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Quatro pontos para monitorar na proposta da reforma da previdência

Veja o artigo exclusivo do economista Guilherme Tinoco, especialista em finanças públicas, sobre as questões essenciais do projeto que deve ser apresentado amanhã pelo governo
Por  Guilherme Tinoco -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A proposta da reforma da previdência do governo será finalmente conhecida nesta quarta-feira. Como se trata da principal medida econômica deste início de mandato, é natural que os agentes de mercado estejam bastante ansiosos e atentos ao anúncio.

Logicamente, conhecer o projeto do governo é apenas o início de uma longa jornada. A proposta ainda deverá ser bastante discutida e negociada a cada etapa do rito congressual, o que manterá o assunto no radar de todos durante os próximos meses, na melhor das hipóteses.

A reforma da previdência é extremamente necessária por vários motivos, já intensamente discutidos nos últimos anos. O foco deste texto é, portanto, outro: no que devemos prestar atenção na proposta de amanhã?

Antes disso, uma pequena digressão. Para ajustar gastos com previdência, existem três variáveis-chave: (i) regras de acesso ao benefício, (ii) valor do benefício e (iii) financiamento do benefício. Ou seja, para que a economia seja maior em relação ao cenário-base, as medidas devem seguir a seguinte direção: diminuição do tempo de usufruto do benefícios (exemplo: idade mínima), diminuição do valor das aposentadorias e aumento na contribuição de ativos e/ou inativos.

Medidas desse tipo aumentam a economia da reforma, medidas na direção contrária reduzem o valor economizado. Note que não estamos fazendo nenhum juízo de valor, somente apresentando os caminhos para uma economia maior.

Começamos então pelo que sabemos. As primeiras informações (não oficiais) vieram da minuta, vazada dia 04/02, que apresentava uma série de características da reforma. As principais indicavam uma idade mínima elevada, de 65 anos, com uma transição mais acelerada que a reforma do ex-presidente Michel Temer.

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Para os servidores, a novidade era a possibilidade de realização de uma espécie de segregação de massas, em que poderia haver criação de uma alíquota extraordinária (e aporte de ativos por parte dos estados). Outra novidade era a desvinculação de benefícios ao salário mínimo, sendo que benefícios como o BPC poderiam inclusive ser recebidos mais precocemente mediante uma penalização no valor do benefício.

Em tese, tratava-se de uma reforma, em alguns aspectos, mais dura do que a de Temer. Apesar disso, autoridades negaram que aquela seria a versão da proposta oficial e que seria, portanto, apenas uma das várias versões em estudo.

Na última semana, após especulações de que a idade mínima ficaria mais baixa (62/57), o governo anunciou enfim dois pontos de sua proposta oficial: idade mínima de 65/62 e transição mais rápida (12 anos). O mercado especulou uma economia de cerca de R$ 1,05 trilhão, número não confirmado pelo governo. E, seguida, marcou-se o anúncio oficial para o dia 20 (amanhã), com entrevista coletiva e possível participação do presidente na entrega da proposta no Congresso Nacional.

Separamos aqui quatro pontos a serem verificados de perto:

1) Salário mínimo: como o salário mínimo indexa uma parcela bem elevada dos benefícios pagos, uma questão chave é saber se continuarão indexando benefícios ou, alternativamente, se haverá a definição de uma nova regra do salário mínimo em paralelo, o que poderia ser uma alternativa estratégica interessante segundo a proposta de Giambiagi, Pinto e Rothmuller (2018). Se houver a desindexação, como na proposta “vazada”, é possível que acabe sendo um dos “bodes na sala” do texto, como argumentou Ribamar de Oliveira em sua coluna do dia 07/02 no Valor.

2) Estados e municípios: será que haverá segregação das massas? Haverá possibilidade de criação de alíquota extraordinária de contribuição? Essas perguntas são importantes, pois a previdência é um problema gravíssimo para os estados, cujo déficit atuarial poderia chegar a valores próximos a R$ 5 trilhões. As medidas estavam na minuta “vazada”, mas a imprensa vem noticiando que a equipe econômica pode ter desistido. Contudo, mesmo que sejam adotadas, seriam suficientes? E seria politicamente viável? Além disso, sabemos que a situação da maioria dos entes subnacionais é gravíssima, não só no longo prazo, mas também no curto prazo. Assim, é possível que um pacote de socorro de curto prazo também seja colocado na mesa pela União, como já vem sendo ventilado pela imprensa.

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3) Professores: eles têm atualmente o benefício da aposentadoria mais precoce (5 anos por idade e também por tempo de contribuição). A justificativa se dá por razões ligadas a insalubridade por conta do pó de giz, algo menos defensável nos dias de hoje. Na proposta inicial do Temer, a idade de aposentadoria dos professores convergiria com a dos demais profissionais, mas acabou sendo retirada ao longo da tramitação. Este é também um ponto que devemos monitorar de perto, principalmente devido aos impactos que acarretam nas contas públicas estaduais e municipais.

4) Transição: as informações que circulam na imprensa indicam que a transição para a idade mínima poderia ocorrer de 3 formas distintas: para os indivíduos próximos da data de se aposentar por tempo de contribuição, haveria um pedágio de 50% do tempo. Para os demais, parece haver duas opções: uma que estipula idades mínimas móveis partindo de 56/60 anos e outra que considera o sistema de pontos 86/96 (usado atualmente para o cálculo do benefício das aposentadorias por contribuição a partir da isenção do fator previdenciário). A transição é tão importante quanto a idade mínima, pois ela permite um alívio de curto prazo nas despesas previdenciárias (ao diminuir a quantidade de aposentadorias nos próximos anos).

Essas questões (mas não só elas!) devem ser monitoradas na proposta a ser anunciada amanhã – e posteriormente durante a tramitação da proposta. Em realidade, o regime previdenciário é muito complexo, de maneira que há muitos “sistemas”, dificultando uma análise simplista (rural, urbano, pensão por morte, militares, BPC, servidores e outros, além da possibilidade de mudança estrutural para capitalização para os novos entrantes).

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Tentamos aqui apenas apresentar pontos de atenção, sem fazer nenhum juízo de valor em relação aos tópicos, com o objetivo de ajudar a sociedade a acompanhar e debater os detalhes da proposta de reforma que finalmente iremos conhecer amanhã.

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Guilherme Tinoco Guilherme Tinoco é especialista em contas públicas, com diversos trabalhos publicados na área. Foi vencedor do Prêmio Tesouro Nacional em 2011. É economista pela UFMG e mestre pela FEA/USP.

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