E se você pudesse ranquear candidatos ou votar contra alguém?
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Kenneth J. Arrow tinha mais ou menos 30 anos quando, em sua tese de doutorado, publicou um dos teoremas mais influentes das ciências sociais no século XX – o Teorema da Impossibilidade de Arrow. Era uma demonstração matemática poderosa: logicamente, Arrow provou que é impossível desenhar uma eleição que atenda a premissas básicas sobre o que, teoricamente, é um boa escolha social. Nenhum sistema de votação consegue refletir com perfeição as preferências da sociedade com relação aos candidatos.
Muita gente interpretou o teorema como um argumento contra a democracia. O autor discorda. “A maioria dos sistemas não funciona mal o tempo todo”, disse Arrow em entrevista à revista New Scientist, “eu provei apenas que [sistemas de votação] podem funcionar mal em alguns momentos”.
Como a maioria das democracias funciona com voto direto e simples, o resultado eleitoral é frequentemente vendido como se refletisse a escolha da sociedade. Pouca gente cogita que o sistema de votação tenha defeitos – talvez já valha a pena escrever o verbo no passado, pois muita gente já se tocou que isso pode ocorrer nas eleições presidenciais de 2018.
Ainda em 2014, Dilma foi eleita sendo desprezada por boa parte da população. Para parte expressiva dos brasileiros, qualquer coisa era melhor que Dilma. Se existisse alguma coordenação entre os eleitores, na busca por meios termos, talvez fosse possível um mandato pacífico que encaminhasse acordos nacionais sobre reformas. Os conflitos em torno do antipetismo paralisaram o governo, prejudicando petistas e antipetistas.
Nesse ano, o cenário de 2º turno entre Haddad e Bolsonaro também dificulta uma escolha social ótima. O voto tende a ser guiado pela rejeição e, o que é pior, muitos brasileiros sentem ojeriza por ambos, sendo obrigados a votar em quem consideram mau candidato, apenas por não ser o pior candidato.
Imagine que o candidato X é o vencedor da eleição (provavelmente Haddad ou Bolsonaro) e o candidato Y é alguém que perdeu no primeiro turno. Pelo cenário atual, é bem provável que exista um Y que a maioria da população acha melhor que X, apesar deste último vencer a eleição.
De outro modo, talvez a gente chegue no final da eleição com um vencedor que a maioria da população julga pior do que um candidato derrotado no primeiro turno.
A polarização pode ser um motivo. Com vários candidatos relevantes no primeiro turno e um ambiente de extremos, os candidatos mais raivosos conseguiriam uma quantidade razoável de votos ideológicos, enquanto os mais moderados disputam ferozmente o que resta. Ainda que a maioria da população prefira os moderados, não há um processo capaz de unir o centro em torno de apenas um candidato que faça frente aos radicais. Os economistas costumam chamar isso de problema de coordenação.
Foi o que provavelmente ocorreu na última eleição para prefeito do Rio, com Freixo e Crivella altamente rejeitados e somando apenas 45% dos votos no primeiro turno. É possível que metade da população preferisse um dos derrotados no primeiro turno ao vencedor Crivella.
O teorema de Arrow mostra que é impossível encontrar o sistema de votação perfeito, mas não implica que todos os sistema de votação são iguais. É possível reformar um modelo eleitoral de modo que ele reflita melhor as preferências sociais do que ocorre no voto simples e direto.
No título do texto, eu dou duas sugestões.
A primeira é o ranqueamento de candidatos. Ao invés de votar em alguém, o eleitor criaria um ranking com os preferidos, dando mais informação ao sistema para que a escolha social seja menos imperfeita. Outra possibilidade é o voto contrário, no qual os eleitores expressam quem não querem ver de jeito nenhum no cargo.
Parece maluquice, mas isso já ocorre em diversos lugares do mundo.
O modelo conhecido como “Instant-runoff voting” (IRV) é aplicado em países como Austrália e Índia nas eleições nacionais. No IRV, os eleitores fazem um ranking dos candidatos. Na primeira rodada, os menos votados são eliminados e quem os escolheu tem o voto computado para o segundo colocado no ranking.
Um exemplo para o caso brasileiro: na primeira rodada, imagine que Guilherme Boulos foi o último colocado e todos que votaram nele tinham Haddad como segunda opção; os votos de Boulos, portanto, vão para Haddad. Se Daciolo for o penúltimo colocado e todos os que votaram nele tinham Bolsonaro como segunda opção, na terceira rodada os votos do cabo vão para o capitão. E assim sucessivamente, até que se chegue a um vencedor.
Existem outros sistemas mais complexos do que o voto direto – e nenhum consenso entre cientistas políticos sobre qual funciona melhor. Com o cenário que se encaminha esse ano, talvez valha a pena pensar em como o interesse da sociedade seria melhor refletido durante as eleições.