Após pressão climática, empresas de energia voltam aos combustíveis fósseis na Europa

Tem se tornado evidente que os objetivos de redução das emissões globais de gases não serão alcançados, e as empresas notaram isso

Stanley Reed The New York Times

Trabalhadores da TotalEnergies na França (Foto: Desiré van den Berg/The New York Times)
Trabalhadores da TotalEnergies na França (Foto: Desiré van den Berg/The New York Times)

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A TotalEnergies, gigante francesa de energia, anunciou que irá gastar 5,1 bilhões de euros (R$ 31 bilhões) para adquirir uma participação de 50% em usinas de energia majoritariamente movidas a gás natural em vários países europeus — o movimento mais recente de uma empresa do setor que retorna ao antes rejeitado mercado de combustíveis fósseis.

A companhia, que já é uma grande investidora em energia elétrica, disse que usaria as usinas a gás para ajudar a equilibrar seu portfólio de produção de eletricidade proveniente de fontes renováveis, como parques eólicos e solares.

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As instalações, que pertencem à EPH, empresa de energia controlada pelo industrial tcheco Daniel Kretinsky, estão localizadas no Reino Unido, Itália, Holanda, Irlanda e França.

O movimento parece sinalizar uma abordagem mais pragmática em relação à energia e às mudanças climáticas por parte das empresas — mesmo na Europa, que tem sido mais agressiva na busca por metas ambientais do que os Estados Unidos.

O mundo mudou desde a adoção do Acordo de Paris, há uma década, com metas ambiciosas de enfrentamento das mudanças climáticas. Tem se tornado cada vez mais evidente que os objetivos de redução das emissões globais de gases de efeito estufa não serão alcançados — e não apenas porque o governo Trump abandonou o processo do acordo.

As empresas de energia tomaram nota disso. “Certamente abandonaram a ideia de que poderiam liderar o mundo por esse caminho”, disse Luke Parker, vice-presidente de pesquisa corporativa da consultoria energética Wood Mackenzie, referindo-se ao Acordo de Paris.

Analistas dizem que é improvável que a Europa copie as grandes mudanças na política energética que estão ocorrendo nos Estados Unidos, mas ajustes de rota são prováveis.

Até mesmo a Alemanha — que há muito se orgulha de ser líder em energia renovável — está construindo usinas movidas a gás capazes de gerar 10 gigawatts, uma quantia significativa.

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Alguns europeus podem ressentir a postura de Washington contrária aos esforços climáticos, mas a abordagem da administração Trump pode estar influenciando governos europeus a serem mais receptivos à indústria de petróleo e gás e seus produtos.

A Exxon Mobil, por exemplo, assinou recentemente em Atenas, na Grécia, um acordo preliminar considerado por alguns no setor como um avanço, para explorar petróleo e gás em águas gregas. Autoridades do governo Trump, incluindo o secretário de energia, Chris Wright, estavam presentes.

“Os EUA têm orgulho de fazer parceria com a Grécia enquanto restauramos o senso comum e liberamos energia acessível, confiável e segura”, escreveu Wright nas redes sociais.

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Mudanças de política importam, mas a guinada também é guiada por lições práticas que empresas, governos e sociedades aprenderam sobre as dificuldades de transição de um mundo movido a combustíveis fósseis para algo diferente.

A TotalEnergies tem sido uma grande desenvolvedora de energia solar e eólica. Com o tempo, porém, os executivos da empresa concluíram que apenas construir parques solares e eólicos não é um negócio muito lucrativo.

Somente essas instalações não são suficientes para atender à crescente demanda por energia “limpa e firme”, como a empresa chama a eletricidade requerida por clientes como data centers.

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Como a energia solar e eólica dependem de sol e vento, é necessária uma forma mais estável de geração elétrica — e, em muitos países europeus, o gás natural cumpre esse papel.

“Será mais ou menos um sistema 50-50, entre gás e renováveis”, disse Patrick Pouyanné, CEO da TotalEnergies, a analistas, descrevendo o futuro da empresa na Europa.

Pouyanné observou que as novas usinas complementariam a posição da TotalEnergies como uma das maiores fornecedoras de gás natural liquefeito para a Europa — combustível resfriado e transportado por navios.

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A Shell, maior empresa de energia da Europa, adotou uma postura mais rígida em relação às fontes renováveis, argumentando que investir em algumas dessas tecnologias não será suficientemente lucrativo.

A empresa, sediada em Londres, afirmou recentemente que desistiria do desenvolvimento de dois parques eólicos flutuantes em águas britânicas e de um empreendimento chamado Atlantic Shores, nos Estados Unidos. A Shell disse que agora quer focar na negociação de energia elétrica.

Outras empresas também observam a mudança no cenário energético. A guerra na Ucrânia levou a uma forte redução no fornecimento de gás natural vindo da Rússia e a uma crescente dependência dos Estados Unidos — pressionando a Europa para estimular sua própria produção, segundo executivos do setor.

Como CEO da Energean — produtora de petróleo e gás com operações em campos offshore na Europa —, Mathios Rigas está bem posicionado para captar essas mudanças na abordagem energética da região.

A Energean participou do acordo com a Exxon para perfuração nas águas da Grécia — país fortemente dependente de combustíveis importados.

Na Itália, onde a Energean possui participação em três campos, restrições à perfuração estão sendo reduzidas, e há discussões sobre legislação para acelerar projetos de gás natural voltados à indústria.

Rigas disse que a invasão da Ucrânia pela Rússia continua influenciando a visão dos governos europeus sobre combustíveis fósseis.

“Passamos por uma fase em que a Itália não queria conceder licenças”, disse ele. “Agora acredito que estão começando a mudar e compreender que precisam de produção local de hidrocarbonetos”, afirmou, referindo-se ao petróleo e ao gás.

c.2025 The New York Times Company