Americanos sofrem para pagar financiamento de carros — e esse é um sinal bem perigoso

A inflação e um mercado de trabalho difícil estão tornando mais difícil para algumas pessoas pagarem os financiamentos de carros que assumiram em tempos melhores

Sydney Ember The New York Times

Como muitos americanos dependem dos carros para se locomover, os atrasos nos financiamentos automotivos podem ser um indicador importante de dificuldades financeiras.
Crédito: Chona Kasinger para The New York Times
Como muitos americanos dependem dos carros para se locomover, os atrasos nos financiamentos automotivos podem ser um indicador importante de dificuldades financeiras. Crédito: Chona Kasinger para The New York Times

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NOVA YORK — Um número crescente de americanos está tendo dificuldades para pagar as parcelas mensais dos financiamentos de automóveis, um indicativo de que consumidores de baixa renda enfrentam pressão financeira crescente.

A porcentagem de financiamentos automotivos subprime com atraso de 60 dias ou mais atingiu quase 6,5% em janeiro e se manteve próxima desse patamar, segundo a Fitch Ratings. O número de retomadas de veículos aumentou, mais motoristas estão trocando carros que valem menos do que devem, e instituições financeiras como CarMax e Ally Financial alertaram investidores sobre o desempenho dos financiamentos.

Apesar da inflação persistente e das tarifas elevadas, a economia dos EUA aparenta estar relativamente estável. O mercado de ações continua em alta, executivos permanecem otimistas e os consumidores, em geral, ainda gastam.

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No entanto, a fraqueza no mercado automotivo é um dos sinais mais claros de que famílias de baixa e média renda — a base da economia — podem estar começando a sentir dificuldades. Como muitos americanos dependem do carro para se locomover, os atrasos nos financiamentos são um indicador importante de dificuldades financeiras.

“Isso é evidência de que alguns consumidores estão sob estresse?”, questiona Jonathan Smoke, economista-chefe da Cox Automotive. “Eu diria que sim, com certeza.”

Jennifer Alba, 48 anos, decidiu comprar seu primeiro carro após ficar presa por uma hora no metrô de Seattle, em novembro de 2021. Ela encontrou um Subaru Outback 2018, fez um financiamento de seis anos com parcelas de US$ 565 pela Ally Financial, saiu do trem e foi direto para a concessionária.

Na época, Alba ganhava cerca de US$ 100 mil por ano e havia recebido uma pequena herança. Ela deu entrada de US$ 1.500, apelidou o carro de “Ruby Subie” e planejava usá-lo para acampar.

“Não achei que estava sendo irresponsável com minhas finanças”, disse.

Em fevereiro, perdeu o emprego temporário em uma ONG. Desde então, já se candidatou a centenas de vagas, sem sucesso. Seus benefícios de desemprego acabaram em agosto.

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Sem renda e sem poupança, ela parou de pagar aluguel, cartão de crédito, empréstimos estudantis e, por fim, o financiamento do carro. Ainda deve US$ 16 mil, mas não consegue vender o veículo, que agora vale muito menos.

“Eu preferiria estar financeiramente solvente”, afirmou. “Mas essa não é a minha realidade.”

Jennifer Alba, que perdeu o emprego em uma organização sem fins lucrativos em fevereiro, com seu carro “Ruby Subie”. Crédito: Chona Kasinger para The New York Times

Mesmo tomadores com crédito melhor mostram sinais de dificuldade. Cerca de 2% de todos os financiamentos automotivos estavam significativamente atrasados no mês passado, um pouco acima do registrado há um ano, segundo análise da Cox Automotive. Pesquisadores do Federal Reserve de Nova York também identificaram aumento nas taxas de inadimplência em diferentes regiões e faixas de crédito.

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“Preços mais altos dos carros, combinados com juros maiores, elevaram as parcelas mensais e pressionaram consumidores de todas as faixas de renda e crédito”, escreveram os pesquisadores. Eles destacaram que tomadores com menor renda e crédito enfrentam pressão extra, pois podem ter comprado carros usados que valorizaram durante a pandemia e depois desvalorizaram.

O setor automotivo começou a dar sinais de alerta recentemente, após a falência da First Brands, fabricante de peças, e da Tricolor Holdings, financeira especializada em empréstimos para imigrantes sem documentação e tomadores de baixa renda. Embora as falências estejam ligadas a fraudes e má gestão, análises indicam que podem sinalizar dificuldades crescentes entre os consumidores mais vulneráveis.

“Tricolor nos deu um sinal de alerta de que algo vai quebrar aqui”, disse Tracy Chen, gestora de portfólio da Brandywine Global.

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Durante a pandemia, estímulos governamentais, auxílio-desemprego e suspensão dos pagamentos de empréstimos estudantis ajudaram a aumentar a poupança das famílias e melhorar o crédito. Os salários cresceram rapidamente na recuperação econômica, especialmente em empregos de baixa remuneração, devido à forte competição por trabalhadores.

Com juros baixos, os bancos afrouxaram os critérios para concessão de crédito, facilitando o acesso a financiamentos. Para manter as parcelas baixas, muitos tomadores optaram por prazos mais longos.

Mas desde 2021, os preços de bens, incluindo carros, subiram, e os juros mais altos encareceram os empréstimos. As economias acumuladas na pandemia foram consumidas, o crescimento salarial para os mais pobres desacelerou e o mercado de trabalho perdeu força.

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Além disso, a retomada dos pagamentos dos empréstimos estudantis, suspensos durante a pandemia, tem drenado a renda das famílias e aumentado a inadimplência, afetando o crédito.

Como resultado, um número crescente de tomadores, especialmente os de menor renda, está preso a financiamentos com parcelas altas e recursos financeiros cada vez mais escassos.

“As pessoas conseguem segurar por um tempo, mas agora estão tendo dificuldades”, afirma Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics.

Apesar do aumento da inadimplência, analistas afirmam que a situação dos financiamentos automotivos não ameaça o sistema financeiro como um todo. No segundo trimestre, os financiamentos de veículos representavam menos de 10% dos US$ 18,4 trilhões da dívida das famílias, segundo dados do Fed de Nova York. Os financiamentos subprime são apenas uma fração desse total.

Além disso, os financiamentos mais recentes apresentam desempenho melhor do que os originados em 2022 e 2023, possivelmente porque os bancos endureceram os critérios para evitar empréstimos de alto risco a tomadores com crédito baixo.

c.2025 The New York Times Company