Do home office à geração Z: como a CEO da Manpower analisa o mundo do trabalho?

Pandemia criou adaptabilidade no mercado de trabalho, mas questões antigas aguardam desfecho, como paridade entre homens e mulheres, afirma Mónica Flores

Anna França

Mónica Flores, presidente da ManPowerGroup para a América Latina

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A pandemia de Covid-19 inaugurou, na marra, uma nova era no mercado de trabalho: a da adaptabilidade. As dinâmicas foram reavaliadas e tanto empresas como profissionais tiveram que rever suas prioridades para seguirem seus objetivos.

Essa é a análise de Mónica Flores, presidente da Manpower para América Latina, em entrevista exclusiva ao Infomoney. Especializada em serviços voltados para a área de Recursos Humanos, a Manpower é hoje uma empresa global presente em mais de 70 países, com aproximadamente 700 mil colaboradores. Já treinou mais de 1 milhão de pessoas por ano para seus mais de 120.000 clientes espalhados pelo mundo.

Esse amplo universo de atuação permite à empresa detectar com mais precisão quais os novos rumos do mercado de trabalho em todo o mundo. Flores destaca ao InfoMoney o diferencial dos profissionais da América Latina, como a diversidade geracional pode servir de trunfo às companhias, o que é sinônimo de progresso aos trabalhadores e como a paridade global entre homens e mulheres, sobretudo, nos cargos de liderança ainda vai demorar a ser uma realidade.

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Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.

InfoMoney – Já é possível determinar todos os efeitos da pandemia no mercado de trabalho?

Mónica Flores – A pandemia reescreveu as regras não apenas do trabalho, mas de como vivemos, consumimos e nos divertimos. A digitalização se acelerou, provocando uma revolução tecnológica nunca vista antes. Sempre houve mudanças no mercado, mas agora elas se tornaram mais rápidas e profundas. A pandemia nos mostrou que o trabalho remoto é possível e produtivo. Tanto que o regresso não está sendo automático. Não voltaremos à vida anterior, até porque falamos do futuro do trabalho e não no passado.

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Isso serve para todas as empresas?

Não. Nem todas as empresas, nem todos os setores vão trabalhar remotamente ou de forma híbrida. Depende da indústria, da posição e da função de cada pessoa. É um mito também pensar que todo mundo quer trabalhar remotamente, ou se vai conseguir.

Os mais jovens preferem o trabalho remoto?

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Isso não tem necessariamente a ver com a idade. Muitos jovens querem trabalhar presencialmente, porque é no escritório onde eles se socializam e aprendem. É onde eles têm contato com os líderes da organização e aprendem a se comportar. Até nas empresas de tecnologia a presença é valorizada porque essa é a única forma de transmitir valores e cultura.

É com contato humano que a cultura se dissemina, porque não existe um manual, a cultura é o conjunto de comportamentos visíveis. As pessoas não aprendem com o que você diz à elas, mas aprendem com o que veem.

Então o que as organizações farão?

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Acredito que a maioria ficará no sistema mais flexível. Com horários negociados e sistemas híbridos. O modelo das 9h às 18h vai deixar de imperar, até porque as pessoas já experimentaram os benefícios de entrar em horários sem trânsito, por exemplo, em grandes cidades como São Paulo, ou sair mais cedo porque precisam fazer mestrado ou ter flexibilidade para levar seu filho ao médico.

Mais ou menos como o movimento da Semana de 4 Dias propõe?

Existem várias iniciativas, porque não há receita mágica. A simples redução da jornada de trabalho não garante a produtividade. Há setores, como de serviços e saúde, que não podem reduzir os dias de trabalho. Tudo precisa ser acompanhado de medidas que garantam, pelo menos, que a produtividade será mantida. Senão o resultado será um desastre.

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É preciso que haja mensuração, objetivos e processos claros, o que nem todas as organizações possuem. Além disso, não sei se os funcionários querem ter só mais um dia de descanso na semana ou se preferem salários maiores, para usar o dinheiro onde quiserem. Fala-se muito em ter mais bem-estar, mas cada um tem a sua visão do que é bem-estar.

