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“Nova CPMF”: As propostas do economista Marcos Cintra

O mérito da proposta é de redução dos ônus dos empresários no preparo das declarações fiscais e no pagamento de tributos, que no Brasil é um problema grave. Esse benefício pode até representar aumento indireto de arrecadação de tributos sobre a renda, pela redução de despesas dos grandes contribuintes. Mas a questão é de tempo: o Governo Federal pode quebrar antes das empresas que sofrem o impacto inútil desses encargos legais, o que pode determinar a não priorização, neste momento, de reformas tributárias neutras.
Por  Alexandre Pacheco
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Após 3 dias de intenso debate em torno da CPMF, alguns elementos vêm aparecendo no debate público sobre propostas que possam estar sendo analisadas a respeito pelas equipes de campanha.

Vamos tentar neutralizar a discussão desse tema, eliminando a emoção, os pequenos interesses e o habitual baixo nível dos debates eleitorais. O que nos interessa é analisar cenários pós eleição presidencial, quando haverá um país para ser administrado e a nossa vida será afetada pelas políticas públicas esboçadas desde a campanha eleitoral.

Foi publicada no Valor de 21/09/2018 uma matéria na qual o economista Marcos Cintra, da Escola de Administração de Empresas da FGV/SP, expõe ideias que estaria desenvolvendo e apresentando para candidatos à Presidência da República, voltadas para a criação de um novo tributo sobre movimentações financeiras, nos moldes do “imposto único” que o Professor há tantos anos defende – veja aqui

Apresentarei, adiante, comentários sobre as ideias contidas nessa matéria. Chamarei o novo tributo proposto pelo Professor de “Nova CPMF”, comparando-o com a “Antiga CPMF”, extinta em 2007, e apresentarei os meus comentários em cada tópico sobre as propostas do Professor Marcos Cintra:

 

1. Efeitos da cobrança

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Antiga CPMF: houve aumento de carga tributária; a contribuição representou ônus adicional de tributos para a Sociedade.

Nova CPMF: não haveria aumento de carga tributária; o impacto para a Sociedade seria neutro, portanto; a nova contribuição substituiria o INSS sobre salários (20%), o Salário-Educação sobre salários (2,5%), as Contribuições do Sistema “S” sobre salários (~5,8%), IPI, Cide Combustíveis, IOF, COFINS e ITR.

Meus comentários:

Toda a Sociedade quer reduzir a carga tributária, pois seu peso no Brasil é, de fato, muito elevado (32% do PIB). A questão é como reduzir o déficit das contas públicas e reduzir tributos ao mesmo tempo, havendo despesas obrigatórias elevadas (déficit da Previdência Social e folha do funcionalismo público, por exemplo) e endividamento excessivo (77% do PIB). Aparenta ser mais urgente, infelizmente, elevar tributos, mesmo que transitoriamente, até que as contas públicas alcancem o equilíbrio, atingindo ao menos o superávit primário.

Um risco que há na substituição de diversos tributos, que representam expressiva parcela da arrecadação federal, por um único tributo, é o de que as estimativas iniciais de arrecadação não se confirmem após a mudança. Os contribuintes reagirão ao novo tributo, como sempre se observa. É bem verdade que um tributo sobre movimentações financeiras, que seja cobrado pelos próprios bancos, é difícil de ser sonegado, mas essa possibilidade sempre existe, ainda mais quando se trata de um tributo de valor elevado, como a Nova CPMF seria (veja próximo tópico). Também existe o risco do Poder Judiciário afastar a cobrança por alguma inconstitucionalidade – e todos os tributos novos acabam sendo discutidos no Poder Judiciário no Brasil – sem possibilidade de se prever o resultado desses julgamentos.

Em um cenário de déficit fiscal e endividamento excessivo, qualquer alteração da legislação tributária que ameace arrecadação tributária é um risco grave.

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2. Alíquota

Antiga CPMF: 0,38% nos débitos em conta-corrente.

Nova CPMF: 1,28% nos débitos e 1,28% nos créditos em conta-corrente; no caso de saque em dinheiro, a alíquota seria dobrada, representando 2,56% sobre os débitos em conta-corrente, para desestimular recebimentos e pagamentos em dinheiro.

Meus comentários:

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Como as alíquotas propostas são muito elevadas, quase 7 vezes mais do que a cobrada quando da CPMF antiga, a tentação para o caixa dois e para a informalidade será muito maior do que a existente no passado. Nesse aspecto, de novo cenário, cairemos no imponderável, por não haver certeza sobre como os contribuintes irão se comportar.

