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O que a eleição de Trump ensina sobre pesquisas eleitorais

A eleição de Donald Trump não significa que as pesquisas eleitorais não tem valor. Entender por que os levantamentos erraram ajuda a entender o que são intenções de voto e como devemos ler os números de uma pesquisa.
Por  Pedro Menezes
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Desde que a eleição de Donald Trump surpreendeu o mundo e, principalmente, a imprensa americana, a validade das pesquisas eleitorais tem sido questionadas.

Sempre que um levantamento aponta a má situação de um candidato, seus apoiadores espalham na internet manchetes como “Hillary tem 90% de chances de ganhar, diz pesquisa”, publicada na véspera da eleição pela Folha de São Paulo.

Esse “erro” é suficiente para questionar a validade de pesquisas? Não. De todo modo, o que aconteceu nos EUA em 2016 é muito útil para entender as limitações das pesquisas e sua verdadeira utilidade.

Quando falo em “erro”, entre aspas, é porque nenhuma pesquisa tem a arrogância de cravar o resultado sem dúvidas: Hillary tinha 90%, não 100%; os 10% de Trump significam que a vitória dele era possível. Toda pesquisa é uma estimativa falha. Os próprios pesquisadores calculam uma margem de erro.

Além disso, como não é surpresa, colar apenas prints de manchetes rebaixa qualquer discussão. A Folha destacou no título da matéria uma pesquisa favorável para Hillary. No corpo, citam também a previsão do respeitado FiveThirtyEight – 70% para Hillary, 30% para Trump.

Nos dias anteriores da eleição, as pesquisas indicavam o que seria necessário para uma derrota de Hillary: quais estados estavam em disputa e o que precisava acontecer nas eleições como um todo. Esse conjunto improvável de acontecimentos se realizou.

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Nos últimos 130 anos, só dois presidentes americanos (Trump e Bush filho) foram eleitos com minoria no voto popular, vencendo apenas na votação por colégios eleitorais. As pesquisas também indicam um crescimento súbito de Trump na reta final da campanha e ascensões de última hora podem ser de difícil detecção.

O sistema eleitoral americano, com voto desagregado e facultativo, dificulta a previsão por pesquisa eleitoral, dado que mudanças na disposição de realmente ir votar podem ser muito súbitas. Uma boa pesquisa precisa ter amostras razoáveis em cada estado americano e depois agregar 50 levantamentos diferentes.

Sendo assim, é esperado que uma vitória como a de Trump fosse bem difícil de prever, mesmo com pesquisas honestas e bem feitas. Felizmente, esse problema é bem menos relevante no Brasil, onde o voto é obrigatório e direto.

O FiveThirtyEight, site que atribuiu maior probabilidade à vitória de Trump, é um dos veículos mais respeitados pelo uso de dados em previsões. É parte da beleza americana: eles tem uma sociedade civil tão forte que há até um grande site no qual estatísticos especializados preveem resultados do SuperBowl à política. Seu fundador, Nate Silver, é best-seller e autoridade no assunto, por ter previsto com sucesso eleições anteriores.

Um dos diferenciais do FiveThirtyEight é o modo como o site prevê o resultado eleitoral. Ao invés de analisar amostras individualmente, há um modelo que agrega diversas pesquisas, pondera pelo histórico dos institutos em eleições anteriores, considera cada levantamento estadual nas previsões e, com tudo isso, tem acertado bastante.

Em seu livro sobre previsões, Nate Silver explica o motivo dessa abordagem desde o título, “O Sinal e o Ruído”. Uma pesquisa isolada seria um ruído. Um conjunto de pesquisas apontando a mesma tendência é sinal.

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A mesma analogia pode ser aplicada a várias evidências. Encontrar apoiadores de um candidato no seu bairro pode ser um ruído. Viajar o país inteiro e encontrar vários apoiadores de um candidato em todos os bairros provavelmente é sinal.

Toda pesquisa, individualmente, está repleta de sinais e ruídos. Diferenciar um e outro é parte essencial da análise eleitoral. Toda pesquisa está errada, mas é improvável que todas errem na mesma direção. Replicar mentalmente o modelo do FiveThirtyEight – ou seja, olhar sempre o conjunto das pesquisas e levar em conta outros fatores – é um bom instrumento para ler o noticiário.

Leia mais: 

– Por que as enquetes digitais dão resultados tão diferentes das pesquisas eleitorais?

As últimas pesquisas de Datafolha, Ibope, XP/IPESPE e BTG Pactual/FSB, tem alguns resultados em comum. A ascensão de Amoêdo, por exemplo. O crescimento da intenção de voto em Ciro Gomes e da rejeição de Bolsonaro são outros resultados comuns a vários levantamentos.

Um outro recurso do FiveThirtyEight é calibrar seu modelo olhando como as eleições transcorreram no passado. Num post recente para o blog, mostrei como as pesquisas do fim de agosto previam mal as últimas eleições para presidente.

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Levantamentos muito anteriores às eleições tem poder de previsão limitado. As pesquisas só serão uma evidência muito forte sobre as urnas nas últimas semanas de eleições. Não será surpreendente, dado o histórico das eleições presidenciais, se a última semana tiver viradas consideráveis. É bem provável que a incerteza nos acompanhe até a apuração dos votos de primeiro turno.

Em eventos como a eleição de Donald Trump, os elementos imprevisíveis não podem ser ignorados. Sim, alguns analistas previram o resultado das eleições americanas. Boa parte desse grupo, não por acaso, é formado por influenciadores conservadores. Alguns deles fazem estardalhaço pelo acerto, escondendo uma série de erros a favor da direita que colocariam dúvida se fazem análise ou torcida. Rodrigo Constantino, insuspeito apoiador de Trump, já demonstrou em seu blog ser este o caso de um dos principais influenciadores da direita brasileira, que se tornou assessor do PSL após prever a vitória de Trump.

A sorte, afinal, é sempre um elemento quando falamos sobre incerteza genuína. Essa sorte, em geral, ocorre quando o acaso favorece os preconceitos do analista.

A eleição de Trump deve ser uma lição de humildade para todos, inclusive para o leitor que está xingando o Datafolha nos comentários. Pesquisas importam, mas podem errar. Se você vir alguém, a esta altura, cheio de certezas sobre a eleição presidencial, desconfie que se trata de um picareta.

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Pedro Menezes Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.

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