Implantar programas como esse em países carentes, como os da América Latina, pode ser um problema?

Em nossos países a realidade é outra. As pessoas podem querer dinheiro para viajar nas férias ou gastar na escola ou cuidar da saúde. O grande sonho, na verdade, é progredir. Por isso, acho perigoso generalizar.

Quais as tendências do mercado de trabalho nessa nova realidade?

É preciso levar em consideração a realidade de cada país. No Brasil, por exemplo, 81% das empresas dizem que não conseguem encontrar candidatos adequados para as vagas. Claro que, de maneira geral, as empresas precisam se tornar cada vez mais atraentes para os talentos. Mas é fundamental que os indivíduos também percebam que precisam se reinventar, se requalificar diante das novas demandas e ter consciência de que o aprendizado tem de ser constante. É preciso perceber que, com a digitalização, novas competências técnicas são demandadas.

Mas a competência técnica é a única demanda das empresas?

Não, a atitude é o mais importante. É preciso saber se comunicar por exemplo. Isso em outras línguas também.

A chegada da Inteligência Artificial representa um risco ao trabalhador?

A inteligência artificial vai facilitar tarefas, porque a tecnologia substitui questões mecânicas, complementando o trabalho. Mas nada substitui valores, ética e o conhecimento. Ela não sabe fazer perguntas sozinhas e não resolve tudo.

Hoje temos no mercado uma mistura de gerações. Como lidar com os atritos?

O aumento da expectativa de vida das pessoas e a entrada de novas gerações estão criando uma situação diferente no mercado de trabalho. Mas essa convivência de várias gerações pode ser boa. Os mais antigos viviam para trabalhar e os jovens são mais questionadores e trabalham para viver. Além disso, eles podem encontrar todas as respostas na internet, mas a inspiração de um líder experiente não pode ser substituída. As equipes mais inovadoras são as mais diversas, isso inclui além da idade, os gêneros.

E como anda a equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho?

Houve uma grande evolução, mas ainda não há uma paridade global, que deve levar anos para que seja alcançada. Em postos de liderança, as mulheres são minoria e seguem sendo mal remuneradas. Mas ainda é preciso avançar em carreiras onde o domínio é masculino, como engenharia, por exemplo.

Além disso, as mulheres precisam aprender a pedir aumentos ou promoções. Mulheres só pedem aumento depois de apresentarem resultados, e homens pelo potencial de resultado que pode entregar. Isso em um mundo onde as mudanças estão acontecendo de forma rápida, o tempo é importante.

No Brasil, a terceirização avança. Qual é a tendência nos demais mercados?

Já está comprovado que, nos países onde há mais abertura para diversificação do staff, o crescimento ocorre mais rápido. Os terceirizados são mais especializados, trazem mais inovação. Entre as 500 maiores empresas da Fortune estão as que mais inovam. Então, os profissionais têm de se preparar para essa nova realidade de trabalho e aprendizado, para não ficarem obsoleto. Isso também está ligado à flexibilidade.

E quais são os diferenciais dos profissionais da América Latina?

Cada vez mais, vejo latinos ocupando mais postos-chave. Somos mais flexíveis e tão capazes quanto um asiático e um europeu. O fato de sermos mais gregários e empáticos faz diferença neste novo mundo de tecnologias. A parte humana é um diferencial extremamente importante.

Nesse novo mercado, como fica a globalização?

A pandemia também mostrou que não se pode depender de um único fornecedor. Dessa forma, todos os países têm um papel importante na produção e a troca é benéfica para todos. Cada um tem uma competência e isso pode ser complementar.

Como o Brasil se posiciona nesse cenário?

Toda a América Latina está aprendendo novas regras de trabalho e ocupando novos espaços. No Brasil, a mulher vem ganhando espaço mais rápido. Mas todos precisam estar atentos aos talentos. Seja empresa ou o funcionário.

Percepções do mercado de trabalho:

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro.