Wall Street deixou para trás o medo da bolha da IA. Por enquanto.

Avaliações de algumas empresas de inteligência artificial estão se aproximando das da bolha das empresas ponto-com. Mas os investidores se preocupam que tirar dinheiro do mercado atual possa comprometer ganhos futuros

Joe Rennison The New York Times

Imagem gerada com auxílio de IA (Imagem: Mariana Amaro/Canva)
Imagem gerada com auxílio de IA (Imagem: Mariana Amaro/Canva)

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O mercado de ações quebrou vários recordes este ano, superando tarifas e sinais de um consumidor americano pressionado, e recuperando-se de uma queda recente, em grande parte devido à promessa da inteligência artificial.

Os preços das ações de algumas empresas de IA subiram dramaticamente em pouco tempo, e as empresas de tecnologia estão investindo bilhões para construir centros de dados e fábricas de microchips para impulsionar o boom.

Embora investidores e analistas vejam boas razões para justificar o otimismo por trás do aumento de quase 50% no S&P 500 nos últimos dois anos, alguns alertam que as avaliações atuais ainda se baseiam em uma grande aposta no futuro.

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O mercado de ações viveu um momento semelhante há 29 anos, quando Alan Greenspan alertou sobre o “excesso de otimismo irracional” que alimentava uma bolha nas ações da internet. O S&P 500 havia subido mais de 60% nos dois anos antes do discurso de Greenspan.

Os formuladores de políticas estão novamente soando alarmes.

“Em algumas medidas, as avaliações das ações nos EUA estão se aproximando de níveis não vistos desde a bolha das ponto-com”, observou Andrew Bailey, governador do Banco da Inglaterra, em um discurso recente.

Mas quando Greenspan fez seu alerta, a bolha das ponto-com estava apenas começando a inflar. O S&P 500 subiria mais de 100%, ou seja, dobraria de valor, antes de atingir o pico em março de 2000. Depois disso, o índice caiu pelos dois anos seguintes, reduzindo seu valor pela metade e atingindo um fundo aproximadamente no mesmo nível de quando Greenspan fez seu alerta seis anos antes.

Alguns investidores temem que estejamos em um período semelhante a 1999, pouco antes do crash. Mas a maioria acredita que estamos mais próximos de 1996, e que retirar dinheiro do mercado agora pode significar abrir mão de ganhos consideráveis que ainda estão por vir.

“É incerto, mas ainda é cedo”, disse Paul Christopher, chefe de estratégia global de investimentos do Wells Fargo. “Não estamos em 1999 — achamos que podemos afirmar isso com certeza.”

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IA vs. Bolha das ponto-com

Existem diferenças importantes entre o entusiasmo atual pela IA e a bolha das ponto-com, dizem traders e analistas.

Uma forma de analisar isso é pelo índice preço/lucro (P/L) — calculado dividindo o preço da ação pelo lucro da empresa, ou seja, quanto dinheiro a empresa gera. Quanto maior o número, mais especulativa é a aposta.

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O P/L atual do S&P 500 está acima do usual. Nos últimos 10 anos, o índice teve uma média de cerca de 22. Agora, esse índice está em torno de 27, próximo de 29, que foi o pico em 1999, pouco antes da bolha das ponto-com estourar.

“É difícil para o mercado de ações performar bem quando se chega a essas avaliações”, disse James Masserio, chefe de ações globais do RBC Capital Markets.

Uma diferença importante é que as empresas que impulsionam a alta hoje também estão gerando mais dinheiro.

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Nos anos 1990 e início dos anos 2000, muitas das empresas que lideravam a alta das ações não estavam lucrando muito, se é que estavam. Isso levou a índices P/L muito altos para algumas empresas porque os preços das ações continuavam subindo, mesmo quando os lucros ficavam muito atrás.

A Cisco Systems era a maior empresa do S&P 500 quando a bolha das ponto-com estourou em março de 2000. Seu índice P/L atingiu mais de 200, o que significa que o preço da ação era mais de 200 vezes o lucro do ano anterior e, sem crescimento adicional, mesmo que todos os lucros fossem distribuídos aos acionistas, levaria dois séculos para o investidor recuperar o investimento.

Um P/L alto é, portanto, também um sinal de que os investidores estão apostando que a empresa crescerá substancialmente, ou seja, que terá mais lucro no futuro, e quando isso acontecer, o preço parecerá mais razoável. Isso significa que os índices P/L também nos mostram o quanto os investidores hoje dependem do futuro se concretizar como esperam.

