O que as eleições da maior democracia do mundo podem dizer para o Brasil?

Após um pleito complexo que durou meses, Índia elegeu um candidato pró-mercado e impulsionou revisões para cima para o principal índice do país; gigante asiático e Brasil tem muitas semelhanças

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Enquanto outubro não chega, o mercado brasileiro pode olhar exemplos de países emergentes para interpretar o que deve acontecer em caso de uma vitória da oposição ou uma reeleição de Dilma Rousseff.

E um dos exemplos que o mercado deve estar atento é o da Índia. Após um pleito complexo que durou meses, finalmente foi conhecido o nome do primeiro-ministro da maior democracia do mundo, com cerca de 788 milhões de eleitores. 

E o escolhido do povo foi Narendra Modi, do BJP (Bharatiya Janata Party, ou Aliança Democrática Nacional), que destronou de forma notável o Partido do Congresso. Uma das principais características de Modi, que tem raízes no nacionalismo hindu, é ter uma agenda de políticas pró-mercado. 

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Com a vitória de Modi, os investidores em ações indianas se empolgaram, de forma que várias casas de análise elevaram o seu target para o índice Sensex, benchmark da bolsa de valores de Bombaim e que é composto por trinta das principais companhias do setor industrial. 

O índice, que já teve ganhos de 15% no ano, ainda tem um potencial de valorização de dois dígitos para o resto de 2014, de acordo com a revisão de diversas casas de análise. Na última sexta-feira, o Nomura elevou o target para o índice de 24.700 pontos para 27.200 pontos, o que representa um potencial de valorização de quase 12%. O índice fechou a última sessão a 24.376 pontos. 

“O mandato histórico recebido pelo BJP se traduz em um governo estável de centro. O calendário deste governo de maioria não poderia ter sido mais oportuno em um momento em que a Índia passa por dificuldades macroeconômicas, principalmente nos últimos três anos”, destacam estrategistas do Nomura, conforme reportado pela CNBC

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E a economia é um dos principais motivos de descontentamento dos indianos. Após a aceleração entre 2003 e 2011, o crescimento da atividade teve o seu menor ritmo em dez anos, e a situação econômica também não é boa em 2014. Uma pesquisa do Centro de Pesquisas Pew mostrou que 70% dos indianos estão descontentes com a economia, conforme relata o jornal Wall Street Journal. Além disso, as alegações de corrupção aumentam ainda mais o descontentamento nacional. 

Os catalisadores de curto prazo para o mercado incluem a formação de um gabinete nas próximas semanas, a apresentação do orçamento final para 2014 e 2015 até julho, anúncios políticos e iniciativas do novo governo, ressalta o Nomura. A instituição não está sozinha em sua revisão para cima do índice: o Citi elevou para 26.300 pontos a sua expectativa para o índice no final do ano, ou uma alta de 8% em relação aos níveis atuais. 

A Índia é um país mais pobre e com menor industrialização do que os seus vizinhos e muitos são os motivos de descontentamento: cerca de 50% das casas não tem banheiro, muitas não têm acesso à rede elétrica e o acesso a escolas e bons empregos é difícil.

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A expectativa é de que o governo de Modi abandone a dependência de programas de subsídios aos pobres e tente fazer da criação de empregos e do crescimento econômico as ferramentar para o crescimento. Porém, os programas não devem acabar, com Modi não devendo reduzir substancialmente nenhum programa de subsídios dos quais milhões de indianos dependem. Porém, a expectativa é de que o governo deixe de priorizar a rede de segurança social em favor de estímulos ao crescimento de empresas e da agilização da lenta e corrupta burocracia estatal. 

Conforme ressalta o WSJ, durante o governo do Partido do Congresso, alguns dos maiores projetos industriais da Índia foram paralisados, enquanto o governo se mostrou incapaz de negociar soluções de consenso. Por outro lado, o governo da província de Gujarat, que foi comandada por Mori, pareceu ser capaz de contornar a burocracia e permitir a instalação e expansão de fábricas, destacou a publicação americana. 

O que a Índia tem a ver com o Brasil?
As eleições na Índia podem dar alguma indicação sobre o que pode acontecer no mercado brasileiro caso haja a vitória da oposição ou da situação. Vale lembrar que, nos últimos dois meses, desde que as primeiras pesquisas mostraram que a reeleição de Dilma Rousseff não era mais dada como certa, o principal índice da bolsa brasileira, o Ibovespa, registrou forte alta, superior a dois dígitos, passando de 44.965 pontos para 53.353 pontos, uma alta de 18,65%. 

