Brasileiros recorrem ao “bico virtual” e criam lojas online para reforçar renda

Entre junho de 2018 e junho deste ano, a abertura de lojas virtuais cresceu quase 40%

Estadão Conteúdo

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Até poucos anos atrás, muitos desempregados viviam de “bicos”. A gíria traduz o trabalho informal ou temporário que garante uns trocados e a sobrevivência. Em tempos de internet, com as famílias cada vez mais conectadas, acesso às redes sociais e o barateamento do custo para montar uma loja virtual, o “bico 2.0” virou um fenômeno com tendência de crescimento entre os brasileiros.

O movimento rumo à sobrevivência via plataformas online é recente. Entre junho de 2018 e junho deste ano, a abertura de lojas virtuais cresceu quase 40%, segundo pesquisa da empresa de pagamentos online PayPal Brasil. Para se ter ideia do avanço, no período entre 2017 e 2018, o crescimento havia sido de apenas 12,5%.

No total, o País já tem 930 mil lojas virtuais. A maioria delas, 88,8%, é de pequeno porte, com até 10 mil acessos por mês, e 44,3% não têm funcionários. Ou seja: pertencem a pessoas sozinhas, buscando gerar renda.

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Alternativas. Uma das explicações para o crescimento acelerado nos últimos 12 meses é o persistente nível de desemprego, que atingia 12,8 milhões de brasileiros em junho. Mas há outras justificativas além da fila por vagas. Elas vão desde a necessidade de complementar um salário baixo à fuga do dia a dia das grandes empresas. Passam também pela busca de qualidade de vida, com mais tempo para filhos e família.

Haryela Zacharias, por exemplo, é estilista e sempre trabalhou em confecções. Aos 45 anos e com experiência no setor, começou a ter dificuldades de recolocação no setor têxtil – que vive uma crise. “Comecei a perceber um mercado mais complicado há uns cinco anos, com as pessoas sendo ejetadas de suas posições. Comigo não foi diferente”, diz ela.

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Depois de ser demitida, Haryela trabalhou como freelancer em algumas confecções. Na última, não teve uma boa experiência e foi obrigada a buscar outras alternativas no mercado para conseguir se manter. Decidiu criar uma loja de camisas – sem gênero – na internet: a Zach Studio. “Hoje, além da página, vendo os produtos no Instagram e pelo WhatsApp.”

Com estampas descoladas, as camisas são desenvolvidas e costuradas por Haryela, com ajuda de mais uma pessoa. Ela também mantém uma loja colaborativa, na qual divide os custos com outros comerciantes, no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. “Hoje, ganho mais do que ganhava nas confecções”, afirma. “Mas tudo ocorreu numa crescente.”

Ela diz que no começo foi tudo muito difícil: “Não vendia nada”. Foi aí que decidiu estudar um pouco o mundo digital para entender como funcionava e como as pessoas vendiam pela internet. O primeiro passo foi buscar uma plataforma mais amigável. “Mas é tudo muito dinâmico: é preciso estar sempre atenta para acompanhar as evoluções da internet.”

Há motivos práticos para a explosão dos lojistas virtuais. “A facilidade das plataformas de comércio eletrônico, que chegam a ter custo mensal de apenas R$ 9, explica o forte crescimento das lojas virtuais”, afirma André Dias, coordenador do grupo de trabalho de métricas da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (câmara-e.net) e diretor executivo da rede de avaliação online Compre & Confie.

De acordo com Dias, outro fator que tem impulsionado as pessoas a tentar empreender na internet é o avanço dos marketplaces, que são grandes centrais para o comércio eletrônico nas quais se juntam milhares de lojistas. O consumidor sabe que encontrará o que busca. Já o vendedor consegue público para suas ofertas.

?Marketplace?. Exemplo da tendência é a plataforma Nuvemshop, que hospeda cerca de 11 mil lojas virtuais. Segundo Luiz Natal, diretor da plataforma, o número de sites hospedados cresceu 27% do ano passado para cá. Da atual base de clientes, ele calcula que entre 50% e 55% das lojas pertencem a autônomos.

É fácil de entender o motivo dessa expansão acelerada. O custo para criar um comércio eletrônico começa em R$ 49,90. Por esse preço, o empreendedor consegue fazer com que sua loja aceite vários meios de pagamento. Também pode usar ferramentas de marketing e estatísticas para a gestão do negócio. Em várias plataformas, é possível, inclusive, criar uma loja estruturada com meios de pagamento e logística em até 15 minutos.

Tem de tudo. O perfil dos brasileiros que têm decidido se aventurar pelo comércio eletrônico é variado. Há desde os pouco familiarizados com a internet até jovens que dominam com grande intimidade as ferramentas online. Na Elo7, plataforma que inclui 110 mil vendedores, 90% são mulheres e 50% têm entre 25 e 35 anos. “O aumento do número de famílias conectadas elevou o potencial de compra online”, afirma Carlos Curioni, presidente da Elo7.

