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CEO da Engie: geração distribuída cria distorção de mercado

Eduardo Sattamini, CEO da Engie, defende incentivos aos ônibus elétricos como forma de limpar a matriz nas grandes cidades

Felipe Mendes

CEO da Engie. Foto: Divulgação

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Com mais de 9 gigawatts (GW) de capacidade própria instalada, a Engie (EGIE3) tem se consolidado como uma das principais propulsoras de energia elétrica no Brasil, com 99 usinas, sendo 11 hidrelétricas e 88 complementares. Líder em energia renovável no país, a empresa investiu mais de R$ 20 bilhões em projetos de parques eólicos e solares nos últimos anos. E não quer parar por aí. “Somando o que fizemos nos últimos anos e o que ainda temos para entregar, são cerca de R$ 37 bilhões em investimentos”, diz Eduardo Sattamini, CEO da Engie.

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Em entrevista ao IM Business, o executivo pondera a necessidade do fim do atual modelo de subsídios para os consumidores de energias renováveis, a fim de diminuir as distorções no sistema de geração distribuída do país. “A geração distribuída gera um tipo de reserva de mercado, uma vez que permite a escolha de fontes apenas para os consumidores que podem arcar com o custo de instalação das placas solares”, afirma.

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A Engie Brasil registrou um lucro líquido ajustado de R$ 793 milhões para o primeiro trimestre deste ano, 10,1% abaixo do reportado em igual período do ano anterior. O Ebitda ajustado, por sua vez, foi de R$ 1,8 bilhão, queda de 12,1% na mesma base de comparação. Os números negativos se devem a desinvestimentos recentes, como a venda da Usina Termelétrica Pampa do Sul, efetuada em maio de 2023; e a alienação parcial da participação na Transportadora Associada de Gás (TAG), em janeiro deste ano.

Veja os principais destaques da entrevista a seguir:

IM Business: A Engie tem se colocado como a grande incentivadora da energia renovável no país e se desfez de seu último ativo de energia fóssil. Como o senhor vê a alocação de recursos para investimentos da empresa no futuro?

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Eduardo Sattamini: Nós temos comprometidos mais de R$ 10 bilhões para energias renováveis e R$ 4 bilhões para linhas de transmissão. Hoje, é esse o nosso pipeline de investimentos. Nos últimos quatro ou cinco anos, fizemos R$ 23 bilhões. Ou seja, somando o que nós fizemos nos últimos anos e o que ainda temos para entregar, são cerca de R$ 37 bilhões em investimentos nesse ciclo. Estamos muito desalavancados e decidimos levar a empresa para um nível de capital mais otimizado. E chegamos em um nível saudável. Agora, estamos administrando a nossa alavancagem, que está em 2,3 vezes o Ebitda.

IM: Com esse nível de alavancagem baixo, a empresa analisa possíveis movimentos para um M&A no mercado de energia?

ES: A gente está sempre olhando o mercado. Temos algumas boas oportunidades de mercado e vamos olhar, mas sempre com uma visão de disciplina financeira e com uma tese de ativos de boa qualidade. O momento é um momento ofertante. Talvez os juros acabem gerando alguns desincentivos, porque com o juro muito alto, eu tenho que pagar mais barato pelo ativo. E quem quer vender, quer fazer isso com um valor mais caro. O grande problema, nesse cenário de juros muito alto, é fazer as partes convergirem. Mas estamos efetivamente atentos a ativos que façam sentido para a nossa estratégia, de geração e transmissão, sempre com disciplina financeira.

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IM: Há também os leilões no setor como possibilidade de atuação da Engie, certo?

ES: Sim. Temos períodos de maior êxito e outros que nem tanto. Sempre depende do nível de agressividade do mercado. No ano passado, a gente conseguiu adquirir Asa Branca em um investimento de quase R$ 4 bilhões. Este ano, ainda não conseguimos nada. Pode ser que no leilão de transmissão no segundo semestre do ano, a gente consiga alguma coisa, mas sempre dentro da disciplina financeira adequada, de olho no retorno de capital ao nosso acionista.

IM: Quais são os principais investimentos hoje no radar?

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ES: Hoje, nós estamos terminando o Santo Agostinho, que está praticamente concluído. Faltam duas turbinas que precisam de substituição de pás dos aerogeradores. Estamos passando da fase de construção para a fase de operação. Nós também temos a operação de Assuruá, em que o primeiro gerador entra em funcionamento no terceiro trimestre deste ano. E temos Asa Branca, com mais ou menos 1.000 km de linha entre a Bahia e o Espírito Santo, passando por Minas Gerais. São esses os três grandes investimentos que temos, que vão demandar R$ 14 bilhões, sendo que uma parte desse montante já foi utilizada.

