Lugar de mulher é no mercado de trabalho: o Brasil das empreendedoras

Apesar de 43% dos empreendedores brasileiros serem mulheres, o mercado de trabalho ainda paga salários 26% mais baixos para profissionais do sexo feminino

Juliana Américo Lourenço da Silva

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SÃO PAULO – Ficou para trás o tempo em que lugar de mulher era dentro de casa “pilotando o fogão”. Depois de anos de luta em defesa da igualdade de direitos, acesso à educação, trabalho e liberdade de escolha, as mulheres estão ganhando cada vez mais espaço no mercado e mostrando que também sabem empreender.

Um estudo realizado pela Serasa Experian revela que o Brasil possui 5.693.694 mulheres empreendedoras, o que representa 8% da população feminina do País. Isso significa que 43% dos donos de negócios são do sexo feminino, contra 57% do sexo masculino.

Do total das empresas ativas no Brasil, 30% têm mulheres como sócias, sendo que 73% são sócias de micro ou pequenas empresas. O percentual sobe para 98,5% quando contabilizamos, também, as empresas do tipo MEI (Micro Empreendedor Individual).

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Um estudo feito por Nick Wilson, pesquisador da Escola de Negócios da Universidade Leeds, no Reino Unido, aponta que startups com mulheres na diretoria têm 27% menos risco de falir se comparadas com aquelas que possuem apenas homens no corpo diretivo. Além disso, a proporção de mulheres ocupando cargos de CEO no Brasil aumentou consideravelmente entre 2012 e 2013, subindo de 3% para 14%.

Grande parte dos empreendimentos criados por mulheres visam melhorar a rotina feminina. Esse foi o caso da Taís Viana, fundadora do CineMaterna, que percebeu o quanto era difícil ir ao cinema depois que se tem filhos. Segundo ela, o fato de ser mãe, o que aumenta habilidades como “multi- tarefa” e boa resistência apesar das poucas horas de sono, foram fundamentais no início da construção da empresa.

A CEO do Casar Casar, Tatiana Goldstein, também viu da necessidade a oportunidade. Ela criou o site de casamento após descobrir que a organização de uma casamento demanda tempo e dedicação total dos noivos.

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Em outros casos, características femininas são importantes na hora de tocar um negócio. A CEO da Arator Sustentabilidade, Roberta Valença, diz que a sua sensibilidade a ajuda a lidar com cada perfil de pessoa e de projeto. Enquanto que para Allesandra Ferreira, CEO da Alle ao Lado, essas características são importantes para empreender em qualquer cenário e até em segmentos masculinos. “A capacidade de nutrir, o potencial de acolher, a coragem de incluir, aptidão para aglutinar e competência de conciliar são essenciais em todo negócio”, afirma.

Nem tudo é um mar de rosas
Apesar das conquistas femininas, as mulheres ainda sofrem preconceito e algumas dificuldades no mercado de trabalho. A pesquisa da Serasa mostra, por exemplo, que apesar de as mulheres serem maioria nas pequenas e médias empresas, apenas 0,2% das mulheres empreendedoras do Brasil são sócias de grandes empresas.

De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2013, as mulheres recebem um salário, em média, 26,5% mais baixo do que os homens que se encontram no mesmo nível profissional. Dados do relatório de Desigualdade de Gênero, do Fórum Econômico Mundial de 2014, ainda colocaram o Brasil em 71ª posição no ranking que se refere a equiparação dos salários – caindo nove posições em relação a 2013, quando estava na 62ª.

Os números mostram que o Brasil está entre os mais desiguais do mundo, acompanhado de Japão e Emirados Árabes. Para a especialista em recursos humanos da plataforma de empregos Job1, Maria Cecília Reis, as mulheres brasileiras conseguiram alcançar a igualdade com os homens em quesitos importantes como saúde e educação, mas ainda que cheguem ao mercado de trabalho com o mesmo nível de preparo, enfrentam barreiras de todo tipo, sendo a mais grave a salarial.

