A bolha do setor automotivo brasileiro – o bobo, o esperto e o malandro

As vendas diretas crescem de forma assustadora. Com isso, o principal ativo (o carro) vem se desvalorizando cada vez mais rápido. O hiato entre o preço de compra e venda nunca esteve tão grande
Por  Raphael Galante -
info_outline

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Caros leitores, digníssimas leitoras: na semana passada, o vice-presidente da Toyota (Miguel Fonseca) reclamou do excesso em venda direta realizada pelas montadoras (aqui).

Pois esse tema foi motivo de diversos posts por aqui, como: Setor automotivo tem sobrevida graças aos incentivos fiscais; Como a República de Belo Horizonte salvou as vendas de carros no Brasil e O “alto” preços dos carros e o jeitinho brasileiro.

Mas como a reclamação veio da Toyota, quer dizer que a situação já deve ter ligado o sinal amarelo em várias montadoras, mas somente para as que “quase nunca canibalizam” seus preços, como por exemplo Toyota e Honda.

O ponto central é que essa venda direta realizada por boa parte das montadoras está começando (na verdade já começou) a criar uma bolha no setor. Temos que considerar que o carro é um ativo (principalmente para os bancos que realizam a alienação fiduciária do veículo) que vem, a cada período que passa, desvalorizando cada vez mais rápido!

A nossa visão é que carro não é um ativo. É um bem de consumo como um celular. Compre, use e jogue fora (no meu caso, ainda posso repassar para os meus filhos menores).

Vamos ilustrar? Tendo como exemplo, o hatch mais vendido: Onix.

Usando o Onix Joy, que a GM divulga ao preço de R$ 46.590. Esse carro – em geral – é transacionado com um desconto de 6,5% –  R$ 43.542 (segundo a FIPE) e a versão com dois anos de uso (novamente segundo a FIPE), está sendo vendida a R$ 34.834 – 25% de deságio sobre o valor de face.

Esse deságio (de 25%) seria mais ou menos como o mineiro:

“…tá bom, mas tá ruim…”

Pessoalmente, temos grande admiração pela tabela FIPE – acreditamos que foi uma das poucas coisas acertadas que o Fernando Haddad fez na vida.

Mas ela tem um grande problema: só reflete o preço de venda do carro, não o preço de compra. Para o pessoal do mercado financeiro, imagine ficar sem saber o preço de compra/venda do dólar? Então… a tabela FIPE só publica o de VENDA.

Mas aí o arquirrival da FIPE – a FGV – criou (junto com a AUTOAVALIAR) o preço de compra dos carros (aqui). Preço de compra praticado pelos lojistas e concessionárias.

Afinal de contas, a gente tinha apenas o preço de venda. Quando o lojista/concessionário compra o carro ele precisa pagar: o ICMS do carro usado; dar (no mínimo) três meses de garantia; fazer a revisão do carro; além dos gastos com a preparação dos veículos; salário do vendedor; marketing; custo financeiro; giro do modelo; sem considerar o ganho do empresário.

Então a nova tabela AUTOAVALIAR/FGV mostrou para nós que o buraco está bem mais lá embaixo.

No caso do ONIX JOY – em média – o lojista/concessionário vai pagar R$ 27.407, ou quase 42% abaixo do preço do zero, com apenas dois anos de uso.

E o conceito é o mesmo se pegássemos um dos SUV mais vendidos (Jeep Renegade): o preço anunciado pela montadora é de quase R$ 90 mil. Em dois anos, você vende ele com um deságio de 44,39% ou por R$ 50 mil.

A tabela a seguir mostra mais ou menos essa oscilação:

ONIX JOY PREÇO V% SOBRE PREÇO SUGERIDO
PREÇO SUGERIDO PELA GM R$ 46.590,00
PREÇO REAL DE VENDA – FIPE R$ 43.542,00 -6,54%
PREÇO DA VERSÃO 17/17 – FIPE R$ 34.834,00 -25,23%
PREÇO DA VERSÃO 17/17 – FGV R$ 27.407,00 -41,17%
RENEGADE SPORT PREÇO V% SOBRE PREÇO SUGERIDO
PREÇO SUGERIDO PELA JEEP R$ 89.990,00
PREÇO REAL DE VENDA – FIPE R$ 86.381,00 -4,01%
PREÇO DA VERSÃO 17/17 – FIPE R$ 67.513,00 -24,98%
PREÇO DA VERSÃO 17/17 – FGV R$ 50.041,00 -44,39%

E por que o caboclo aqui pensa que estamos numa bolha? Elementar, meu caro Watson!

