Bolsa em alta é ruim para o povo? Muito pelo contrário!
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Durante as eleições de 2014, um grande amigo de infância fez um comentário que jamais esqueci: Pedro, se as empresas não criam novos recursos, como é que a economia cresce tanto no longo prazo?
Devo ressaltar que não se trata de uma pessoa burra, mas de alguém brilhante em sua área de atuação, que sempre estudou nas melhores escolas. Nem se trata de um petista. Pelo contrário, meu amigo votou em Aécio naquele tormentoso segundo turno e foi eleitor de ACM Neto na última eleição municipal.
Se até um sujeito bem educado, estudioso e ideologicamente distante da “esquerda brucutu” via a economia como um jogo em que um só ganha quando o outro perde, eis um bom sinal do quão nebulosos são os fenômenos econômicos para o brasileiro médio.
Num país socialmente injusto como o nosso, onde a espoliação das massas pelas elites tem sido comum de Pero Vaz a Joesley, esse preconceito é bastante compreensível. Se há empresários ganhando, muitos pensam que há alguém perdendo.
Instituições ruins como as nossas são caracterizadas por incentivos à extração, ao invés da criação de riqueza. Quando um empresário ganha, muitos brasileiros desconfiam. Talvez venha daí a máxima de Tom Jobim, segundo quem o sucesso no Brasil é ofensa pessoal.
Esse mesmo roteiro dominou redes sociais nas últimas semanas. Conforme a Bolsa sobe a patamares nunca antes vistos, bolsonaristas comemoram e petistas apelam ao discurso de sempre: dizem que, se os acionistas estão ganhando dinheiro, é porque o povo deve estar sendo roubado de alguma forma.
Numa versão mais leve, o argumento sugere que só quem tem ações se beneficia com altas da Bolsa. Um raciocínio análogo vale para a queda da taxa de câmbio, que seria útil apenas para a elite que quer fazer compras em Miami. Pesquise sobre o assunto no Twitter e não será difícil encontrar exemplos.
O que significa uma alta na Bolsa?
A Bolsa de Valores é uma plataforma. Nela, milhões de investidores compram e vendem participações em empresas. Na bolsa brasileira, qualquer pessoa pode se tornar dona de uma parte da Magazine Luiza, Ambev, Petrobras ou outras das empresas listadas. Comprar uma ação é comprar uma parte da empresa – e, como todo dono, receber parte do lucro.
Em tese, o preço de uma ação deveria ser igual ao valor presente dos lucros que o acionista pode receber. Isto é: se uma empresa vai repassar 10 reais em dividendos para cada acionista no fim desse ano, mais 15 no ano que vem, mais 20 no seguinte e assim por diante, o preço deve se igualar à soma que que é recebido pelo acionista, descontada por uma taxa que leva em conta o valor do dinheiro no tempo.
Ninguém sabe qual o preço justo para uma ação. Se alguém tivesse essa informação precisa, seria muito fácil ganhar dinheiro: bastaria comprar ações mais baratas que o preço justo e esperar o futuro. O preço correto é sempre um exercício especulativo, que envolve supor o que acontecerá no futuro. Esse exercício é feito pelos analistas que povoam bancos e fundos de investimento. Alguns deles escrevem aqui na InfoMoney.
Dito isso, altas na Bolsa significam que os participantes do mercado de ações esperam lucros maiores para as empresas. Trata-se de uma medida da expectativa dos agentes.
Expectativas podem estar erradas, mas não são inúteis. O cidadão comum, que não tem ações na bolsa de valores, pode se beneficiar diretamente das altas na Bolsa.
Uma empresa que espera lucrar mais pode acelerar seus planos de investimentos. Assim, a contratação de novos trabalhadores torna-se mais provável, assim como a aquisição de novas tecnologias que aproximem o Brasil da fronteira mundial.
Além disso, caso as expectativas se concretizem, elas efetivamente podem significar melhores empregos, maior lucro para as empresas menores que são fornecedoras das que estão listadas em bolsa, dentre outras dinâmicas positivas para todo e qualquer brasileiro.
A alta também pode refletir a expectativa por uma melhoria geral no país – maior crescimento e controle das contas públicas, dentre outros fenômenos que beneficiam a todos.
Isso, claro, se não estivermos falando de empresas extrativas, como a JBS, cujo valor de mercado cresceu em negociações suspeitas com dinheiro público. Felizmente, não é o caso.
A valorização das últimas semanas não decorreu de subsídios públicos para empresas específicas. A bem da verdade, enquanto a JBS se tornava uma campeã nacional no início da década, o índice da bolsa brasileira andava de lado. Agora, há uma valorização generalizada dos ativos listados.
Não há motivos para temer a alta da Bolsa – muito pelo contrário.
E o dólar?
Sim, você come dólar. Muita gente diz que não, mas o dólar está no pão que você coloca na mesa todo dia de manhã. O trigo que o seu padeiro usa provavelmente é importado – e, quanto menor o dólar, menor o preço.
A recente revolta contra aumentos nas passagens de avião, mesmo em vôos domésticos, também pode ser aplacada pela queda da taxa de câmbio. Grande parte dos custos de companhias aéreas são indexadas às moedas estrangeiras. Valorizações do real estão intimamente ligadas àquela viagem que você sempre quis fazer, mas não tinha dinheiro.
A taxa de câmbio é determinada principalmente pela oferta e demanda pela moeda nacional, versus a oferta e demanda pela moeda estrangeira. Valorizações do real geralmente significam que a nossa moeda se tornou mais atrativa, na comparação com o dólar ou euro.
Nem todos ganham, é claro. Empresas exportadoras podem ter dificuldade de se manter lucrativas quando o real cai. O mesmo ocorre com empresas que concorrem com importadoras. Mas é falso apontar que esse benefício está concentrado em meia dúzia de tubarões do mercado financeiro. Consumidores de diversos setores ganham com a queda do dólar.
Bom seria se todos operassem no mercado financeiro
O número de investidores da Bolsa é consideravelmente subestimado por quem nega os benefícios da alta. Milhões de brasileiros são cotistas em fundos de pensão que operam no mercado financeiro. Muita gente investe indiretamente na Bolsa, sem saber.
Ainda assim, as últimas narrativas esquecem um fato ainda mais básico: bom seria se, com a valorização recente, mais gente investisse na Bolsa. Não são necessários milhões de reais. Noutros países, como os EUA, investimentos de pessoas físicas são muito mais comuns, tornando o sistema financeiro mais seguro e democrático.
Quando alguém reforça a imagem da Bolsa como território de ricos, distantes do cidadão comum, o efeito colateral é reforçar na população a imagem de que aquele assunto não lhe pertence. Empresas como a XP Investimentos têm trabalhado para aproximar o brasileiro comum do mundo dos investimentos e educação financeira.
Frente a uma valorização da Bolsa, a postura mais adequada é outra. Bom seria se mais gente estivesse avisando: “Preste atenção! Você também pode ganhar. Se informe sobre ativos financeiros e planeje um bom uso para sua poupança. A Bolsa não é exclusiva e sua participação nela faz bem para o país!”.
Meu amigo que abre o texto, por sinal, passou os últimos anos buscando conhecimento sobre economia e finanças. Hoje, ele entende porque o erro da pergunta que me fez em 2014 e passou a investir o próprio dinheiro. Não é um milionário, mas entendeu que isso não o impede de se planejar. Bom seria se mais brasileiros fizessem o mesmo.