Vale lembrar que ainda existem muitos empregadores que pensam como o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) que, em uma entrevista ao jornal Zero Hora, afirmou que não é justo a mulher ganhar igual ao homem, já que ela engravida.

“A mulher luta muito por direitos iguais, legal, tudo bem. Mas eu tenho pena do empresário no Brasil, porque é uma desgraça você ser patrão no nosso País, com tantos direitos trabalhistas. Entre um homem e uma mulher jovem, o que o empresário pensa? ‘Poxa, essa mulher tá com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade’ (…) Quem que vai pagar a conta? O empregador. (…) Por isso que o cara paga menos para a mulher!”, justifica Bolsonaro.

Maria Cecília acredita que esta visão preconceituosa e dualista tende a perder espaço no mercado brasileiro. “Cada vez mais os empregadores estão percebendo que as mulheres têm tanta capacidade quanto o homem no mercado de trabalho”, afirma. “As competências dos gêneros se complementam, uma vez que as características diferentes de cada sexo permitem que os profissionais olhem os desafios do trabalho por ângulos diferentes e encontrem soluções e possibilidade que poderiam passar despercebidas se olhadas apenas por uma determinada forma de enxergar as coisas”.

A consultora de recursos humanos ainda completa: “Como mulher, eu poderia dizer que sem as mulheres não haveriam novas gerações, homens, maridos, filhos… Mas não vou recorrer a uma explicação simplista. Como profissional de RH acompanho o desenvolvimento profissional de diversas mulheres, nos mais variados setores, e posso afirmar que a mulher que retorna de uma gravidez adquire novas competências, novas habilidades e formas de enfrentar os desafios do mercado de trabalho que deveriam ser melhor exploradas, uma vez que só agregam diferenciais às suas funções anteriores.”

Segundo a CEO da Trustvox, Tatiana Pezoa, a mulher que quer empreender precisa ser corajosa. “Nós mulheres temos um jeito diferente de pensar dos homens. Eles são muito competitivos, enquanto nós tendemos a ser mais colaborativas. A gente quer trocar informações e experiências”, afirma. “Além disso, eles analisam muito a gente. Parece que a gente sempre está em um lugar que não era para estar”.

Já a CEO da Love Mondays, Luciana Calleti, acredita que existe uma barreira interna que impede as mulheres de empreender, principalmente no setor de tecnologia, que é mais comum do universo masculino. “Os homens são mais competitivos e, normalmente, mais confiantes para ir se apresentar na frente de uma banca de investidores ou fazer um pitch. Eu acho que a gente, como mulher, precisa acreditar em nós mesmas e passar por cima do preconceito”.

A fundadora e CEO da Timokids, Fabiany Lima, lembra que as mulheres sofre muito preconceito. “Eu sou mãe, minhas filhas são pequenas e eu sou palestrante. Então, viajo muito, vou a muitos eventos e acho engraçado que a primeira impressão que se tem é que você não está ali como palestrante, como empreendedora ou como dona de startup; eles olham para você e pensam ‘nossa, mas suas filhas ficaram com quem?’. Como se a minha vida pessoal, por ser mulher, fosse conflitante em ser uma profissional competente”, afirma.

“Como o mercado de tecnologia é muito masculino, em várias situações, eu sou a única mulher no meio de vários outros empreendedores e quem vê de fora acha estranho. Tenho amigos que falam que eu estou sempre bem acompanhada porque sempre estou com muitos homens, como se eu estivesse ido até lá para paquerar”, conta a empresária.

Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora, diz que a mulher assume vários papéis, o papel da empreendedora, mãe, esposa e dona de casa. “Existe um mito muito ruim, e que deveria ser quebrado, é de que a mulher é a Mulher Maravilha. Quando chamam as mulheres de Mulher Maravilha, significa que você tem que fazer tudo e a responsabilidades de tudo fica na sua cabeça. É aí que a gente fica com aquela famosa culpa e se cobrando demais.”