vezes informada pelos trabalhadores que se encontram neste processo de autoavaliação. “Alguns funcionários jogam a responsabilidade de sua insatisfação na empresa, mas precisam entender que a responsabilidade pela própria carreira e felicidade é dever do empregado e não do empregador”, informa Clarice.

Ainda segundo a psicóloga, existem dois tipos de profissionais: os que aceitam as mudanças e encaram os desafios e os que têm medo. “No primeiro caso, em uma situação de crise, os trabalhadores costumam ter mais jogo de cintura para recomeçar, enquanto que os demais acabam estagnados sem grandes novidades profissionais”, explica.

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Volta por cima
A médica veterinária e também professora de dança, Andréa Arlete Ferreira, 41 anos, é um exemplo de que recomeçar é possível, sim. Formada em publicidade e pós-graduada em administração de empresas, Andréa atuou durante muitos anos nas áreas de comunicação e marketing de grandes empresas como a Volkswagen, Xerox e Telesp Celular.

“Estava infeliz, mas como eu tinha um ganho financeiro razoável, por comodismo, não fiz nada”, conta Andréa, que, quando percebeu, já estava com depressão, síndrome do pânico e ainda teve de encarar um infarto aos 31 anos de idade.

A solução encontrada para superar o problema foi abandonar a carreira executiva e se dedicar à dança do ventre – atividade que fazia parte de seu cotidiano desde os anos 1990. Aliás, foi por conta de suas aulas e apresentações que Andréa conseguiu se manter e dar início a uma nova carreira: a de veterinária.

“A dança ainda é minha principal fonte de renda, mas os plantões em clínicas veterinárias ajudam a complementar meu orçamento”, conta a profissional, que hoje tira em média R$ 1.500 mensais com as aulas e fatura R$ 250 por cada show de dança do ventre em São Paulo.

Ofício ancestral
Outro que também dá um exemplo de superação é o cuteleiro e artesão Lupércio de Jesus Fernandes, de 69 anos. Sua fama é tanta, que em 20 anos de ofício conquistou uma diversidade de clientes apenas fazendo uso de seu marketing pessoal: o famoso boca a boca.

Para se ter uma ideia, nem a rede Gendai – de comida japonesa – ficou aquém ao seu talento: como prestador de serviços, ele é o responsável pela manutenção e troca dos cabos de madeira das facas do restaurante por outro material, conhecido como celeron (manta resinada atérmica).

Aliás, foi justamente com a confecção de facas, punhais e joias que o ex-gerente de vendas conseguiu superar a depressão, quando há 20 anos, a empresa em que trabalhava faliu. “Tive dificuldades para retornar ao mercado, por conta da minha idade e do alto salário que recebia na época. Comecei então a me dedicar aos trabalhos manuais, ofício exercido pelo meu avô, que era joalheiro”, conta Fernandes.

Na época, a produção de joias era feita apenas por encomenda. Seus familiares, no entanto, as recebiam como presentes. “Produzia peças em ouro e prata para minha esposa e filhos e, só mais tarde, passei a confeccionar facas e adagas, além de outros itens decorativos e instrumentos religiosos”, informa o artesão.

Atualmente, em sua oficina localizada no fundo de sua casa, em São Bernardo do Campo (SP), Lupércio já contabiliza cerca de 15 equipamentos entre cortadeiras, tesouras de corte, tornos e outras máquinas.

“A confecção de peças artesanais complementa minha aposentadoria, especialmente agora que passei a produzir facas para peixe”, diz Lupércio, que cobra em média R$ 150 por uma faca de cabo de madeira para churrasco e R$ 210 por uma com cabo em celeron, utilizada para fazer sashimi.