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Aposentadoria dos militares traz riscos para a reforma previdência?

O governo conta muito com a racionalidade dos congressistas e com a pressão de parte da sociedade civil e da imprensa sobre os parlamentares para a aprovação da reforma da previdência. Só isso não basta. A falta de articulação política, aliada aos efeitos da sinalização corporativa dos militares, pode abrir as portas do inferno, e o Congresso Nacional virar um grande balcão de remendos frouxos e benesses classistas
Por  Alan Ghani
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A reforma da previdência dos militares apresentada ontem pelo governo está muito longe do ideal. Os dados mostram que o déficit previdenciário dos militares (R$46,2 bilhões) representou 16% do déficit da previdência (R$ 289,4 bilhões) em 2018. Representar 16% do déficit total é algo bastante expressivo, ainda mais num setor com o menor número de beneficiários.

Se consideramos o déficit per capita, os militares representam a maior contribuição individual para a previdência, conforme tabela abaixo. Além disso, o gasto previdenciário dos militares foi o que mais aumentou de 2017 e 2018,  com uma elevação de 12,63%, conforme a tabela a seguir.

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Atenuar a reforma da previdência para os militares é um problema por representar uma menor economia de dinheiro ao longo dos anos. De acordo com Pedro Fernando Nery, um dos maiores especialistas em previdência no Brasil, “a economia líquida em 10 anos resolveria o problema por 5 dias de despesa previdenciária”.

Mas a pequena economia de dinheiro não é o único problema da reforma da previdência dos militares. Há um efeito de segundo ordem, não mensurável, que traz um risco para a reforma da previdência dos civis: o precedente para as demais categorias barganharem uma reforma mais branda para a sua classe.

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Esse risco se torna ainda maior, uma vez que todo o discurso da reforma da previdência é de acabar com privilégios. Portanto, a pergunta que fica é: Como o governo vai justificar um discurso contra privilégios se, na prática, privilegiou os militares?

Talvez o governo tenha agido estrategicamente em aliviar para os militares para não desagradar a classe, deixando o ônus do endurecimento para o Congresso. Nesse sentido, em vez de os parlamentares pedirem benesses para outras classes (professor, setores do funcionalismo público, etc.), endureceriam as regras para os militares, e o governo “lavaria suas mãos” com uma de suas bases de apoio.

Já a hipótese mais provável é de que o governo, composto de maioria militar, agiu de maneira corporativista, mantendo a integralidade e a paridade dos benefícios para os integrantes das forças armadas. Diante disso, a provável consequência do Congresso não é de endurecer as regras para os militares, mas de usar essa brecha para barganhar benesses em outros setores.

Nesse cenário, a desidratação da reforma da previdência não seria aquela estimada pelos agentes do mercado financeiro em 40%, passando de R$1 trilhão para R$600 bilhões, mas algo abaixo de R$500 bilhões. Se isso ocorrer, não teremos de fato uma reforma da previdência, mas uma trajetória para o calote da dívida pública e insustentabilidade do sistema.

De certa forma, essa atenuação da reforma da previdência para os militares já era esperada pelo mercado. Apesar da queda na bolsa, o movimento das ações refletiu possivelmente apenas uma economia menor do que a projetada, sem levar em conta a sinalização do corporativismo para o Congresso Nacional.

O governo conta muito com a racionalidade dos congressistas e com a pressão de parte da sociedade civil e da imprensa sobre os parlamentares para a aprovação da reforma da previdência. Só isso não basta. A falta de articulação política, aliada aos efeitos da sinalização corporativa dos militares, pode abrir as portas do inferno, e o Congresso Nacional virar um grande balcão de remendos frouxos e benesses classistas.

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Para evitar esse risco, é fundamental que o governo reforce o lema “a reforma é para todos e combate privilégios”, por meio do exemplo, a começar pelos militares.

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Alan Ghani É economista, mestre e doutor em Finanças pela FEA-USP, com especialização na UTSA (University of Texas at San Antonio). Trabalhou como economista na MCM Consultores e hoje atua como consultor em finanças e economia e também como professor de pós-graduação, MBAs e treinamentos in company.

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