Audaciosamente indo aonde o BC jamais esteve

O Banco Central deve voltar a reduzir a taxa Selic. Embora a magnitude do primeiro movimento seja relevante, o mais importante é o tamanho do ciclo, que pode superar as expectativas atuais de corte de 1 ponto percentual
Por  Alexandre Schwartsman -
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O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) pode hoje reiniciar o ciclo de distensão monetária e muito provavelmente o fará. Há bastante discussão acerca do tamanho do movimento: enquanto a maioria dos analistas aponta corte de 0,50% na meta para a taxa Selic, outro grupo, menor, mas também numeroso, acredita em redução mais modesta, de 0,25%.

A discussão não é acadêmica: há dinheiro na mesa, dado que preços de mercado embutem chance maior do corte mais agressivo, indicando que uma eventual frustração destas expectativas poderá causar certo prejuízo, o que, diga-se, é da natureza do mercado financeiro.

Ainda assim, não me parece ser a questão mais interessante, que, da forma como vejo, é o tamanho do ciclo adicional de relaxamento, memoravelmente apelidado de “orçamento” por Eduardo Loyo.

Com base nas projeções divulgadas no último Relatório de Inflação (publicado em junho), que devem estar algo defasadas, a queda total da Selic seria da ordem de 1 ponto percentual (ou 100 pontos base), de 6,5% aa para 5,5% aa.

Com efeito, no cenário em que a Selic é mantida inalterada, o BC projetava a inflação em 2020 (seu atual horizonte) em 3,7%, abaixo da meta de 4,0% fixada para o ano que vem. Por outro lado, caso a Selic fosse reduzida para 5,75% aa, a inflação no próximo ano chegaria a 3,9%, levemente abaixo da meta.

Dadas as estimativas dos efeitos da redução da Selic sobre a inflação (cada ponto percentual a menos de juros geraria em torno de 0,25% a mais de inflação), haveria ainda espaço para levar a Selic a 5,5% aa, ou seja, o orçamento de 100 pontos base para redução da taxa de juros.

Dito isto, creio haver condições para um afrouxamento maior. A começar porque, como disse, as projeções do BC serão atualizadas e provavelmente indicarão um cenário ainda mais favorável para a inflação.

De fato, o atual ritmo de expansão do produto é menor do que as estimativas mais pessimistas acerca da capacidade de crescimento potencial do PIB. Ou seja, temos fortes razões para suspeitar que a ociosidade de recursos na economia não está sendo reduzida.

Ao contrário, há uma boa chance de ter se elevado um pouco na primeira metade deste ano (apesar da leve queda do desemprego), com reflexos baixistas sobre a inflação num horizonte de dois a três trimestres, ou seja, com impactos ainda em 2020.

A maior parte desta história diz respeito à demanda interna, em particular a fraqueza do investimento, mas um pedaço considerável reflete também um ambiente internacional de desaceleração.

As estimativas do CPB (órgão holandês que consolida dados globais de produção e comércio) apontam para redução do ritmo de expansão do comércio mundial de pouco mais de 5% no primeiro trimestre do ano passado para cerca de 1,5% no segundo trimestre deste ano, possível reflexo da “guerra comercial”.

Tal desenvolvimento aponta também para um cenário de manutenção do elevado grau de ociosidade de recursos no país, em particular no setor industrial, sem maiores reflexos, contudo, no dólar, um receio do BC.

Já os últimos números de inflação confirmaram que a aceleração observada no começo do ano era mesmo um fenômeno não só transitório, como limitado a uma fração relativamente modesta dos índices de preços.

Há hoje convergência da inflação “cheia” e seus núcleos (medidas alternativas, construídas para separar “acidentes” daquilo que parece ser o comportamento subjacente da inflação) na casa de pouco mais de 3% ao ano, sugerindo um processo inflacionário bastante bem-comportado.

Da mesma forma, as expectativas de inflação permanecem firmes ao redor da trajetória de metas, indicando forte credibilidade do BC.

Finalmente a aprovação (ainda em primeiro turno e só na Câmara, é verdade) da reforma previdenciária, embora não resolva todos os problemas fiscais do país (para não falar de questões como educação, produtividade etc.), sinaliza um passo importante no sentido de evitar uma crise de grandes proporções nos próximos anos.

Isso transparece na redução da percepção de risco-país (não só em termos absolutos, mas na comparação com nossos pares), sugerindo que está em curso um processo de redução da taxa estrutural de juros.

Este conjunto aponta para a possibilidade de um orçamento maior, que não seria executado apenas neste ano, mas poderia avançar em 2020. Caso o BC já esteja convencido disto, provavelmente iniciará o ciclo com uma redução mais agressiva, de 0,50%; se ainda não estiver convencido, será possivelmente mais cauteloso.

Assim, independentemente da escolha de hoje, acredito que os desenvolvimentos nos levarão às taxas de juros mais baixas de nossa história, exatamente o oposto daquilo que diziam os defensores da tese que a política econômica existe “para beneficiar os rentistas”. No mínimo vai forçar este pessoal a novos contorcionismos, para nosso gáudio e diversão.

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Alexandre Schwartsman Alexandre Schwartsman foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander. Hoje, comanda a consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formou-se em administração pela Fundação Getulio Vargas, fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo e doutorado em economia na Universidade da Califórnia em Berkeley.

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