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As lições da derrocada do Dia para as concorrentes no varejo de vizinhança

Empresa sucumbiu nos últimos anos ao tentar competir com os preços praticados pelos atacarejos

Felipe Mendes

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Anunciado na quinta-feira (21), o pedido de recuperação judicial da rede de origem espanhola Dia no Brasil – com dívidas que ultrapassam R$ 1 bilhão – passou a ser bola cantada depois que a empresa anunciou a reestruturação de sua operação no país. Em comunicado divulgado uma semana antes, a companhia informou que fecharia 343 supermercados em diversos Estados para concentrar seus esforços operacionais em São Paulo, de onde vem a maior parte de sua receita, que alcançou R$ 3,9 bilhões em 2023.

Segundo especialistas, a derrocada da empresa em âmbito nacional aconteceu devido a diversos fatores. Além da dificuldade de escalar as vendas com uma estratégia baseada em lojas de vizinhança, que trabalham com tíquete médio mais baixo que o dos supermercados, o Dia viu seu volume de vendas ser drenado com o crescimento dos “atacarejos”, que conquistaram consumidores com uma oferta mais acessível para a chamada “compra do mês”.

Entre 2021 e 2023 o fluxo diário de clientes nas lojas Dia caiu de 392 mil para 309 mil

Em seu pedido de recuperação, o Dia declarou que entre 2021 e 2023 o fluxo diário de clientes em suas lojas caiu de 392 mil para 309 mil. “Para fazer frente à agressividade dos preços praticados pelos atacarejos, o Dia se viu forçado a reduzir ainda mais suas margens, fazendo promoções com frequência como forma de tentar manter sua competitividade e atrair clientes. Os efeitos financeiros dessas medidas consistiram na redução drástica do EBITDA do Dia, que, de 2021 em diante, sofreu declínio a ponto de se tornar crescentemente negativo, atingindo a cifra de R$ 316,5 milhões negativos em 2023”, esclareceu a companhia em seu pedido de recuperação.

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Fundado em 1979, na Espanha, pelo grupo varejista francês Promodès, o Dia era uma alternativa aos supermercados, com unidades menores e preços mais atraentes. Com lojas que variavam entre 200 m² e 350 m², a rede cresceu rapidamente na Espanha e em outros países, após adotar o modelo por franquias. Com a aquisição do Promodès pela principal rival, o grupo Carrefour, em 1999, a rede chegou ao Brasil em 2001 – depois de uma incursão bem-sucedida na Argentina, no fim dos anos 1990. 

“O Dia teve muita dificuldade em implementar esse conceito aqui, porque no Brasil o modelo de vizinhança ainda compete com empresas independentes, como mercadinhos de bairro, que se abastecem nos atacarejos. Somente agora, com um avanço de redes como Oxxo e Pão de Açúcar Minuto, essa competição está começando a ganhar outro rosto”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).

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Devido ao acirramento da concorrência e às demandas dos investidores (a empresa foi listada na bolsa de valores de Madrid em 2011), o Dia resolveu abrir diversas frentes ao longo dos anos, como as bandeiras Dia Market, Dia Maxi e Dia Fresh. Em 2019, o fundo Letterone, do investidor russo Mijail Fridman, abocanhou 69,76% das suas ações da rede, assumindo o controle da empresa. O fundo, no entanto, foi acometido com as sanções impostas em represália à guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Com dificuldades para fazer novos investimentos e apresentando prejuízo na última linha, a empresa começou a se desfazer de alguns ativos. Nesse sentido, repassou a operação da rede de perfumarias Clarel para um fundo de investimentos colombiano, por exemplo, e aos poucos foi diminuindo sua presença no Brasil. Desde 2021, o quadro de funcionários da rede caiu quase pela metade no país. “Nos últimos cinco, seis anos, começamos a perceber uma deterioração nos equipamentos e nas lojas físicas do Dia no Brasil. A empresa não estava investindo o necessário para se revitalizar. E os clientes começaram a ver isso como uma proposta de valor defasada”, reforça Terra. 

“O varejo alimentar brasileiro é muito competitivo. Várias empresas internacionais deixaram o país sem obter sucesso. É o caso do Walmart, que abandonou o mercado sem nunca ter sido lucrativo aqui”, lembra Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese Retail. “É um mercado complexo e muito competitivo, com empresas extremamente competentes. Algumas estão se tornando inclusive multirregionais, como o Mateus, o Muffato e o Grupo Pereira, que souberam interpretar o movimento do atacarejo e pegar carona nele.” 

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A despeito dos problemas vividos pela empresa, as vendas dos supermercados continuam em franca expansão. Segundo levantamento Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o faturamento do setor cresceu 3,1% em 2023, acima do que era esperado. Para este ano, a expectativa é de novo crescimento, avaliado em 2,5%. “Acho que toda essa movimentação que ocorre [com o Dia] é normal, mas está muito mais relacionada à estratégia e à política da empresa do que propriamente ao mercado”, diz Márcio Milan, vice-presidente da Abras, afastando qualquer risco de crise setorial.

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