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Além da melhora internacional, boa parte do maior otimismo com a Bolsa veio com uma queda de Dilma nas últimas pesquisas. Apesar de boa parte das casas de análise mostrarem ceticismo e falta de fundamentos para essa disparada, além de um cenário eleitoral pouco claro, o mercado continua repercutindo cada nova pesquisa presidencial. 

A reprovação de Dilma Rousseff vem aumentando e um dos principais fatores é o cenário econômico. A atividade vem registrando passos lentos e a expectativa do mercado apontada pelo relatório Focus é de que a atividade tenha expansão de 1,62% neste ano enquanto, para 2015, é esperada uma aceleração para 2%.

Enquanto isso, tanto as classes mais pobres quanto o empresariado vêm mostrando descontentamento com o governo. O caso mais recente da “revolta” dos empresários com o governo vem do “rei da etanol” Rubens Ometto, que descreveu o controle de preços de gasolina do governo como um “desastre”, aumentando a pressão sobre o governo Dilma Rousseff. Ometto afirmou ainda a empresários, em cerimônia de premiação do Homem do Ano, da Câmara Brasil-EUA, em Nova York, que o governo precisa “sair das costas dos empresários”. Assim, ele foi mais um dos empresários a romper relações com o governo, tendo como principal insatisfação a forte intervenção de Dilma no governo. 

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Enquanto isso, as manifestações de rua que tomaram conta do País em junho do ano passado e prometem fazer barulho com a proximidade da Copa do Mundo exatamente um ano depois, em meio aos altos gastos para a realização do evento, enquanto há diversas ineficiências no País. Em junho do ano passado, o governo propôs cinco pactos após os protestos: econômico, reforma política, contra a corrupção, saúde, transportes e educação, mas as mudanças não parecem ter sido tão efetivas.

Mais revoltas estão previstas para acontecer, o que pode ser mais um favor negativo para Dilma. A corrupção, assim como na Índia, é um dos fatores para a revolta da população, ficando ainda mais evidenciada com as denúncias envolvendo a Petrobras (PETR3;PETR4), uma das maiores empresas brasileiras e um símbolo nacional. Além disso, após a forte distribuição de renda nos últimos anos, uma das principais causas apontadas para a revolta popular é que a população passou a “querer mais” e exigir também qualidade de vida, com educação e saúde, e não somente renda, o que indica que o atual modelo de crescimento está esgotado.  

Em meio a todas essas indicações, o mercado deve apontar para uma tendência baixista caso Dilma ganhe as eleições, conforme ressalta o Citi em relatório. Os analistas Stephen Graham e Fernando Siqueira avaliam que, se as próximas pesquisas de intenção de votos apontarem para reeleição de Dilma Rousseff, o mercado terá um outro solavanco e levará o Ibovespa para 40.000 pontos antes do final de 2014, uma queda de cerca de 25%. 

Enquanto isso, o BofA traçou três cenários para o pós-eleições, com o Ibovespa podendo ir a 44 mil, 56 mil ou 66 mil pontos, mas dependendo mais se haverá um ajuste fiscal do que propriamente quem será eleito presidente. E há quem diga que o cenário será bastante complicado, tanto em caso de reeleição de Dilma, ou do lado oposto, com a eleição de Aécio Neves (PSDB), ou de Eduardo Campos (PSB).

Porém, as indicações de que Aécio e Campos são mais pró-mercado e que trabalhariam para manter a inflação no centro da meta sem preços administrados já seriam um fator para o aumento da confiança do mercado e o alinhamento das expectativas inflacionárias. 

As eleições, tanto da Índia quanto do Brasil, impactam o mercado fortemente. E os próximos passos dos governos – eleito no gigante asiático e que será eleito no Brasil – são bastante desafiadores. A complexidade e as reações do mercado indicam que o cenário segue conturbado, mas as potencialidades de ambos os países mostram que, se os recém-eleitos têm também muitos desafios, também podem avançar muito mais e evidenciar os pontes fortes de países tão ricos em recursos, mas que ainda não conseguiram atingir um progresso econômico satisfatório. 

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.