Últimas ararinhas-azuis em vida livre no Brasil são infectadas por vírus fatal

Aves repatriadas da Europa e mantidas em programa de reintrodução na Bahia testaram positivo para circovírus; empresa responsável é multada em R$ 1,8 milhão

Gabriel Garcia

Camile Lugarini/Ministério do Meio Ambiente
Camile Lugarini/Ministério do Meio Ambiente

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As últimas ararinhas-azuis que ainda viviam soltas no Brasil foram diagnosticadas com um vírus altamente letal, recolocando em alerta os esforços para recuperar a espécie. As informações são do portal g1.

Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), as 11 aves estavam participando de um programa de reintrodução na Bahia após terem sido trazidas de volta da Europa, mas acabaram contaminadas pelo circovírus.

Miguel Monteiro/Ministério do Meio Ambiente

A identificação do vírus ocorreu depois que uma decisão judicial determinou a recaptura das aves em novembro. Exames conduzidos pelo ICMBio apontaram que todas estavam infectadas.

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O instituto concluiu que a disseminação do vírus está ligada a falhas de manejo no criadouro da empresa Blue Sky, onde as ararinhas permaneceram antes de serem soltas.

Em nota, o criadouro nega as acusações do ICMBio, diz que há divergência em testes e afirma que segue normas sanitárias e protocolos de biossegurança internacionais (leia abaixo o posicionamento).

Miguel Monteiro/Ministério do Meio Ambiente

Os técnicos identificaram problemas como falta de higiene em viveiros e comedouros, além da ausência de equipamentos de proteção por parte da equipe que manipulava os animais. A negligência levou à aplicação de uma multa de R$ 1,8 milhão à empresa.

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Segundo a coordenação de emergências do ICMBio, o surto poderia ter sido evitado caso as normas de biossegurança tivessem sido rigorosamente aplicadas. Apenas um exemplar havia apresentado resultado positivo inicialmente, mas, sem o isolamento adequado, a contaminação se espalhou por todo o grupo. Há preocupação adicional sobre a possível exposição de outras espécies de psitacídeos nativas da região.

Agora sob cuidado direto do ICMBio, as ararinhas não poderão mais retornar ao ambiente natural.

O circovírus provoca a chamada doença do bico e das penas, que compromete o crescimento das penas, altera colorações e pode deformar o bico — um quadro irreversível e, na grande maioria das vezes, fatal. Apesar da gravidade para as aves, não há risco de transmissão para humanos.

A origem do circovírus ainda não foi determinada; a doença não é comum na região do sertão baiano, embora seja registrada com maior frequência em populações de psitacídeos na Austrália.

Outro lado

Leia na íntegra a nota do criadouro:

O Criadouro Ararinha-azul, em Curaçá (BA), nega as acusações do ICMBio de negligência, desleixo e condições insalubres. A instituição informa manter 103 ararinhas-azuis sob seus cuidados, sendo 98 sem detecção de circovírus nos exames mais recentes e 5 aves com resultado positivo. O criadouro rebate órgão federal e afirma adotar protocolos rígidos de biossegurança, bem-estar animal e manejo em ambiente limpo e controlado, seguindo normas sanitárias internacionais.

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O criadouro é uma instituição privada, sem fins lucrativos, mantida com capital majoritariamente estrangeiro. A equipe é formada por profissionais brasileiros e estrangeiros, incluindo médicos-veterinários e especialistas em manejo e reprodução de ararinhas-azuis, com atuação contínua há mais de 15 anos na conservação da espécie.

Em nota divulgada, neste domingo (30), a empresa afirma que “Em vez de atuar em cooperação para enfrentar um problema sanitário que existe no Brasil há mais de 30 anos, o Estado prefere transferir a culpa e buscar punições contra uma entidade privada que investe recursos próprios na conservação de uma espécie ameaçada. “

Quanto às 11 arararinhas, amplamente divulgadas na imprensa, a instituição aponta “há divergência nos testes, além de que elas contrariam o vírus fora do local (em vida livre na natureza)”. Segundo a empresa baiana, os exames mais recentes identificaram vírus detectado em 5 aves no total (3 do plantel e 2 das recapturadas), com divergência entre metodologias laboratoriais. Testes realizados com técnicas convencionais, inclusive pelo laboratório do governo, apontam para 3 aves positivas, em contradição a outro teste que detecta o vírus para as 11 araras.

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Recapturadas, essas aves estão no local em Curaça, isoladas, e estão sem contato com outras araras, com separação de utensílios e profissionais. O criadouro mantém ainda duas maracanãs, ambas com exames negativos.

O instituição também contesta a multa de R$ 1,8 milhão aplicada pelo ICMBio e informa que, até o momento, não teve acesso ao laudo técnico completo que fundamenta a autuação. “Solicitamos integral ao processo e uma reunião técnica com os laboratórios e autoridades para reavaliar os exames de forma conjunta. Para o criadouro, responsabilizar o estabelecimento sem análise técnica aprofundada ignora a complexidade do caso e pode desestimular iniciativas privadas de conservação da espécie”, afirmam.

O criadouro tem compromisso com a transparência, a ciência e o bem-estar das ararinhas-azuis, defendendo que todas as decisões sobre o caso sejam baseadas em critérios técnicos e orientadas à proteção da população da espécie na Caatinga.

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Histórico

Em parceria com órgãos ambientais, o criadouro participou, em 2022, da reintrodução de 20 ararinhas-azuis na Caatinga, com taxa de sobrevivência estimada em 45% e registro de sete filhotes em ambiente natural, o primeiro caso de reprodução em vida livre em mais de 37 anos. Em 2025, uma nova soltura de 20 aves foi preparada, mas acabou suspensa preventivamente após a detecção do vírus. No mesmo ano, foram importadas 41 ararinhas da Alemanha, que seguem em Curaçá e ainda não foram soltas na natureza.