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Tarifa protecionista no leite: será que a promessa liberal de Bolsonaro vai azedar?

Ainda é cedo para saber até que ponto Bolsonaro vai bancar o liberalismo de Paulo Guedes frente às resistências do mundo real. Também é cedo para avaliar se de fato Bolsonaro abandonou as suas convicções desenvolvimentistas, comum entre os militares da década de 70. A única certeza é de que há um abismo entre o discurso de campanha e as limitações do mundo real para colocar em prática uma agenda liberal.
Por  Alan Ghani
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Durante o período eleitoral, havia desconfiança de parte da direita em relação à guinada liberal de Jair Bolsonaro. Essa desconfiança decorria de suas votações, ainda como deputado, contrárias ao Plano Real, às tentativas de reforma da previdência e ao cadastro positivo. O discurso nacionalista e desenvolvimentista – contrário à privatização de áreas estratégicas e o “fetiche pelo nióbio” – causava desconfiança também.

No entanto, as votações do ex-deputado a favor da PEC dos gastos, da reforma trabalhista (aqui) e o convite a Paulo Guedes para assumir o Ministério da Economia fizeram com que a incerteza da agenda liberal diminuísse.  Nas devidas proporções, da mesma forma que Palocci foi o grande fiador de que Lula não rasgaria o tripé econômico macroeconômico em 2003, Paulo Guedes é o selo de qualidade de que não haverá uma guinada desenvolvimentista no governo Bolsonaro, em detrimento de uma agenda liberal pró-mercado.

No entanto, de acordo com matéria da Gazeta do Povo (aqui), o liberalismo de Paulo Guedes vai encontrando resistência dentro do próprio governo. A não privatização de empresas consideradas estratégicas, a prorrogação de isenções fiscais para determinadas empresas que atuam na região da Sudam e da Sudene, e a cogitação do governo intervir na gestão da Vale são exemplos de que o liberalismo encontra limitações dentro do governo Bolsonaro.  

Recentemente, a equipe econômica de Paulo Guedes, numa decisão técnica, zerou a tarifa antidumping de países da União Europeia e da Nova Zelândia, pois não se verificava mais a prática de vender produtos pelo seu custo de produção desde 2012. Bastou esse decreto para que o setor de agropecuária chiasse, e o governo voltasse atrás, compensando o fim do subsídio com outra tarifa protecionista.

O recuo do governo vai contra a agenda liberal de abertura comercial. De acordo com a Teoria das Vantagens Comparativas, é melhor um país se especializar naquilo que tem vantagens relativas a outros setores de sua própria economia, importando os produtos de outra nação. Por exemplo, suponha que os EUA tenham maior produtividade para produzir roupas e carros do que o Brasil. No entanto, dentro dos EUA, os americanos são mais produtivos na produção de carros do que de roupas. De acordo com Teoria das Vantagens Comparativas, é melhor os EUA produzirem apenas carros e importarem roupas do Brasil, do que produzirem os dois bens, mesmo sendo mais produtivo do que o Brasil em ambos.

A teoria encontra respaldo empírico. Conforme artigo publicado na America Economic Review (aqui) – principal revista científica de economia do mundo – a abertura comercial traz desenvolvimento e gera uma série de benefícios para um país, como aumento da renda, queda do desemprego e produtos mais baratos para a população.

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Diante desses benefícios, então por que o governo optou pelo protecionismo? Uma primeira hipótese estaria relacionada a questões políticas. O governo teria cedido à pressão dos pecuaristas para não perder o apoio da bancada ruralista na reforma da previdência.

Outra hipótese estaria ligada aos efeitos negativos imediatos a serem gerados para o setor de agropecuária. O fim abrupto do protecionismo traria prejuízos para os produtores de leite. Nesse sentido, uma maior abertura comercial deveria ser feita aos poucos e gradativamente; ou nas palavras da ministra da agricultura, Teresa Cristina: “o desmame de subsídios não pode ser radical”.

Uma terceira hipótese estaria relacionada ao desconhecimento dos benefícios de longo prazo de uma abertura comercial. Apesar de evidências empíricas, a teoria das vantagens comparativas relativas não é de fácil entendimento. Além disso, enquanto os benefícios do fim dos subsídios se tornam difusos para a população, a perda do protecionismo se torna mais tangível para os grupos anteriormente beneficiados. Mesmo que haja melhora nos preços e migração dos recursos para as atividades mais produtivas na economia, dá uma impressão de que o país foi prejudicado diante do barulho causado pelos grupos de pressão que perderam seus benefícios protecionistas.  

Ainda é cedo para saber até que ponto Bolsonaro vai bancar o liberalismo de Paulo Guedes frente às resistências do mundo real. Também é cedo para avaliar se de fato Bolsonaro abandonou as suas convicções desenvolvimentistas, comum entre os militares da década de 70. A única certeza é de que há um abismo  entre o discurso de campanha e as limitações do mundo real para colocar em prática uma agenda liberal.

Diga-se de passagem, muita gente na direita, que antes criticava o “liberalismo não tão radical de Temer”, faz agora um discurso pragmático sobre o “liberalismo pero no mucho de Bolsonaro”. Racionalizam (ou “passam o pano”, para usar o termo da moda), seja por oportunismo ou para não sentirem o desconforto psicológico entre suas crenças liberais e o choque de realidade. Talvez um dia reconheçam que Temer, dentro de todas as limitações, fez um bom governo.

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Alan Ghani é economista, PhD em Finanças e professor de pós-graduação.

Alan Ghani É economista, mestre e doutor em Finanças pela FEA-USP, com especialização na UTSA (University of Texas at San Antonio). Trabalhou como economista na MCM Consultores e hoje atua como consultor em finanças e economia e também como professor de pós-graduação, MBAs e treinamentos in company.

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