FGTS: quando e para quem o saque-aniversário anual compensa?

Trabalhador deve avaliar o montante disponível, a segurança financeira, a possibilidade de comprar um imóvel, entre outros fatores  

Paula Zogbi

SÃO PAULO – O “saque-aniversário” do FGTS, que será posto em prática a partir do ano que vem, permitirá ao trabalhador acessar uma parcela do seu saldo no fundo todos os anos. O percentual disponibilizado irá variar de acordo com o montante acumulado e a data de saque irá durar três meses a partir do primeiro dia útil do mês de aniversário (calendário que só será aplicado em 2021).

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Aderir ou não ao novo formato será opcional. Quem preferir poderá continuar na modalidade antiga, agora apresentada como “saque-rescisão”. Nela, só existe possibilidade de saque do fundo (em totalidade) em casos de demissão sem justa causa, uso para compra de casa própria, doença grave, aposentadoria ou morte (nessa situação, os recursos vão para os herdeiros).

Quando não vale a pena

Neste ano, o saque será limitado a R$ 500 por conta – ativa (referente a contrato atual) ou inativa (de contrato rescindido). Mas, a partir de 2020, os trabalhadores poderão sacar um percentual de todas as suas contas somadas.

No evento de divulgação das novas regras do fundo, Paulo Guedes, ministro da Economia, disse que a modalidade de saque servirá como um “salário extra” todos os anos na conta do trabalhador, mas, olhando de perto, nem sempre será vantajoso optar por essa nova regra.

Para Ricardo Teixeira, coordenador do MBA de Gestão de Finanças da FGV, a decisão por sacar ou não anualmente é pessoal, mas deve ser sempre muito bem pensada.

Em primeiro lugar, alguns especialistas defendem que, quanto maior o saldo que o trabalhador tem depositado, menos interessante se torna a nova modalidade. Isso porque o percentual pago anualmente diminui conforme a tabela abaixo:

Regras para o saque de aniversário do FGTS a partir de 2020

Saldo da conta Alíquota Parcela adicional
Até R$ 500,00 50% 0
De R$ 500,01 a R$ 1.000,00 40% R$ 50,00
De R$ 1.000,01 a R$ 5.000,00 30% R$ 150,00
R$ 5.000,01 a R$ 10.000,00 20% R$ 650,00
R$ 10.000,01 a R$ 15.000,00 15% R$ 1.150,00
R$ 15.000,01 a R$ 20.000,00 10% R$ 1.900,00
acima de R$ 20.000,01 5% R$ 2.900,00

Ou seja, uma pessoa com saldo de de R$ 21 mil pode sacar R$ 3.950,00 como “décimo quarto salário”. Não é um valor desprezível. Mas, antes de decidir resgatar, é preciso considerar imprevistos – como uma demissão sem justa causa, por exemplo.

Isso porque o trabalhador que aderir à nova regra terá de solicitar à Caixa Econômica Federal o retorno à antiga caso queira sacar a totalidade do saldo em uma eventual demissão. Mas essa alteração só será liberada dois anos depois dessa solicitação, por “previsibilidade”.

Isso significa que, nesse exemplo hipotético, a pessoa demitida, em vez de sacar os R$ 21 mil mais a multa paga pelo empregador (de 40%), continuaria sacando valores “picados” e teria acesso apenas à multa, que seria de R$ 8.400, e o restante dos direitos (aviso prévio, proporcional de férias, etc.).

Mesmo depois de retornar à modalidade saque-rescisão, o trabalhador não poderá sacar, em totalidade, os recursos referentes à conta passada, porque não há retroatividade. O saque de valor total só valerá para contratos rescindidos enquanto a pessoa for participante da modalidade saque-rescisão. Ou seja, só será possível pegar uma bolada de uma vez se você estiver, enquanto empregado, no modelo antigo.

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“Logicamente os 40% [da multa rescisória] provavelmente não serão suficientes se a pessoa demorar para se recolocar”, diz o professor da FGV. “Uma decisão como essa deve ser muito bem pensada”.

O Brasil tem, atualmente, cerca de 13 milhões de desempregados, sendo 24,8% deles nessa situação há mais de dois anos. São 3,3 milhões de pessoas que não conseguiram um novo emprego no período de 24 meses.

Considerando que, segundo o SPC Brasil e a CNDL, 46% dos brasileiros não têm planejamento financeiro e 62 milhões de brasileiros são inadimplentes, é muito provável que a impossibilidade de acesso ao FGTS em momento de demissão se torne um problema grave para boa parte dos trabalhadores.

“É importante notar que, com o FGTS, você está construindo uma poupança para quando se aposentar. Se você quiser garantir acesso a esse dinheiro quando estiver mais velho talvez seja melhor deixar lá”, opina Teixeira.

Quando vale a pena

Quando há um colchão financeiro para a hipótese de demissão ou outros imprevistos, o trabalhador deve considerar sacar seu saldo para investir. Até porque, o FGTS tem a pior taxa de remuneração do mercado, em 3% ao ano mais TR (Taxa Referencial, hoje zerada).

A distribuição de 100% do lucro do fundo aos cotistas anualmente deve melhorar essa remuneração. De acordo com um técnico do ministério da Economia, essa nova rentabilidade será próxima à da caderneta de poupança. Mas ainda há oportunidades mais interessantes em diversas modalidades de aplicações.

Para Felipe Tradewald, especialista em Renda Variável da casa de análise financeira Suno Research, em geral, o cotista que tenha dívidas deve sacar os recursos do FGTS para quitá-las. Isso porque dificilmente se encontram modalidades de investimentos cujos retornos superam as taxas de juros de empréstimos.

Teixeira, da FGV, lembra que, mesmo quem optar por utilizar esse dinheiro para consumir, precisa fazê-lo de maneira consciente. “A pessoa pode estar em uma faixa etária em que os gastos são muito altos, com os filhos na escola, pagamentos de transportes e custos. Às vezes aquele alívio faz diferença”, opina.

Para ele, o resumo é: “quem tem uma boa educação financeira vai saber exatamente o que fazer com o dinheiro. Quem não tiver, deve tomar uma decisão consciente”.

Compra de casa própria

Caso queira usar o montante do FGTS para adquirir a casa própria, o cotista terá acesso à cota normalmente, como já tinha anteriormente. Quem tem disciplina financeira pode optar por sacar o montante anualmente e investir melhor para otimizar esse valor e dar uma entrada maior. “Em outra aplicação provavelmente você vai conseguir uma rentabilidade maior”, avalia Teixeira.

Mas, para quem planeja a casa própria e não consegue ter dinheiro na mão sem gastar, talvez seja o caso de considerar manter esse valor inacessível. “A questão é não ceder à tentação de usar esse dinheiro para outra finalidade, como fazer uma viagem, comprar outras coisas. Tem que manter o foco no sonho”, alerta o professor.

Seu próprio dinheiro com juros

Junto às novas regras, o governo anunciou que os bancos poderão oferecer uma nova modalidade de empréstimo aos cotistas do fundo, utilizando o saldo como garantia – como uma antecipação da restituição do Imposto de Renda.

Esse crédito foi apresentado pelos membros do governo como uma “proteção ao desempregado”, mas é importante lembrar que, como qualquer empréstimo, essa modalidade cobrará juros (mesmo que se comprovem abaixo da média do mercado). As taxas de juros para crédito consignado atualmente variam de 18,53% ao ano a 28,71% ao ano, de acordo com o Banco Central.

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Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney