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Por que a Ford vai deixar de fabricar caminhões no Brasil?

Entendendo um pouco mais sobre o fim (mais que anunciado) da fábrica de caminhões da Ford em São Bernardo do Campo
Por  Raphael Galante
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Caros leitores, digníssimas leitoras: sabe aqueles dias que você dá uma de “Fábio Assunção”? E aí você acorda no dia seguinte tentando entender/apurar/quantificar tudo o que aconteceu?

Então… é disso que vamos tratar hoje!

Para começar, o problema da Ford (com sua linha de caminhões) era uma coisa mais que sabida! Todo mundo sabia que isso “ia dar ruim” em algum momento. A operação não se sustentava e não se sustentaria para depois da implantação da resolução Proconve P8 lá em 2022/23.

Ou seja, todo mundo já esperava que ela “ia morrer”! Só não sabíamos se seria de “morte matada” ou “morte morrida”.

Isso (de uma montadora sair) já ocorreu no setor de caminhões algumas vezes. Já tivemos o pessoal da International, que: veio; não deu certo e saiu; voltou novamente; continuou não dando certo e fingiu que não saiu; tivemos a Shacman que veio como promessa chinesa e durou o tanto quanto qualquer bugiganga da promocenter e, por fim, tivemos a GM.

Sim, a gloriosa Chevrolet, quando chegou ao Brasil lá em 1950 e guaraná com rolha, entrou com os seus caminhões e perdurou até meados de 2002/03 (mais ou menos), quando os americanos simplesmente decidiram que não era mais legal trabalhar neste segmento e, assim como a Ford Caminhões, desativaram a sua produção.

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Em linhas gerais, o que a GM fez há uns 16 anos é o que a Ford faz agora – com 16 anos de atraso!

E qual foi o motivo de a Ford descontinuar a sua linha de caminhões?

Vamos pensar como os acionistas lá de Detroit da montadora:

Qual é o meu “core business”?

Os meus principais produtos são SUVs e Picapes (série F e Ranger), além do Mustang. Além disso, todas as montadoras estão desenvolvendo “plataformas globais” dos seus veículos. Aí eu tenho uma operação de caminhões que opera apenas no Brasil e na Turquia.

Qual é o meu foco para o futuro?

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Desenvolver motores elétricos (para começar as vendas no ano que vem); carros autônomos e gerar mobilidade (o chamado “last miles”) para os meus consumidores.

Perceberam? A Ford está focando naquilo que ela acredita (e nós também) que será o futuro! Motores elétricos (híbridos) e novos conceitos de mobilidades.

Quanto ela investe em dinheiro nesses projetos?

Segundo o último balanço, a sua área de “mobilidade” gerou um prejuízo ano passado de US$ 674 milhões e, no ano de 2017, o prejuízo deste segmento para o grupo foi de US$ 375 milhões. Ou seja, ela perdeu (investiu) mais de US$ 1 bilhão em dois anos.

Voltando para a cabeça do acionista:

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Eu tenho uma operação lá na América do Sul. Que gerou no ano passado um prejuízo de US$ 678 milhões.

OK! Talvez tenha sido um ano ruim na América do Sul, foi um resultado pontual. Vamos ver o resultado dos últimos 6 anos da região:

VOILÁ:

De 2013 até 2018, a operação gerou um prejuízo acumulado de US$ 5,694 bilhões ou, na conta de padoca, algo como R$ 21 bilhões ou 18 estádios como o Itaquerão; 12 como o Mané Garrincha (como eu sou santista nem vou exemplificar com a Vila mais famosa do mundo, pois ela é imensurável, mas daria para comprar quase que o Santos inteiro).

E o que representa o mercado da América Latina para o grupo em volume de vendas?

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Algo como 6%.

E a divisão de caminhões “com aquele arredondamento camarada”, representa 0,15% das vendas do grupo.

Vamos lá: meu foco é o desenvolvimento de motores elétricos; trabalhar nos novos conceitos de mobilidade; me concentrar nos meus principais produtos (por isso a parceria com a VW); desenvolver o mercado chinês. Mas eu tenho uma operação que me deu quase US$ 6 bilhões de prejuízo nos últimos 6 anos (US$ 1 bi por ano) e eu tenho que manter uma operação de caminhões (0,15% do que eu vendo), com necessidade de fazer AGORA o investimento de algumas centenas de milhões para, quem sabe, em algum momento, ter um retorno do investimento.

Se o pessoal de Detroit conversasse mais entre si, poderiam ter falado com o pessoal da GM e ter resolvido isso alguns anos atrás.

Leve em consideração que a planta fabril dela em São Bernardo é ultrapassada (corre o risco de ser tombada pelo patrimônio histórico); não funcional, além dos custos (mão-de-obra) serem muitas vezes (tipo 50%) mais altos do que – por exemplo – os da fábrica da Jeep em Pernambuco (uma das últimas que foram inauguradas).

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Gente… ficamos tristes pela situação da região e dos trabalhadores, mas não tem o que fazer! É o processo evolutivo do mundo. O problema do Brasil foi ele não ter desenvolvido um ambiente salutar para o P&D das empresas.

Mas como naquele velho ditado: rei morto, rei posto, vamos aos outros detalhes.

Espólio!

A Ford tinha 13% do mercado, que será absorvido pelas outras montadoras. Em grande parte, 64% das suas vendas (ou 8 pontos de share) eram de caminhões semi-leves, leves e médios. Nessa toada, os maiores beneficiários serão a Mercedes Benz e a VW/MAN, que abocanharão e dividirão boa parte destes 8 pontos de share. Os outros cinco pontos (veículos semi-pesados e pesados) também serão divididos entre elas, além do pessoal da Scania e Volvo.

Em resumo, nunca foi (será) tão fácil para essas marcas apresentarem bons resultados para a suas matrizes! O PLR dos executivos deste e do próximo ano está mais que garantido.

Lógico que existem ainda vários fatores a serem esclarecidos:

A rescisão dos funcionários; a rescisão dos contratos com os sistemistas; os quase 100 concessionários da marca que deverão ser indenizados; a manutenção que ela deverá disponibilizar por pelo menos mais 1 década; um estoque de peças dos veículos que ela produziu, entre outras coisinhas.

Ela está provisionando US$ 460 milhões para tudo isso (ou R$ 1,7 bilhão). Só digo uma coisa: VAI FALTAR DINHEIRO!

Para finalizar, três pontinhos:

* Deve ter gente mordendo os cotovelos por não ter vendido a operação quando teve “aS oportunidadeS”;

* Neste momento, eu queria ser advogado… o que vai chover de ação contra ela cobrando uma reparação “e todo o resto que ficou num passado BEM recente” é incrível!

Por fim, a empresa pode estar blefando pesado com o governo e o sindicato (principalmente), para sugar suas almas e continuar operando… mas não acredito nisso!

Leia também:
– Doria anuncia que governo vai buscar comprador para fábrica da Ford
– Funcionários esperam que Ford volte atrás sobre fábrica no ABC

E ai, o que achou? Dúvidas, me manda um e-mail aqui.

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=)

Raphael Galante Economista, atua no setor automotivo há mais de 20 anos e é sócio da Oikonomia Consultoria Automotiva

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