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Isso nunca aconteceu para a Cisco. Os lucros da empresa cresceram de 15 centavos por ação em 1996 para 36 centavos em 2000, muito abaixo da valorização desenfreada do preço. Hoje, a Cisco é avaliada em cerca de 300 bilhões de dólares, ainda menos do que os investidores a valorizaram anos atrás.

Nem só céu azul e unicórnios

A Nvidia, maior empresa do S&P 500 hoje e a primeira a alcançar um valor de mercado de 5 trilhões de dólares, também teve momentos de avaliação extrema. Seu índice P/L atingiu mais de 200 em 2023, igual ao da Cisco, durante o entusiasmo inicial pela IA após a introdução do ChatGPT em novembro de 2022.

Mas desde então, a Nvidia tem lucrado muito mais. A demanda por seus chips de alta potência ainda não foi satisfeita. Hoje, seu P/L está em torno de 45, e se o cálculo for baseado nos lucros futuros esperados, em vez dos últimos 12 meses, esse índice cai para cerca de 25.

A capacidade da Nvidia de atender consistentemente às altas expectativas de lucro tem sido “notável”, disse Alex Altmann, chefe de estratégias táticas de ações do Barclays. “É quase inacreditável.”

“Não é só céu azul, arco-íris e unicórnios, mas até agora esses negócios têm demonstrado excelência repetida”, acrescentou, “o que precisa ser reconhecido.”

Enquanto o preço das ações da Nvidia subiu cerca de 1.000% nos últimos três anos, de 17 para 180 dólares, seus lucros — o dinheiro real que está ganhando — aumentaram ainda mais rápido. Isso significa que a ação está, provavelmente, mais barata hoje do que estava há três anos, disse Stacy Rasgon, analista de ações da AB Bernstein.

Os pontos fracos da IA

Bolhas tendem a começar com uma tese razoável antes que as apostas dos investidores no futuro se desconectem da realidade. Mesmo quando o mercado cai, a tese muitas vezes se mostra correta. A internet não desapareceu após a bolha das ponto-com.

Embora os investidores estejam menos preocupados com as grandes empresas que impulsionam a alta do que estavam há 25 anos, eles se preocupam com o fervor que levou empresas sem lucro a serem financiadas, ou empresas que usam dívida para investir em IA, além da concentração do mercado em poucas gigantes.

Essas preocupações ajudaram a provocar uma venda no mês passado que, segundo traders, fez os investidores saírem de algumas das principais ações de IA e migrarem para outras áreas do mercado.

A Oracle perdeu um terço do seu valor após revelar que recorrerá ao mercado de dívida para financiar sua expansão em IA, tomando emprestado 18 bilhões de dólares em setembro. Luke Yang, analista da Morningstar, previu que a dívida total da Oracle pode crescer de 100 bilhões hoje para 300 bilhões até 2030 devido aos planos de IA da empresa, destacando um “risco muito alto se a demanda por IA não se concretizar como as pessoas esperam agora.”

A CoreWeave caiu cerca de 42% desde outubro. A nova empresa de computação em nuvem para IA depende fortemente de grandes contratos com empresas como Nvidia e Microsoft, mas ainda não tem lucro e acumulou uma grande dívida.

“Há um risco sistêmico maior devido à natureza entrelaçada dessas empresas, e elas têm um endividamento pesado para financiar despesas de capital”, disse Masserio. “Nem todas serão vencedoras. Algumas serão perdedoras, e quando perderem, como isso afetará outras empresas?”

Também podem surgir novas pressões competitivas que alterem a perspectiva para algumas das maiores empresas que impulsionam a alta. Muitos investidores temem que a inflação possa acelerar no próximo ano, o que poderia levar o Federal Reserve a manter as taxas de juros elevadas. Ou pode haver simplesmente atrasos na construção da infraestrutura necessária e na obtenção da energia para alimentar o uso crescente da IA.

O momento em que a bolha pode estourar é muito difícil de prever. A queda do mercado no mês passado foi revertida por lucros fortes e maior confiança de que o Fed continuará cortando as taxas.

Michael Burry, investidor conhecido por prever a crise financeira de 2008, recentemente comparou o papel da Nvidia na mania da IA ao da Cisco durante o boom das ponto-com e descreveu a OpenAI como o próximo Netscape, “condenada e sangrando dinheiro.”

c.2025 The New York Times Company