“Burnout financeiro”: dívidas e custo de vida levam brasileiros ao esgotamento

Salário mínimo distante do custo real de vida, juros altos e endividamento crescente explicam o porquê cada vez mais brasileiros estão adoecendo por pressão financeira.

Lays Sampaio

Imagem: Freepik
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A sensação de estar sempre correndo atrás das contas, de nunca ter dinheiro suficiente e de viver permanentemente preocupado com o futuro tem deixado mais do que o bolso dos brasileiros no limite: afeta também a saúde mental.

O burnout financeiro é definido como o esgotamento emocional e físico causado pelo acúmulo de preocupações com dinheiro, trabalho e obrigações financeiras. O fenômeno ganha força em um cenário de aumento do custo de vida, salários defasados e endividamento elevado.

Nos últimos anos, mesmo com indicadores de inflação mais controlados, a percepção de aperto no orçamento tem aumentado, especialmente entre trabalhadores com renda mais baixa. 

No entanto, para grande parte da população, o salário não acompanha o avanço dos preços, criando um ciclo contínuo de preocupação, frustração e exaustão — sintomas típicos do burnout.

Salário mínimo cobre somente 20% do custo real de vida no Brasil

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) calcula mensalmente o valor de um salário mínimo ideal, capaz de garantir moradia, alimentação, transporte, educação e lazer para um trabalhador e sua família.

Em setembro de 2025, o valor recomendado foi de R$ 7.075,83 — um montante considerado suficiente para cobrir despesas essenciais, incluindo alimentação, moradia, saúde, educação, transporte, lazer, vestuário e previdência. O salário mínimo em vigor no país, porém, é de R$ 1.518 — menos de um quinto do valor necessário.

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A defasagem pressiona especialmente os trabalhadores de baixa renda, que representam parcela significativa da força de trabalho. Segundo o Censo 2022, 35,3% dos trabalhadores brasileiros recebem até um salário mínimo. Somente 7,6% ganham mais de cinco salários mínimos.

A distância entre renda real e renda ideal coloca grande parte da população em situação de vulnerabilidade financeira permanente.

Custo de vida sobe mais rápido que a renda e a inflação

Embora a inflação acumulada não esteja nos piores níveis da década, os principais itens que compõem o orçamento das famílias continuam subindo acima da média geral. Entre eles estão:

Essa diferença entre a inflação divulgada pelo governo e o que efetivamente pesa no bolso da população é chamada por economistas de inflação percebida. Ela explica por que mesmo em cenários de “desinflação”, a sensação de aperto financeiro permanece ou até aumenta.

Quando os preços essenciais avançam de forma desproporcional e a renda não acompanha, o estresse financeiro deixa de ser pontual e se torna crônico.

Endividamento das famílias se aproxima de recorde histórico

O endividamento aparece como um dos principais vilões dos brasileiros, bem como motivo de boa parte das angústias. O último relatório do Banco Central apontou que as famílias brasileiras destinam cerca de 30% da renda ao pagamento de dívidas — valor próximo ao recorde alcançado em 2023. Essa pressão é agravada pelo peso do crédito de curto prazo e de juros elevados.

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O cartão de crédito, por exemplo, possui uma das taxas mais altas do mercado, especialmente no rotativo. O cheque especial e o crédito pessoal também compõem parte significativa das dívidas consideradas “caras”.

Com juros acumulados, pequenas parcelas atrasadas podem rapidamente transformar-se em dívidas impagáveis, ampliando a sensação de descontrole e esgotamento.

Além disso, a distância entre o que se ganha e o que seria necessário para viver com conforto tem impacto direto na saúde mental. Enquanto um terço do país tenta sobreviver com um salário mínimo, uma parcela pequena concentra a renda mais elevada.

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Logo, essa diferença cria uma sensação constante de inadequação e impotência: ao se comparam a padrões de consumo das redes sociais, muitos trabalhadores relatam pressão adicional para manter um estilo de vida incompatível com a renda disponível, contribuindo para o estresse financeiro e a percepção de inadequação.

Sinais de burnout financeiro e impacto direto na saúde mental

Entre os principais sintomas associados ao burnout financeiro estão:

Esses sintomas são consistentes com dados recentes divulgados pelo Serasa, que investigou como as dificuldades financeiras afetam a saúde mental dos brasileiros. Segundo a pesquisa, conduzida com 1.240 pessoas, 84% afirmam que já tiveram a saúde mental comprometida pela falta de dinheiro. Além disso, sete em cada dez brasileiros relatam perda de sono devido a dívidas, nome negativado ou contas acumuladas.

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A pesquisa também indica que o problema é amplificado pelo silêncio: 65% dos entrevistados dizem esconder suas dificuldades financeiras de outras pessoas, o que pode agravar o desgaste emocional e atrasar a procura por ajuda.

Como se livrar do burnout financeiro

1. Diagnóstico completo da situação financeira: levantamento detalhado de renda, dívidas, prazos e taxas de juros. A clareza sobre números facilita a tomada de decisão e reduz a incerteza.

2. Renegociação de dívidas: programas como Desenrola Brasil, mutirões bancários e plataformas de negociação online podem oferecer redução de juros e condições mais longas de pagamento.

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3. Evitar novas dívidas: interromper a contratação de crédito ajuda a estabilizar o cenário e impede o acúmulo de novas parcelas.

4. Construção de um microfundo de emergência: mesmo poupanças pequenas — entre R$ 20 e R$ 50 por mês — ajudam a reduzir a sensação de vulnerabilidade diante de imprevistos.

5. Apoio profissional: consultores financeiros, planejadores e ferramentas tecnológicas (incluindo sistemas de IA) podem auxiliar na criação de metas e projeções.

6. Cuidado com a saúde mental: o burnout financeiro tem impacto psicológico significativo. Acompanhamento profissional pode auxiliar na recuperação emocional.

7. Estratégias para ampliar renda: capacitação profissional, trabalhos temporários, freelancing e recolocação no mercado podem aliviar a pressão financeira no médio prazo.