Decepção, ruptura de alianças e China avançando: o custo da política externa de Trump

Analistas debatem ordem global que perdeu o rumo diante de guerras, crises humanitárias, instabilidade econômica e um presidente americano volátil

Julie Ho Dealbook | The New York Times

Participantes de debate do DealBook sobre “A reorganização global” (Foto: Nicole Craine/The New York Times)
Participantes de debate do DealBook sobre “A reorganização global” (Foto: Nicole Craine/The New York Times)

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NOVA YORK — Amigos e aliados dos Estados Unidos ficaram atônitos e decepcionados com o desprezo do presidente Donald Trump pela ordem baseada em regras e com o uso de tarifas como arma. Mais preocupante é o fracasso em fortalecer alianças cruciais para conter uma China agressiva.

Essa foi uma queixa compartilhada durante uma força-tarefa, “A reorganização global”, no DealBook Summit, em Nova York, neste mês. Entre os participantes, estavam um ex-primeiro-ministro de Israel e pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a política externa dos Estados Unidos.

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A China não esteve presente em todas as discussões nem em todas as perguntas levantadas pelo moderador, Nicholas Kristof, colunista de opinião do The New York Times.

Mas sua presença pairava por trás de muitas das crises debatidas pelos especialistas, com muitos vendo os Estados Unidos baixarem a guarda — e deixarem desprotegidos seus parceiros defensivos — enquanto a China continua a ameaçar Taiwan, a avançar no mar do Sul da China e a buscar laços comerciais e de outro tipo que antes eram firmemente alinhados ao campo americano.

“Eu esperava ver uma estratégia abrangente, trabalhando com aliados e parceiros para enfrentar a China, principalmente no campo da segurança, mas também em todas as outras áreas”, disse Mark Esper, que foi secretário de Defesa de Trump durante seu primeiro governo, antes de ser demitido. Ele chamou a China de “a maior ameaça que enfrentamos neste século”.

A China é “o primeiro verdadeiro concorrente de mesmo nível que os Estados Unidos já tiveram”, disse Fareed Zakaria, apresentador da CNN, citando o domínio chinês nos mercados globais de painéis solares, terras raras, penicilina e nos muitos robôs em suas fábricas.

Esper e David Petraeus, general reformado e ex-diretor da CIA no governo do presidente Barack Obama, concordaram que um elemento positivo da política internacional de Trump é o foco no comércio com a China. “Afinal, essa é a relação mais importante do mundo”, disse Petraeus.

Mas o presidente não fez nem de longe o suficiente para conter a China, enfatizou Esper. Em chips, inteligência artificial, TikTok e outras questões de investimento, os Estados Unidos foram “superados repetidamente pela China neste ano”, observou Kristof.

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A maioria concordou que parte da solução passa por expandir acordos comerciais e de segurança com os parceiros americanos na Europa, na Ásia e no Oriente Médio — e por continuar a adaptação à estrutura mutante das alianças.

Avril Haines, ex-diretora de inteligência nacional dos Estados Unidos, disse que, por décadas, as potências mundiais estiveram organizadas como raios em torno do eixo americano.

Essa estrutura agora está se transformando em uma “abordagem em rede, em que existem espécies de minilateralismos regionais e inter-regionais, menos dependentes dos Estados Unidos como centro dessa colaboração”, afirmou Haines.

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Além da China, o grupo apresentou exemplos do que considera erros da política externa de Trump.

Em sua busca pela paz na Ucrânia, por exemplo, Trump teria cedido poder de barganha à Rússia, disseram.

“Os Estados Unidos abandonaram um aliado democrático que luta contra uma guerra agressiva de conquista conduzida por um regime autoritário”, afirmou Zakaria.

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O senador Chris Coons, membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado, apontou o uso de ataques aéreos para pressionar o presidente venezuelano Nicolás Maduro, com pouca consideração pelas consequências. “Isso reforça o pior da diplomacia da força americana aos olhos da América Latina”, disse ele.

Kristof provocou os debatedores: “Será que somos um pouco instintivamente contra algo só porque Trump pode fazê-lo?”

“Não, não acho”, disse Samantha Power, ex-embaixadora dos Estados Unidos na ONU durante o governo Obama. Há muitos “capítulos infelizes da política externa americana, de pessoas de boa-fé tentando calcular essas coisas e errando”. Mas, no caso de Trump, “existe de fato um esforço para pensar nas pessoas da Venezuela?”

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Os participantes citaram alguns possíveis pontos positivos nos esforços de Trump para pôr fim à guerra na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Essa ambição diplomática pode ser algo bom, disse Power.

Ehud Barak, ex-primeiro-ministro de Israel, compartilhou do otimismo cauteloso de Power quanto à disposição do presidente de se lançar ao conflito.

“Trump é tão central em tudo o que vai acontecer na Ucrânia, no Oriente Médio.” Ele também elogiou os ataques israelenses e americanos ao programa de enriquecimento nuclear do Irã neste verão, chamando-os de um “momento formativo para o Oriente Médio”.

Os participantes também celebraram a libertação de reféns israelenses, ao mesmo tempo em que reconheceram a fragilidade do acordo de paz e a improbabilidade de se chegar a um consenso sobre como Gaza será governada.

“Não vejo nenhum país no mundo levantando a mão para dizer que fornecerá a força de 20 mil homens” solicitada para garantir a segurança, com combatentes do Hamas sem disposição para depor as armas, observou Petraeus.

O grupo descreveu uma ordem global que perdeu o rumo diante de guerras, crises humanitárias, mudanças tecnológicas, instabilidade econômica e um presidente americano volátil.

O abraço de Trump ao príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman durante uma visita recente à Casa Branca recebeu avaliações mistas.

Mas Power disse que a visita teve um resultado positivo ao direcionar a atenção do presidente para a crise no Sudão. “É assim que é a vida neste mundo multipolar complicado”, disse ela. “Encontrar essas zonas de cooperação.”

Principais pontos do debate

— Na atual ordem global multipolar de redes regionais, os países passaram a depender menos dos Estados Unidos como centro do comércio e da colaboração diplomática.

— As tarifas punitivas e a diplomacia errática de Trump alienaram aliados e parceiros, em prejuízo da relação de longo prazo dos Estados Unidos com a China.

— O governo Trump obteve alguns êxitos de política externa no Oriente Médio, mas também minou a legitimidade e a segurança americanas.

c.2025 The New York Times Company