Segundo ele, o crescimento do número de vendedores na plataforma ficou entre 60% e 70% no último ano e o das vendas, em 40%. A maior parte das lojas são voltadas a nichos, como artigos para bebês, casamento e moda. O cenário se repete em outros marketplaces. Os produtos vendidos variam de bijuterias, cosméticos e suplementos de academia.

No portal UOL, cujo plano básico mensal custa R$ 59,99, houve aumento de 30% na criação de páginas de e-commerce em 2018. Para Marcelo Varon, diretor de produtos digitais, o salto se deve tanto aos autônomos que buscam ter uma segunda renda quanto aos brasileiros que estão desempregados e precisando se virar. “Tem um pouco dos dois, um por necessidade e outro que quer ter seu próprio negócio”, disse Varon.

Recorde. O fenômeno do “bico 2.0” está em linha com o esforço de trabalhadores que atuam por conta própria e que, de acordo com os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do IBGE, chegaram ao recorde de 24,1 milhões de brasileiros em junho. Por definição, essa atividade se refere a quem trabalha explorando o próprio empreendimento, sozinho ou com sócio, sem ter empregado.

É o caso de Andrea Martorelli, de 33 anos. Formado em arquitetura, ele nunca atuou na área e decidiu apostar nas artes. Depois de fazer um curso de marchetaria, abriu uma loja virtual e vende seus produtos na Elo7. “Tenho um ateliê, participo de feiras e agora vendo minhas peças na internet”, diz. “O retorno financeiro tem sido bom.”

Dias, da câmara-e.net, afirma que, da mesma forma, que o número de lojas virtuais tem crescido, a mortalidade, evidentemente, também é grande. De cada 10 mil lojas abertas, 8 mil não sobrevivem. “O lado bom é que o saldo tem sido positivo.”

Emprego fixo vira coisa do passado

Com oito anos de experiência na indústria de produtos lácteos, Daniel Batista não titubeou quando perdeu o trabalho no início do ano passado. Com a fila do desemprego crescendo, preferiu apostar no sonho antigo do negócio próprio e montou em outubro o Cheesebox – loja virtual que vende queijos e frios. “Nem fui atrás de emprego fixo”, diz ele. “Investi quase toda minha rescisão nesse novo negócio, que está indo muito bem.”

No último mês, Batista decidiu incrementar a empresa e criar um programa de assinaturas, no qual o cliente opta por um plano e recebe todo mês uma cesta de produtos, como queijos, frios e geleias. Desde o lançamento, conseguiu 215 assinaturas. “Sou assinante de clubes de cerveja e vinhos e pensei: por que não fazer algo semelhante com queijos?”

Batista diz que, apesar de o retorno estar sendo bom, teve de abrir mão de algumas coisas para colocar a loja de pé. Tirou do orçamento viagens e diminuiu idas a restaurantes. “Tivemos de dar uma segurada nas contas e fazer alguns sacrifícios”, diz. “Afinal, meu rendimento ainda é menor se comparado ao da empresa.”

Segundo ele, ainda não foi possível obter o retorno de todo investimento feito. Mas Batista calcula que em mais oito meses terá pago todo o negócio. Sem funcionários, toda a parte operacional e comercial é por conta dele. Mas ele tem a ajuda da mulher, Vivian, para bombar os produtos nas redes sociais. “Por ora, não quero saber de emprego fixo.”

Nutricionista se reinventa na rede

Formada há cinco anos em nutrição, Vanderleia Alves teve muita dificuldade para encontrar emprego após deixar a faculdade. Ficou três anos desempregada e teve de recorrer aos bicos em outras áreas para sobreviver e pagar as contas no fim do mês. As vendas pela internet ocorreram por acaso, graças à filha, que se tornou influenciadora digital.

Com muitos seguidores no Instagram, sua filha começou a receber produtos de empresas. Alguns deles eram suplementos alimentares. “Tive a ideia de ligar para uma dessas empresas e comecei a pegar os produtos para revender”, diz Vanderleia. Inicialmente, ela vendia apenas para amigos, mas o negócio foi crescendo com a propaganda “boca a boca”.

O próximo passo foi criar uma loja virtual, a Bioarcos Nutry. “Em termos financeiros estou começando, mas já penso em incluir outros itens no site, como produtos naturais e linha fitness”, afirma Vanderleia. Ela diz que, ao escolher nutrição na faculdade, sabia que era uma área difícil de encontrar emprego.

Imaginava, porém, que conseguiria trabalhar em controle de qualidade. Cursou uma pós-graduação em segurança alimentar e qualidade de alimentos na Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). A realidade, no entanto, foi bem diferente.

“Hoje, pelo menos, eu consigo vender produtos que, de alguma forma, tem a ver com a minha profissão para a qual estudei e me especializei”, diz.

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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.