Com salários até 30% menores, “contratados da crise” trabalham pensando no futuro

Há meses as empresas contratam com salários abaixo do que costumavam pagar, mas especialistas acreditam que o pior já passou

Paula Zogbi

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SÃO PAULO – Álvaro Monteiro foi demitido no final do ano passado por cortes de gastos na empresa, mas nesse ano conseguiu uma recolocação no mercado. Ele era gerente comercial e, em abril, entrou na nova companhia com status de diretor. Embora esteja em uma posição mais alta, seu salário no contrato atual é igual ao anterior – o que deverá ser compensado depois dos resultados, por meio de bonificações. Ambas as posições tiveram contratos de prestação de serviços, Pessoa Jurídica, para reduzir os gastos da empresa.

Carlos*, por sua vez, já é formado em Jornalismo, mas precisou se contentar com um estágio. No quinto semestre da sua segunda faculdade, de Letras na USP, e poucas vagas CLT na sua carreira oficial, ele aceitou, em janeiro, estagiar em uma grande redação, com contrato assinado pela sua nova faculdade.

“Preferia trabalhar como efetivado, mas aceitei essa oportunidade imaginando que a efetivação pode vir mais rápido, já que tenho a qualificação e a formação”, comenta. O salário do estágio é de R$ 1.200 por 30 horas semanais; pelo sindicato, um jornalista formado que trabalhe 40h semanais deve ganhar pelo menos R$ 4.000.

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Julia*, também jornalista, entrou em um cargo de Editora em um portal de estilo de vida há 3 semanas, mas recebe o mesmo salário de quando era repórter em outra empresa. Há ainda um agravante: já faz 5 anos que ela trabalha sem benefício algum, como PJ. “A vaga em que eu estou antes contava com um assistente, mas agora sou só eu e os repórteres. Meus chefes culpam a crise”. Ela comenta que algumas posições viram demissões e que os novos contratados recebem salários menores do que os anteriores, mas não sabe dizer se foi o caso do cargo que hoje ocupa – embora suspeite que sim.

Eles não são os únicos a aceitarem ganhar menos do que mereciam durante a crise econômica brasileira. Para Renata Gallego, Consultora de Recursos Humanos da Meritor Recrutamento, há pelo menos oito meses as companhias “aproveitam” a situação de alto desemprego para contratar com salários mais baixos – às vezes, os profissionais têm aceitado entre 25% e 30% a menos, em alguns casos com a promessa de compensação em bonificações por resultados.

“Isso se dá pela alta quantidade de profissionais disponíveis no mercado. Antes de contatar o profissional para a entrevista, a empresa pergunta a pretensão salarial, e a partir disso conseguem construir uma base salarial que será ofertada para a colocação”, explica Larissa Meiglin, supervisora de Assessoria de Carreira da Catho. “É assim que a oferta de salários está sendo praticada no atual cenário econômico”, complementa.

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Segundo a especialista, as áreas mais afetadas por esse sistema recente são as de indústria e Engenharia. “Além de ter menos vagas abertas, essas áreas estão realizando mais desligamentos e, quando há contratação, a remuneração oferecida é inferior aos valores praticados antes da crise”, explica. Todavia, não há áreas completamente blindadas de consequências da crise.

Cargos inferiores

Aceitar salários menores é apenas uma forma de “adaptar” a mão de obra à crise. O caso de Carlos, que aceitou ser estagiário mesmo com um diploma de ensino superior à mão, não é tão raro e pode ser visto pelas empresas como uma vantagem, mas no médio prazo traz consequências.

“Contratar um profissional com nível de qualificação superior ao que a vaga exige pode ser muito bom para a empresa, pois as atividades serão executadas com facilidade e qualidade por esse profissional. Porém, devido ao fato de estar acostumado a ter mais desafios, o nível de motivação pode se esgotar rapidamente”, comenta Larissa, da Catho.

É isso, segundo Renata, da Meritor, que faz com que os recrutadores evitem a prática. “Mesmo que cogitem, eles tentam evitar chamar pessoas com qualificação muito superior, até por receio da insatisfação”, explica.

Empregos temporários

O aumento de vagas temporárias em detrimento das fixas é mais uma face da crise e das concessões que profissionais têm feito para se manterem no mercado de trabalho.

Formada em Educação Artística com especialização em Artes Plásticas, Izabel trabalhou, por três meses, em condições muito diferentes das que gostaria, por necessidade. Depois de ser demitida do cargo de Coordenadora de de administração, aceitou o emprego temporário como recreadora, recebendo R$ 1.300 a menos na carteira, embora ganhasse adicionais por hora extra. “Não houve contrato de trabalho, apenas de direito de imagem pois se trata de um espaço público. Trabalhava com apenas 1 dia de folga, sem vale alimentação e com salário muito abaixo do restante das pessoas contratadas pelo espaço porque fomos terceirizados”, explica.

Já Cristine, não tinha Vale Transporte, embora precisasse usar ônibus intermunicipal todos os dias durante o período em que trabalhou em telemarketing. Na época, a tarifa do ônibus até a cidade dela era de R$4,75, mas a empresa oferecia no máximo R$10,80 por dia, que é a tarifa de integração ônibus/metrô dentro da capital. “Tanto com rotinas administrativas como em comunicação já me ofereceram vagas parecidas e até piores, e sempre acaba sendo uma vaga que praticamente você paga para trabalhar”, comenta a estudante de Produção Audiovisual.

A curva oposta

De acordo com o histórico fornecido pela ferramenta Guia de Profissões e Salários da Catho, é possível presumir que nos últimos meses os salários podem ter encontrado sua estabilidade. “Considerando as remunerações praticadas de Dezembro/2015 a Abril/2016, a maioria dos salários ofertados estão estabilizados, com ênfase para um leve crescimento de aproximadamente 1% do mês de Março/2016 para Abril/2016”, destaca Larissa.

Para Renata, existe um limite de enxugamento de gastos. “As empresas que não conseguiram com salários menores e cortes possivelmente são aquelas que não sobreviverão: existe um limite para esse enxugamento”, afirma a especialista. “Gradativamente, as empresas vão voltar aos patamares em que operavam, e vão reconhecer a performance dos profissionais dentro da estrutura”.

Álvaro, contratado no mês passado como diretor, vê isso como uma possibilidade alta. “Se não estivéssemos em um período de crise, com certeza meu salário, no cargo em que eu me encontro, seria maior do que é hoje”, comenta ele, que está ajudando a organizar uma reestruturação da empresa incluindo algumas demissões. “Em outros cargos, haveria a possibilidade de mais contratações”, completa.

Larissa acrescenta que é necessário paciência. “Isso não acontecerá de forma rápida, mas os profissionais que mais se destacarem na crise, certamente terão mais chances de receber promoções e compensações financeiras pelo bom desempenho e pelo engajamento”, garante.

*Parte dos nomes na reportagem foram trocados a pedido dos entrevistados

Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney