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A parte incômoda e inoportuna da reforma dos militares

A proposta, como foi apresentada, prevê também a reestruturação da carreira dos militares, o que aumenta as despesas obrigatórias. Para seguir em frente, só mesmo com argumentos muito convincentes, que, até agora, não apareceram
Por  Guilherme Tinoco -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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A proposta para a reforma da previdência dos militares foi finalmente divulgada no último dia 20, exatamente um mês após a apresentação da proposta para os civis.

A economia com o sistema de proteção social (previdência) ficou em R$ 97,3 bilhões em 10 anos, quase o mesmo valor inicialmente apresentado em fevereiro. Mas também foi apresentada uma proposta de reestruturação da carreira dos militares, que custará R$ 86,9 bilhões, resultando em uma economia líquida de apenas R$ 10,5 bilhões em 10 anos.

Com o número total bastante reduzido, a proposta decepcionou o mercado. De fato, trata-se de uma economia muito pequena, de apenas de um quarto do déficit de um ano. Apesar das particularidades na contabilidade de déficit em cada categoria, que exigem certa cautela na análise dos dados, o déficit no regime dos militares consiste em um valor bastante elevado para uma quantidade muito pequena de beneficiários (cerca de 350 mil).

Neste artigo, faço uma primeira análise da proposta, buscando contribuir com o debate.

As medidas

Pelo lado da previdência, as principais medidas apresentadas na proposta foram (i) a universalização da contribuição: alíquota de todos (ativos, inativos, pensionistas, etc.) chegando a 10,5% (além da alíquota do fundo da saúde mantida em 3,5%), (ii) aumento no tempo mínimo de serviço, passando de 30 para 35 anos e (iii) mudanças restringindo o número de categorias que recebem pensão.

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Também foi incluída uma quarta medida, de redução do efetivo da carreira em 10%, que em realidade não é bem uma medida de “previdência”. A economia com esta última fica em R$ 33,6 bilhões em 10 anos, ou 34% do total de R$ 97,3 bilhões. Ou seja: se não for implementada, o pacote todo, em vez de economizar alguma coisa, aumentaria o déficit em cerca de R$ 20 bilhões em 10 anos.

Pelo lado da reestruturação da carreira, o aumento dos gastos se distribui entre (i) adicional de habilitação, (ii) adicional de disponibilidade e (iii) aumento na ajuda de custo no momento de transferência para reserva. São basicamente medidas que aumentam a remuneração (salário) dos militares, contribuindo para a elevação das despesas obrigatórias e ajudando a ocupar a reduzida folga no teto de gastos, em detrimento de gastos que poderiam ser mais meritórios, com o investimento público.

Vale registrar, contudo, que a economia da reforma para os entes subnacionais ficaria em torno de R$ 50 bilhões em 10 anos, uma vez que as novas regras de “aposentadoria” seriam aplicadas também a efetivos dos estados, como policiais militares e bombeiros. Isso, claro, se não houver algum tipo de reestruturação destas carreiras no âmbito dos entes subnacionais.

A situação atual

Atualmente, o déficit da previdência dos militares gira em torno de R$ 40 bilhões por ano. Em 2017, por exemplo, o valor ficou em R$ 41,1 bilhões, praticamente dividido entre “aposentadorias” e pensões, segundo dados do livro recentemente lançado por Paulo Tafner e Pedro Nery.

O número de beneficiários fica em torno de 350 mil e o valor dos benefícios médios mensais é de R$ 11,5 mil para os “aposentados” e R$ 7,1 mil para os pensionistas, acima dos valores médios de benefícios para servidores civis da União, por exemplo.

Antes de continuar, um parênteses relativo à nomenclatura: em tese, o termo previdência só se aplicaria às pensões, mas não à reserva (reforma), como explicado no livro anteriormente mencionado. Por isso, vale registrar que aqui estamos tratando tudo como previdência por motivos de simplificação.

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A reestruturação da carreira

Por um lado, os militares argumentam que a carreira nas Forças Armadas tem particularidades em relação às demais e, além disso, estaria defasada em relação a outras carreiras do serviço público. Será que faz sentido?

De fato, nos faltam dados para ser assertivos quanto a isso. Mas uma boa provocação consiste em olhar para números do PEP (Painel Estatístico de Pessoal), do Ministério da Economia.

Segundo esses dados, a proporção do gasto com militares em relação ao gasto total com pessoal da União praticamente não mudou entre 2008 e 2018, tanto para ativos quanto para inativos.

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Fonte: PEP

 

Olhando somente para ativos, observa-se que a fatia do gasto com militares fica próxima a 18% do total por todo o período. Assim, a não ser que tenha havido uma alteração na quantidade de ativos desproporcional entre militares e civis, pode-se dizer, a partir desses dados, que os militares seguiram com a mesma remuneração em proporção dos civis ao longo da última década.

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Apesar disso, ainda que a reestruturação fosse um pleito legítimo, certamente não estaríamos no melhor momento para corrigir eventuais distorções. No contexto atual, todos vêm tendo que contribuir para a reforma, tornando muito difícil defender reajustes para uma carreira que já possui vencimentos bem acima da média.

As consequências

Pelo lado político, a reforma como está apresentada complica a narrativa de redução de desigualdade e aproximação entre os diferentes regimes. O ativo militar, por exemplo, pagará uma alíquota de 10,5%, enquanto o ativo civil da união pagará alíquotas efetivas que podem chegar perto de 20%. Ademais, os militares continuarão com seu vencimento integral na reserva, ao contrário dos inativos civis da união (para aqueles que entraram após as reformas do PT). A questão das pensões para cônjuges também é favorável aos militares, já que teriam 100% contra 60% dos civis.

Pelo lado fiscal, se aprovada desta forma, teríamos um efeito imediato no teto de gasto, uma vez que a reestruturação da carreira nada mais é do que um aumento de remuneração dos ativos, isto é, despesas obrigatórias. Nesse caso, outras despesas teriam que pagar o pato: provavelmente o gasto com investimento.

Assim, a conclusão é que a proposta de reestruturação da carreira dos militares, no mínimo, veio em uma hora muito inoportuna. Para seguir em frente, só mesmo com argumentos muito convincentes, estes que, até agora, não apareceram e, no futuro, dificilmente aparecerão.

*Guilherme Tinoco é economista e especialista em finanças públicas

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Guilherme Tinoco Guilherme Tinoco é especialista em contas públicas, com diversos trabalhos publicados na área. Foi vencedor do Prêmio Tesouro Nacional em 2011. É economista pela UFMG e mestre pela FEA/USP.

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