Como Maduro usa criptomoedas na Venezuela para enfrentar as sanções de Trump

Moedas virtuais são usadas pelo autocrata como ativo financeiro fora do alcance dos bloqueios tradicionais

Anatoly Kurmanaev The New York Times

Comerciante conta notas de bolívares em Caracas, Venezuela (Foto: The New York Times)
Comerciante conta notas de bolívares em Caracas, Venezuela (Foto: The New York Times)

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A campanha de pressão dos Estados Unidos contra o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, está apagando a breve recuperação econômica do país, levando muitos venezuelanos a se prepararem para mais uma crise econômica.

O aperto das sanções americanas neste ano fez a inflação voltar para dígitos triplos, provocou uma queda livre da moeda nacional, agravou os apagões e levou governo, empresas e cidadãos a acumular dólares e cortar gastos.

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Para os venezuelanos de todo o espectro político, os sinais crescentes de uma recessão econômica revivem memórias de dificuldades que muitos esperavam ter deixado para trás.

Na última década, a Venezuela passou pela recessão mais profunda de qualquer nação moderna fora de uma zona de guerra. Uma combinação de políticas econômicas desastrosas, corrupção e sanções dos EUA criou uma hiperinflação prolongada, colapsou serviços básicos, aumentou a desnutrição e levou milhões a migrar para escapar da extrema pobreza.

Maduro respondeu com uma combinação de repressão política e uma reformulação econômica de mercado livre. Essas medidas estabilizaram os preços, impulsionaram o crescimento e tornaram a vida mais suportável para a maioria dos venezuelanos, às custas da eliminação dos últimos direitos democráticos remanescentes.

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A decisão da administração Trump, em julho, de definir o governo de Maduro como um cartel de drogas e iniciar uma série de medidas militares e econômicas destinadas ostensivamente a impedir o fluxo de drogas da Venezuela está revertendo esses ganhos econômicos.

Economistas estimam que a taxa de inflação anual da Venezuela aumentará de 50% para 600% este ano, e os preços podem começar a subir exponencialmente — um cenário conhecido como hiperinflação — em 2026. O país entrará em recessão no próximo ano, com a previsão de que a economia deve encolher 3%, segundo o Fundo Monetário Internacional.

O principal movimento de oposição da Venezuela e seus aliados na administração Trump apostam que uma crise econômica, combinada com a agressiva campanha militar dos EUA no Caribe, fragmentará o governo venezuelano e encerrará 25 anos do regime agora liderado por Maduro.

Eles veem a piora das condições de vida na Venezuela como um custo inevitável e de curto prazo para restabelecer a democracia.

Mas a maioria dos economistas e empresários venezuelanos entrevistados em Caracas para esta reportagem argumenta que Maduro está muito mais preparado para esta rodada de pressão externa. Eles falaram e compartilharam dados sob anonimato para se proteger do governo venezuelano e de possíveis sanções dos EUA.

Pouco depois da vitória de Donald Trump, o governo da Venezuela autorizou o funcionamento das primeiras exchanges de criptomoedas do país, abrindo caminho para uma mudança mais ampla em direção a ativos financeiros fora do alcance das sanções tradicionais.

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Hoje, a Venezuela vende a maior parte de seu petróleo para a China, recebe pagamento em criptomoedas e depois redireciona parte dessas receitas para a economia nacional por meio das exchanges de criptomoedas autorizadas.

Em questão de meses, essas medidas transformaram a Venezuela em, possivelmente, o primeiro país a gerenciar uma grande parte de suas finanças públicas com criptomoedas.

Ao mesmo tempo, a vice-presidente e czarina econômica de Maduro, Delcy Rodríguez, está privatizando os recursos naturais da Venezuela para aumentar a receita de exportação, incluindo a entrega de dezenas de pequenos campos de petróleo em declínio a investidores privados.

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Isso ajudou a produção de petróleo a crescer 12% este ano, aumentando os ganhos do país em moeda estrangeira.

Esses sinais de resiliência levaram alguns economistas e empresários a argumentar que Maduro poderia impedir que a recessão iminente se transforme em colapso. Outros especialistas apontam que ele tem histórico de resistir a crises financeiras.

“Se há um país que prova que, se você colapsar sua economia, isso não muda seu governo, é a Venezuela”, disse Francisco Rodríguez, economista venezuelano que estuda sanções na Universidade de Denver. “Quando o país fica mais pobre, o governo não se enfraquece.”

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Os problemas econômicos atuais da Venezuela começaram com a decisão da administração Trump de mudar as regras que regem as operações das empresas de petróleo ocidentais na Venezuela.

A maior produtora privada de petróleo da Venezuela, a Chevron, com sede nos EUA, até março vendia o petróleo bruto de seus projetos venezuelanos para os Estados Unidos e entregava a parte da Venezuela em dólares a bancos privados locais.

Esses bancos distribuíam os dólares aos clientes corporativos, permitindo que pagassem por importações e impulsionassem o crescimento econômico.

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No ano passado, a Chevron injetou quase US$ 2,4 bilhões na economia venezuelana, cerca de um terço de toda a oferta de moeda forte do país naquele ano.

A revisão do licenciamento da Chevron pela administração Trump acabou com essas injeções de moeda.

A partir de agosto, a Chevron teve que entregar metade de sua produção venezuelana para a estatal PDVSA, em petróleo.

Esse petróleo se somou ao grosso das exportações de petróleo bruto venezuelano que a PDVSA já vendia à China sob esquemas de pagamento similares.

As novas regras operacionais da Chevron reduziram a lucratividade das exportações de petróleo venezuelano, porque a PDVSA precisa oferecer descontos e pagar intermediários para contornar as sanções.

Mas essas novas regras também dão a Maduro maior controle sobre a economia, ao concentrar sua mão sobre a quantidade reduzida de moeda forte que ainda entra no país.

Diante da ameaça militar dos Estados Unidos, a equipe econômica de Rodríguez decidiu sacrificar o crescimento e construir reservas financeiras. Cortaram gastos públicos e reduziram drasticamente a parte das reservas usadas para defender a taxa de câmbio oficial do bolívar, a moeda nacional.

Em vez disso, o governo tentou proteger a moeda por meio da repressão. Pelo menos oito economistas foram presos por publicar dados negativos, dezenas de outros foram detidos por divulgar a taxa de câmbio do mercado negro, e lojas e restaurantes foram revistados para garantir que vendessem produtos pelo câmbio oficial. Mesmo assim, o bolívar continuou caindo.

No entanto, mesmo enquanto reprimia o mercado negro de câmbio, o governo estava silenciosamente se tornando seu jogador dominante. Este ano, o governo começou a canalizar parte das receitas do petróleo para a economia por meio das duas exchanges de criptomoedas autorizadas, que podem negociar bolívares a uma taxa de câmbio mais fraca.

Essa brecha legal permitiu que o governo mantivesse a atividade econômica, ao custo de aumentar a taxa de inflação.

c.2025 The New York Times Company