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A pedra no caminho da Casas Bahia

Varejista colhe os frutos amargos de uma estratégia que não resistiu à virada macroeconômica no pós-pandemia

Lucinda Pinto

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Uma decisão estratégica errada em 2019 e a virada do cenário macroeconômico no pós-pandemia. Essa combinação de eventos explica em boa parte o agravamento da crise vivida pelo Grupo Casas Bahia, que se chamava Via até a semana passada. A consequência desse quadro não surpreendeu ninguém: o follow-on da companhia teve um resultado decepcionante e foi acompanhado de forte desvalorização das ações na bolsa.

A Via pretendia levantar na oferta subsequente de ações R$ 1,1 bilhão, com chance de elevar o volume para R$ 1,8 bilhão. Os recursos são necessários para fazer frente ao serviço de sua dívida, que tem um vencimento importante no curto prazo – cerca de 60% da dívida da companhia vencem entre 2024 e 2025. Mas a disposição do investidor se mostrou muito reduzida e apenas R$ 622,9 milhões foram levantados. Segundo fontes que acompanharam a operação, parte das ações foi comprada por investidores que estavam vendidos, ou seja, precisavam do papel para cobrir posição – dados da Economática mostram que, em setembro, o volume movimentado com aluguel de ações da varejista somou R$ 593,6 milhões, um crescimento de 46% em relação a abril.

Esse resultado ampliou a preocupação que já vinha de algum tempo  no mercado sobre as condições de pagamento da dívida da companhia. Na quarta-feira, a agência de risco S&P rebaixou de “brAA-” para “brA-” o rating da empresa e definiu perspectiva negativa, na escala nacional, após incorporar os resultados da varejista no primeiro semestre de 2023. Essa decisão agravou ainda mais a situação da empresa, uma vez que os R$ 420 milhões em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) emitidos em 2022 têm como covenant um determinado nível de rating. Com o rebaixamento, os credores teriam, em teoria, o direito de pedir a liquidação antecipada dessa dívida — cenário considerado improvável pelos analistas, mas que dá a noção do tamanho da dificuldade que a empresa está enfrentando.

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Para analistas ouvidos pelo IM Business, o pano de fundo da crise vivida pelo Grupo Casas Bahia é o mesmo para todo o varejo. Mas algumas peculiaridades tornaram o desafio maior para a empresa. A aposta, em 2019, em um projeto de marketplace e no seu canal de vendas online próprio é uma das origens dos problemas. Na ocasião, a empresa, que tinha nas lojas físicas seu ‘core’, foi disputar um mercado que exigiu, por alguns anos, investimentos fortes em tecnologia, logística, tráfego pago e subsídios a sellers de marketplace. Tudo isso para ganhar market share das vendas digitais e alavancar seu GMV.

O cenário de juros ainda baixos deu suporte para essa estratégia de aumento de endividamento para crescer, ainda que o retorno dos investimentos não tenha ocorrido como o esperado — a queima de caixa  ficou ao redor de R$ 4 bilhões entre 2020 e 2021.

Ocorre que, no fim de 2021, o cenário mudou drasticamente. Com a alta da Selic, o custo de capital aumentou, o volume de vendas das categorias core diminuiu, pressionando as margens da empresa. “A velocidade e a magnitude dessa piora do cenário foram mais fortes do que a empresa esperava e desde então ela se vê numa situação em que o caixa gerado pelas suas operações nem de perto cobre as suas despesas financeiras”, afirma o analista de uma gestora que prefere não se identificar. “Então, quanto mais o tempo passa e mais esse cenário persiste, mais ela vai queimando caixa.”

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Outros aspectos, como a ausência da ancoragem do controlador e a perspectiva de um posicionamento ruim da empresa agravam a situação, dizem analistas. O grupo Casas Bahia tem uma grande concentração de vendas em bens de consumo de ticket mais alto, superior a R$ 1.000,00, o que torna a operação muito mais dependente da venda a prazo e, portanto, sensível aos juros ainda elevados.

Em agosto, após a divulgação de seu balanço trimestral, o novo CEO da companhia, Renato Franklin, que assumiu o posto em maio, apresentou um plano de reestruturação. Entre as medidas, estão a redução da folha de pagamento, corte no capex, e fechamento de lojas, e a estruturação de um Fidc onde estarão consolidados todos os recebíveis do crediário. Na visão do mercado, trata-se de um “plano ambicioso”, e com alto risco de execução.

A utilização de créditos fiscais também está no radar da companhia. Segundo o balanço do terceiro trimestre, a empresa tem R$ 1,65 bilhão em tributos a serem recuperados no curto prazo e R$ 4,92 bilhões no longo prazo.

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Procurado, o Grupo Casas Bahia não quis se manifestar.

Lucinda Pinto

Editora-assistente do Broadcast, da Agência Estado por 11 anos. Em 2010, foi para o Valor Econômico, onde ocupou as funções de editora assistente de Finanças, editora do Valor PRO e repórter especial.