IM: Tem sido frequente a discussão sobre os subsídios aos consumidores da geração distribuída. Para o senhor, esse método pode aumentar a desigualdade social?

ES: Com certeza. E um governo que se diz voltado aos mais pobres deveria agir contra isso. Hoje, o cidadão instala um telhado solar em sua fazenda para compensar a energia no seu apartamento na Vila Nova Conceição e acaba não pagando nada. Com isso, deixa para as pessoas de bairros mais pobres pagarem por ele. Isso é um absurdo total.

IM: O que o governo poderia fazer para diminuir essa anomalia?

ES: Primeiro, acelerar a extinção desse benefício para a geração distribuída. A geração distribuída gera um problema grande do pobre que paga a conta pelo rico. Esse ‘cara’ foge de pagar a transmissão. O que precisa é diminuir a possibilidade da instalação de nova geração distribuída. Na hora em que ele pagar por todos os custos, ele não vai ser tão competitivo. Outra coisa é fazer a abertura do mercado de baixa tensão. Seriam formas de inibir o progresso nesse tipo de fonte. Tem que fazer coisas que façam sentido. Esses ‘caras’ estão ‘nadando de braçada’. O cara pega uma conta de energia de R$ 1.000 por megawatt hora e paga só R$ 600. Quer dizer que ele deixou imposto para alguém pagar. Fora que as receitas estaduais também perdem dinheiro com isso, porque nessa energia não é cobrada o ICMS.

IM: Isso é um problema criado por este governo?

ES: Não. Mas o governo anterior já estava tomando algumas medidas para limitar o subsídio para as eólicas e solares do Nordeste. Isso valeria até 2026, mas este governo estendeu o benefício por mais três anos. Isso saiu da Medida Provisória (MP) 1.212/2024, que é do Executivo.

IM: O senhor acha que a consciência sobre a transição energética no mundo ainda está predominando ou o ‘negacionismo’ tem vencido essa batalha?

ES: Acho que a consciência em geral ocorreu. A mudança climática é uma realidade. Acho que não tem mais negacionistas e que os governos, de modo geral, estão tomando algumas atitudes positivas em relação a isso. O próprio Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, tem lá o IRA (Inflation Reduction Act), que visa fazer uma transição energética e jogar recursos para essa transição. Eu entendo que as empresas estão mais conscientes, mas às vezes colocam o pé no freio pela questão da competitividade. Quanto custa para você adotar uma posição mais pró-transição energética se o seu concorrente não está fazendo o mesmo? Mas, de modo geral, o consumidor está dando mais valor a isso e, naturalmente, a transição energética está ocorrendo. A gente está vivendo uma série de mudanças climáticas sensíveis, como inundações e tornados em determinadas regiões que não passavam por isso antes.

IM: O Brasil poderia ter mais energia solar e eólica em detrimento da hidrelétrica e de fontes fósseis?

ES: Não, porque são fontes mais complexas de se gerenciar. Quanto mais energia eólica e solar você tem, mais hidrelétrica ou termelétrica você precisa ter no sistema, porque você pode não ter vento ou não ter sol em determinada região. Eu até posso não ter água num determinado momento, mas se eu tenho reservatórios, eu posso de alguma maneira compensar isso, claro que não por períodos muito longos de seca. Por isso que é importante ter uma matriz equilibrada, mesmo que parte da energia venha de fontes fósseis ou térmicas. E eu acredito que, no fim das contas, a gente tem uma matriz bem equilibrada, das mais limpas que têm no mundo. A gente tem muito espaço para limpar essa matriz elétrica, por exemplo, com a substituição dos ônibus que fazem a mobilidade urbana de combustíveis fósseis para elétricos.

IM: A Engie tem alguma parceria nesse sentido?

ES: O grupo já olhou há algum tempo para essa parte de mobilidade verde, mas hoje não é o nosso foco. A gente quer que isso aconteça para ofertar essa energia que está excedente no mercado e ajudar a diminuir a pegada de carbono na atmosfera. Uma medida de subsídio que eu defendo é diminuir o imposto sobre o ônibus elétrico ou fazer algum tipo de financiamento subsidiário para implementar uma infraestrutura e permitir que a mobilidade verde avance nas grandes cidades. Além do carro elétrico para os consumidores, o transporte de massa é um negócio que precisa ser incentivado. Seria um ganha-ganha tremendo.