O preço de tabela do Renegade é R$ 90 mil. Mas esse preço só existe para pouquíssimas pessoas – só aquelas que ainda não perceberam que as montadoras criaram uma filial do “red market district” de Amsterdã para o nosso mercado automotivo.

O melhor na história da humanidade é a capacidade do ser humano em “criar jeitos” para contornar situações complicadíssimas. Foi assim quando inventaram o cinto de castidade 2 mil anos atrás. Só demorou um dia para conseguirmos burlar o sistema.

As montadoras, quando vendem o veículo direto ao consumidor, o fazem para diminuir a carga tributária do carro, seja fazendo a venda para uma pequena empresa (PME); Produtor Rural ou para um deficiente físico (onde uma lei “mal redigida” fez criar a indústria do PCD). Com uma carga tributária menor, esse “desconto” é repassado aos consumidores que pagam o valor integral.

O bobo sempre vai se dar mal! O esperto pensa que está fazendo um grande negócio, até que chega o MALANDRO (locadoras) e derruba o preço do mercado.

Vejam os balanços das locadoras. A sua principal receita não vem mais da sua operação fim (que é locar os veículos), mas sim da transação entre compra e venda do carro.

A maior moeda na comercialização do carro novo (por exemplo) é o carro usado! Se o carro usado com dois anos tem uma defasagem de quase 50% sobre o novo, a percepção de perda do poder de compra pelo consumidor (além do aumento da sua frustração) é impactada na hora, o que deverá retardar ainda mais a renovação do seu veículo.

Os bancos que financiam esses veículos estão vendo a sua garantia virar pó! Lógico que banco nunca perde… hoje o prazo médio de financiamento é de 42 meses, e nesse cenário, alongar esse prazo para 50 ou 60 meses (que geraria uma grande mudança na demanda e oferta de carros), nunca irá acontecer! É mais fácil acabar com as queimadas da Amazônia, do que termos o alongamento dos financiamentos (além da mudança nos carros não financiáveis – aqueles com mais de 08 anos).

E as montadoras?

São iguais a dependentes químicos! Uma vez “viciado”, precisam vender cada vez mais, para saciar o seu vício.

A venda direta na última década mais que dobrou. Em 2009, fechou com participação de 21%. Hoje (mês de agosto), está em 46% e, em algum mês até o final do ano, deve bater em 50% – como disse o vice da Toyota.

ANO PART. % DA VENDA DIRETA SOBRE O TOTAL
2011 26,73%
2012 24,48%
2013 24,48%
2014 28,60%
2015 28,21%
2016 33,34%
2017 39,13%
2018 42,29%
2019 44,12%

Tem solução? Lógico que tem! Mas não é fácil. Vai ter que ser uma porrada logo de cara; rolar um MEGA sofrimento no começo para depois ver como vamos viver.

Quando vai acontecer? Enquanto todo mundo estiver tampando o sol com a peneira (ou empurrando com a barriga), nunca!

Para quem insiste em comprar carro agora… provavelmente vai comprar para Pessoa Jurídica se tiver empresa; aproveitar aquela chácara que só te dá prejuízo para virar um “Produtor Rural”, ou ver se você (ou algum parente que dependa de você como condutor) não é elegível para virar um PCD.

Na dúvida entre comprar carro? Não deixe seu dinheiro parado enquanto isso: abra uma conta de investimentos na XP – é de graça!

 

E aí, o que achou? Dúvidas, me manda um e-mail aqui!

Ou me segue no Facebook aqui; Instagram aqui; Linkedin aqui ou Twitter aqui.

=)

Raphael Galante Economista, atua no setor automotivo há mais de 20 anos e é sócio da Oikonomia Consultoria Automotiva

Compartilhe

Mais de O mundo sobre muitas rodas