Eleições 2022: posso ser demitido por justa causa ao expressar opinião política no expediente?

Demonstração de radicalismo ou de opinião partidária ofensiva pode ser vista como prejudicial à carreira; veja como proceder no ambiente corporativo

Giovanna Sutto

(Getty Images)

Um funcionário não pode ser demitido (nem por justa causa), punido ou discriminado por expressar a opinião política em ambiente de trabalho. O assunto vem à tona porque, neste domingo (2), os brasileiros irão às urnas no 1º turno das eleições para escolher postulantes ao legislativo federal e dos estados, além de governador e presidente da República.

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Conforme o Art. 5º, da Constituição de 1988, e o Art. 19º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o cidadão tem como direito fundamental a livre manifestação do pensamento, sem privação de direitos por convicção política.

“O empregado pode expor suas opiniões políticas no dia a dia do trabalho e não pode sofrer represálias ou perseguição por ter um posicionamento contrário ao do chefe, diretor ou dono da empresa”, afirma Luis Mendes, sócio da área trabalhista do Pinheiro Neto.

É natural, com a proximidade das eleições, que as questões políticas se tornem tema de conversas em diferentes esferas, inclusive no trabalho. E dúvidas sobre como se posicionar a respeito de uma candidatura x ou y sempre surgem.

Alexandre Rosa, advogado trabalhista e sócio do Goulart Penteado, lembra que a Justiça já considerou discriminatória a demissão de funcionários por manifestação política.

“Existem casos em que a demissão, ainda que sem justa causa, foi considerada discriminatória porque o empregado conseguiu provar que o desligamento ocorreu em decorrência de sua regular manifestação política no ambiente de trabalho”.

Demissão por justa causa pode acontecer

É consenso entre os especialistas consultados que, embora seja direito do funcionário se expressar politicamente, é preciso tomar cuidados na forma como vai fazer isso para que sua atitude não se caracterize um “abuso do direito”.

“Para o mundo do trabalho, a preocupação é sobre a forma, já que ninguém pode sofrer punição ou qualquer tipo de constrangimento profissional por expressar uma opinião política sobre candidato A ou B”, explica Mendes.

“A demonstração de radicalismo ou de uma opinião mais ferrenha dentro do ambiente corporativo normalmente não é bem-vista”, complementa Lucas Oggiam, recrutador e diretor executivo do PageGroup.

O comportamento considerado “excessivo” ou “ofensivo” por parte do empregado pode ser interpretado como inadequado dentro do ambiente de trabalho.

Flavia Oliveira, advogada trabalhista sócia do Andrade Foz Advogados, exemplifica que comportamentos excessivos seriam desrespeito e agressões verbais, ofensas a terceiros, clientes e a outros empregados.

“A justa causa poderia caber a depender do caso. Considerando o cenário atual de muita polarização, um exemplo é: se acontecesse uma agressão física no ambiente de trabalho. Mas, excluindo casos como esse, o mais provável são advertências por parte da empresa para o funcionário sobre seu comportamento”, explica.

Segundo Mendes, a demissão por justa causa é uma medida extrema que a empresa toma quando entende que um comportamento foi inaceitável.

“Criar uma situação de intolerância, de ofensa, de discussão acalorada por um candidato ou outro com qualquer pessoa dentro do ambiente de trabalho pode ser avaliado como motivo para justa causa. Ainda mais se, ao fazer isso, as pessoas envolvidas criam um ambiente nocivo, que atrapalha o fluxo das funções”.

Além disso, outras medidas disciplinares podem ser aplicadas pela empresa, como advertências e suspensões, sendo que, em caso de reiteração da conduta por parte do funcionário, pode se considerar a aplicação da justa causa, segundo Rosa.

Mendes também pontua que a empresa que considera uma justa causa, precisa entender o que aconteceu: avaliar o contexto da situação e a consequência das ações do funcionário. “São muitas nuances, mas para gerar uma demissão por justa causa, a pessoa precisa passar do ponto da razoabilidade”.

