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RIO DE JANEIRO — Quando soube que cozinharia para um herdeiro do trono britânico, o chef brasileiro Saulo Jennings decidiu que queria destacar o principal ingrediente da Amazônia: o pirarucu, um peixe gigante e carnudo dos rios da região.
O herdeiro, príncipe William, será o anfitrião de uma cerimônia de premiação do Earthshot Prize para 700 convidados no início de novembro, no Rio de Janeiro — sua primeira visita ao Brasil. Criar os canapés parecia o trabalho perfeito para Jennings, um chef aclamado por usar ingredientes sustentáveis da floresta amazônica.
Mas havia uma condição: o cardápio precisava ser 100% vegano, segundo relatou o chef ter sido informado pela organização do Earthshot.
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A princípio, convencido de que havia entendido errado, Jennings disse que chegou a propor incluir apenas uma opção vegana no menu. No entanto, quando soube que não poderia usar nenhuma das espécies de peixes amazônicos centrais à sua cozinha e à cultura alimentar da região, ficou ofendido.
“É como pedir ao Iron Maiden para tocar jazz”, disse Jennings em entrevista na sexta-feira. “Foi uma falta de respeito com a culinária local e com nossa tradição gastronômica.”
Após insistência do museu que sediará o evento, o chef afirmou que chegou a elaborar um cardápio vegano inspirado em ingredientes amazônicos como mandioca, jambu e castanha-do-pará. Ainda assim, as negociações com os organizadores acabaram desfeitas, e Jennings foi retirado da função de chefe do evento, marcado para 5 de novembro.
“Não tenho nada contra veganos nem contra os britânicos”, afirmou. “Mas não quero abandonar minha missão culinária.”
A indignação do chef ganhou destaque na imprensa brasileira, com muitos interpretando o pedido do menu como uma desconsideração à rica tradição gastronômica amazônica, justamente na região que sediará a próxima conferência do clima das Nações Unidas, da qual William, chefes de Estado, cientistas e formuladores de políticas participarão.
Jennings também se disse surpreso. Ele havia cozinhado sem problemas para a cerimônia de coroação do rei Charles III, pai de William, na Embaixada Britânica em Brasília.
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“Preparei fish and chips, mas com pirarucu”, contou.
A controvérsia sobre o menu levantou ainda debates sobre o que realmente é considerado uma alimentação sustentável, em um momento em que consumidores demonstram crescente preocupação ambiental e marcas buscam associar seus produtos à responsabilidade socioambiental.
Um porta-voz de William se recusou a comentar o caso. Mas uma pessoa próxima ao evento climático, sob condição de anonimato, disse que o príncipe não participou das decisões sobre o cardápio.
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Segundo essa fonte, o evento do Earthshot Prize — que concede milhões de dólares a projetos ambientais — havia solicitado comida vegetariana, e não vegana, como parte do compromisso de sustentabilidade da organização. A fonte afirmou ainda que Jennings não foi selecionado por razões orçamentárias, e não por resistência em preparar um menu sem peixe.
Enquanto o cardápio vegetariano exclui carnes e peixes, a dieta vegana elimina todos os produtos de origem animal, incluindo leite, queijo e mel.
Jennings construiu sua carreira defendendo que a verdadeira sustentabilidade está enraizada nas técnicas culinárias tradicionais praticadas há gerações pelos povos indígenas da Amazônia.
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“Comemos o que a floresta nos dá, o que os rios nos oferecem”, disse o chef, que atua como embaixador de gastronomia da ONU. “Alguns dias, comemos peixe. Outros, comemos castanhas e açaí. Isso também é sustentável.”
Ambientalistas destacam que uma das formas mais eficazes de conter a destruição da Amazônia é estimular o uso sustentável de seus recursos, como a coleta de castanha-do-pará e a pesca controlada de espécies nativas.
O pirarucu é considerado um exemplo de sucesso nesse modelo. Espécie pré-histórica que pode atingir 200 quilos, esteve à beira da extinção há poucas décadas, devido à pesca predatória. Mas, nos últimos anos, projetos comunitários amazônicos conseguiram controlar a exploração e criar cadeias produtivas sustentáveis. O peixe capturado de forma responsável é vendido a chefs como Jennings, que o transforma em pratos sofisticados servidos em seus três restaurantes no Brasil.
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Nas próximas semanas, Jennings terá outra chance de exibir sua culinária amazônica. Ele foi contratado para cozinhar para as delegações da Noruega e da China durante a conferência do clima.
E, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o chef também será responsável por um jantar para chefes de Estado, contou.
O que estará no menu?
“Com todo respeito”, respondeu, “vai ter peixe.”
Esta reportagem foi originalmente publicada no The New York Times.