Sorte a nossa: Bolsonaro ouve Guedes e age com responsabilidade fiscal
Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores
A Constituição Federal brasileira de 1988 é um atraso para o orçamento brasileiro. Nossa Carta Magna impõe que aproximadamente 91% dos gastos federais sejam obrigatórios, isto é, o governo não pode cortar. Nos 9% restantes, chamados de gastos discricionários, o governo tem autonomia para manejar.
Mesmo que represente uma fração bem menor da despesa federal, a economia com o gasto discricionário é fundamental para equilibrar as contas públicas. Dentro das nossas possibilidades, o governo Temer aprovou uma Emenda Constitucional que colocava um teto para os gastos públicos – as despesas da União não poderiam aumentar mais que a inflação.
A medida foi bem recebida por economistas e pelo mercado, ao apontar um avanço institucional em direção à melhora das contas públicas.
No entanto, como frisou meu vizinho de blog, o brilhante economista Alexandre Schwartsman, (aqui) “há uma inconsistência entre o teto de gastos por um lado e a dinâmica do gasto obrigatório por outro”. De um lado, a Constituição Federal pressiona os gastos e, por outro, coloca limite para eles.
Diante dessa inconsistência, alas do governo e o ministro da Casa Civil aconselharam Bolsonaro a alterar a regra do teto dos gastos, a fim de evitar o comprometimento de investimentos e obras do governo.
Quer investir melhor o seu dinheiro? Clique aqui e abra a sua conta na XP Investimentos
A ideia de flexibilizar o teto dos gastos é também defendida por alguns importantes economistas, a fim de evitar o seu completo abandono. De outro modo: flexibiliza a lei do teto dos gastos antes que ela se torne inviável.
Embora a ideia tenha fundamento, há efeitos dinâmicos a serem considerados. Como o mercado financeiro reagiria com uma alteração na PEC dos gastos? Será que a flexibilização não sinalizaria um afrouxamento fiscal? Os investidores iriam investir se entendessem que flexibilização apontaria num afrouxamento fiscal? Para onde iria o dólar?
Essas perguntas mostram os efeitos dinâmicos a serem considerados, além da própria questão orçamentária. Infelizmente, não temos como prever as expectativas com exatidão, mas elas devem sempre ser consideradas numa decisão.
Além dos efeitos de segunda ordem a serem considerados, a flexibilização do teto dos gastos é só mais um efeito paliativo que não irá encarar a tragédia fiscal brasileira de frente. Como bem observou Alexandre Schwartsman (aqui), “se alterarmos a regra do teto de gastos apenas, adicionaremos mais uma tentativa à extensa lista de leis que fracassaram [Lei de Responsabilidade Fiscal, renegociação dívidas estaduais e municipais] em conter a voracidade fiscal do estado brasileiro”.
Está na hora de encaramos o problema fiscal brasileiro de frente, sem remendos, com todo ônus que isso poderá acarretar. No entanto, o ônus que pagaremos a curto prazo mais do que compensará os benefícios de longo prazo que a saúde das contas publicas gerará para os investimentos, a renda e o emprego.
Sorte nossa que Paulo Guedes telefonou para Bolsonaro aconselhando o presidente a manter a PEC do teto dos gastos. Sorte nossa que Bolsonaro ouviu Guedes, colocando o equilíbrio das contas públicas brasileiras acima da tentação de poder aumentar os gastos, ainda mais com uma reeleição pela frente. De uma coisa Bolsonaro não pode ser acusado: de ser um populista fiscal.
Siga Alan Ghani (@AlanGhani) no Twitter, Facebook e e Instagram e Linkedin
Alan Ghani é economista, PhD em Finanças e professor de pós graduação