Rosa ressalta ainda que sempre é possível que o empregado procure a Justiça do Trabalho para tentar reverter a justa causa aplicada. “Ao fazer isso, a empresa precisará apresentar provas (depoimento de testemunhas, imagens ou documentos) dos fatos que ensejaram a aplicação da medida disciplinar mais rigorosa.”

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Restrições cabíveis

As empresas podem definir algumas restrições em relação ao comportamento de funcionários sobre posicionamento político. Mas, segundo os especialistas consultados, as normas não podem restringir a expressão da opinião dos colaboradores.

“Desde que a empresa não proíba a expressão da opinião sobre política, pode determinar algumas regras de ‘boa conduta’ para seus funcionários”, afirma Mendes.

As empresas podem, por exemplo:

“As políticas internas podem restringir certas condutas dos empregados, sobretudo, as relacionadas ao uso das ferramentas de trabalho como meio de manifestação política, a proibição de vinculação da opinião política pessoal ao nome da empresa, ainda que indiretamente, ou mesmo o posicionamento perante clientes que possa prejudicar o bom andamento da relação comercial e dos negócios da empresa”, acrescenta Rosa.

Oggiam, do PageGroup, diz que as empresas já adotam em muitas escalas uma conduta de ética, com um descritivo do que é permitido fazer ou não.

“Algumas dessas condutas de ética têm a questão política inclusa e determinam o quanto uma pessoa pode se posicionar e como isso deve ser tratado. Para algumas companhias é regra que os funcionários não abordem o tema; em outras, as pessoas têm liberdade para se posicionar. Isso depende de empresa, não é uma questão universal dentro das políticas internas.”

Outro ponto importante é sobre as redes sociais. Na prática, a principal questão é o funcionário não vincular a imagem da empresa à opinião política pessoal.

“Via de regra, o empregado pode se manifestar em suas redes sociais, desde que desvincule a empresa em que trabalha da mensagem publicada. Executivos, contudo, necessitam de mais cautela porque são o rosto da empresa”, explica Oliveira, do Andrade Foz Advogados.

Para Mendes, tudo precisa ser avaliado dentro de cada contexto empresarial. “O diretor de uma companhia de capital aberto se posicionar politicamente em suas mídias é uma coisa, um funcionário de backoffice gravar um stories às 23h no Instagram comentando sua opinião é outra. Precisa entender a política interna, o que foi falado, e quanto a mensagem pode afetar a empresa”.

Rosa ressalta que mesmo se a empresa não tiver uma definição interna sobre política ou não for super específica sobre uma situação, as atitudes do funcionário que forem consideradas excessivas, como ofensas a outros empregados ou clientes, que prejudiquem a relação comercial ou o bom andamento do negócio são passíveis de punições, como advertência verbal ou por escrito; suspensão; ou até justa causa em casos mais sérios.

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Assédio eleitoral: o que fazer?

No outro lado da moeda, a empresa que orientar ou incentivar seu funcionário a votar em um determinado candidato está sujeita a responder criminalmente na Justiça, segundo a recomendação (01/2022), do Ministério Público do Trabalho (MPT). Esse tipo de influência configura assédio eleitoral.

Um caso recente, no Espírito Santo, chamou a atenção: um vídeo mostrou um empregador tentando influenciar os votos de um grupo de funcionários. Ele não citou nenhum candidato nominalmente, mas deu a entender que quem votasse na pessoa que fala “coisas negativas de quem faz realmente esse país ir pra frente” poderia, no futuro, ficar sem emprego. O MPT local abriu uma investigação sobre o caso por suspeita de assédio eleitoral.

“O empregado que se sentir coagido pode denunciar o empregador ao Ministério Público do Trabalho e Secretaria de Inspeção do Trabalho”, salienta Oliveira.

E vale ressaltar: patrões não podem interferir na vida privada de seus funcionários. “No ambiente de trabalho, as relações são profissionais, portanto, o voto do funcionário não deve ser influenciado pela empresa”, complementa Mendes.

Como lidar com política no trabalho?

“Para falar de política dentro do ambiente de trabalho é importante estar disposto a lidar com alguém que vai discordar de você”, orienta Lucas Oggiam, recrutador e diretor executivo do PageGroup Oggiam.

Confira dicas sobre como abordar assuntos políticos no trabalho:

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.