Um efeito certo será criado: a verticalização de empresas. Para evitar múltiplas cobranças do novo tributo, grandes conglomerados empresariais irão se concentrar, com a compra de fornecedores e clientes. Com isso, os grandes conglomerados terão uma vantagem competitiva pela razão errada: a decisão pela concentração de empresas não terá um propósito econômico, de busca de eficiência empresarial, mas, sim, de contornar o pagamento de um tributo. Para buscar eficiência fiscal, os empresários perderão eficiência empresarial, pois atuarão em áreas que estão fora das suas preferências e da sua especialização.

E essa será um vantagem competitiva dos grandes empresários sobre os pequenos empresários, uma vez que os pequenos não terão condições de comprar fornecedores e clientes para buscarem igualdade de condições fiscais. Nesse sentido, a Nova CPMF não será uma mudança economicamente “neutra”.

As alíquotas propostas aparentam ser muito elevadas.  

 

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3. Progressividade (alíquotas maiores em função dos valores movimentados)

Antiga CPMF: não havia alíquotas progressivas.

Nova CPMF: poderá haver a cobrança de alíquotas progressivas.

Meus comentários:

A progressividade agravará o efeito comentado no item anterior, de busca pela sonegação fiscal e de economia de tributos mediante a concentração de empresas. Esses incentivos serão maiores quanto mais caro for o tributo – e a progressividade faz justamente isso, aumenta tributos para maiores valores.

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Por outro lado, a progressividade vai reduzir em algum grau a simplicidade que o imposto único promete. E poderá, ainda, criar mais um mecanismo de aumento de tributos por meio da inflação, se for criada alguma tabela com faixas de alíquotas com valores nunca atualizados pelos índices inflacionários.

Aparenta ser mais compatível com a ideia de imposto único a adoção de apenas uma alíquota.

 

4. Renúncias fiscais

Antiga CPMF: Entidades beneficentes de assistência social não pagavam a contribuição.

Nova CPMF: Não haveria renúncias fiscais.

Meus comentários:

As entidades beneficentes de assistência social, em regra, devem ser dispensadas do pagamento de tributos porque vivem de doações, que nada mais são do que sobras das rendas de seus doadores, que já foram tributadas. Por outro lado, há discussões judiciais sobre a tributação dessas entidades por diversos fundamentos  que o Poder Judiciário tradicionalmente acolhe.

É bem verdade que, no caso da Nova CPMF, haveria a extinção da contribuição da parte do empregador para a Previdência Social por conta dos seus empregados. Seria justo, portanto, que algum tributo seja pago por essas entidades beneficentes, que são empregadoras, para financiarem a aposentadoria de seus empregados. Eventualmente seja essa a ideia do desdobramento da Nova CPMF em duas partes, que totalizam 1,28%: 0,43% para substituir tributos previdenciários e 0,85% para substituir os demais tributos, sendo que as entidades beneficentes pagariam 0,43% – o que faz todo o sentido.

Esse tema é passível de discussão judicial, com base na Constituição. Não é possível contar com a certeza de arrecadação de CPMF nessa parte.

 

Conclusão

Substituir diversos tributos por um novo pode ser uma aposta arriscada demais em um cenário adverso, de déficit fiscal e alto endividamento. O mais recomendável talvez seja adicionar maior tributação provisoriamente, e a CPMF pode ser uma boa ferramenta para esse propósito temporário, com o compromisso de se extinguir outros tributos aos poucos. O difícil é explicar isso para a população, e nenhum candidato aparenta estar disposto a isso, e eventualmente nem o próximo Presidente da República consiga assumir o risco político de fazê-lo.

Outra questão que a proposta deixa em aberto diz respeito ao controle das contas públicas. Um tributo neutro, que não aumente a arrecadação, como a Nova CPMF proposta, não vai ajudar a reduzir o déficit fiscal e o endividamento público. Nesse caso, outro tributo deverá fazer esse papel, pois é duvidoso que somente o corte de gastos públicos seja suficiente para alcançar superávit fiscal, enquanto a reforma da Previdência Social e a Reforma do Estado não sejam feitas.

O mérito da proposta é de redução dos ônus dos empresários no preparo das declarações fiscais e no pagamento de tributos, que no Brasil é um problema grave. Esse benefício pode até representar aumento indireto de arrecadação de tributos sobre a renda, pela redução de despesas dos grandes contribuintes. Mas a questão é de tempo: o Governo Federal pode quebrar antes das empresas que sofrem o impacto inútil desses encargos legais – risco que poderá determinar a não priorização, neste momento, de reformas tributárias neutras.

Caso algum estudo mais detalhado seja publicado pelo Professor Marcos Cintra, especificamente voltado para os debates eleitorais, voltarei ao tema, até mesmo para analisar questões que ainda não tenham sido detalhada ou publicamente tratadas. E, mais para frente, também tratarei da proposta do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que poderá voltar aos debates eleitorais nos próximos dias.

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.

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